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“Gestão e Negócios Sustentáveis”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível
em http://www.gestaoenegociossustentaveis.blogspot.com.br
Autoria:
UNESCO/ONU.
DESORDENAMENTO
ÉTICO
Com a natureza dando sinais de
esgotamento e a desordem ecológico-social longe do seu fim, resta, na periferia
mundial, pouquíssimo como elemento de troca nas relações com os países
centrais. Por tal razão, drogas ilícitas e espécies nobres roubadas das
florestas tropicais constituem a derradeira e sólida moeda de expressivo valor
no intercâmbio entre os países globalizados e globalizadores. Quanto mais lucrativo
o negócio, maior o número de pessoas interessadas nele! Nada reverte esta
lógica capitalista.
A ausência da educação como garantia do
desenvolvimento sustentável, a presença do poder judiciário tal como ele se
apresenta no Brasil permite, pela morosidade de seus juízes, o avanço da
corrupção. Coze para a sociedade um caldo político extremamente indigesto e danoso.
Fragilizados os valores éticos, a cultura da corrupção corrói tanto o Estado
quanto a segurança humana. Destarte, a articulação apresentada nesta análise
entre a falta de segurança, falta de educação com ética e crescimento sem
sustentabilidade.
É preciso diferenciar ética de moral.
Para Srour, “ética não se confunde com moral como induzem erroneamente as
expressões consagradas ‘ética católica’, ‘ética protestante’, ‘ética liberal’,
‘ética nazista’, ‘ética socialista’. Enquanto a moral tem uma base histórica, o
estatuto da ética é retórico, corresponde a uma generalidade abstrata e formal.
A ética estuda as morais e as
moralidades, analisa as escolhas que os agentes fazem em situações concretas,
verifica se as opções se conformam aos padrões sociais. Fica no mesmo plano
ocupado pelas chamadas disciplinas sistemáticas. [...] Como disciplina teórica,
a ética sempre fez parte da filosofia e sempre definiu seu objeto de estudo
como sendo a moral, o dever fazer, a qualificação do bem e do mal, a melhor
forma de agir coletivamente. A ética avalia então os costumes, aceita-os ou
reprova-os, diz quais ações sociais são moralmente válidas e quais não são”.
Fenômenos como os da exclusão social e
da insustentabilidade do desenvolvimento põem em xeque ações e o próprio papel
do Estado na sua obrigação histórica de zelar pela segurança humana, pela educação
e pelos direitos da cidadania. Nesta reflexão, ações como essas transpassam
caminhos atípicos: somatório dialógico entre valores como a ética, a justiça e
a questão ambiental, amarrando possibilidades para um presente sustentável.
Isto significa navegar em busca de riquezas explicativas novas, não apenas
necessárias à exegese da fenomenologia dos porquês da desordem social e da desordem
ecológica, mas também para saber o como as coisas acontecem dentro e fora da
globalização.
Nas idiossincrasias da ordem
internacional, observa-se que a violência contra o homem e contra a natureza
atinge com distintos impactos populações dos países que globalizam e dos que
são globalizados. Por exemplo, a maior potência mundial, os Estados Unidos da
América, pelo consumismo de sua população é o país que, ecologicamente falando,
mais custa ao mundo. Nações da periferia mundial, amarradas pelas burocracias
que deixam de incrementar as conhecidas alternativas de sustentabilidade, correm
igualmente perigo. No caso brasileiro, os privilégios de suas elites, a
generalizada corrupção e a perversa distribuição da renda sob o patrocínio do
próprio Estado, proporcionalmente tinge de sangue, mais que noutros países, a
natureza e o tecido social da nação. Daí a degradação ambiental associada à
baixíssima qualidade de vida do povo. Daí também a violência. Tudo isso
significa ameaça à democracia e à paz, porque fragiliza a unidade nacional,
notadamente na região amazônica. Fere a histórica força simbólica desta região
por causa da monumental negligência para com o social que, por toda parte, mina
as estruturas na qual estão assentadas as bases do Estado-Nação.
No calendário dos infortúnios da
comunidade das nações, destacam-se as brutais desigualdades sociais, a falta de
educação libertadora, o generalizado desrespeito aos direitos humanos, a
degradação ambiental global e o narcotráfico, sustentado, em parte, pelo
hedonismo e pelo consumismo. Os caminhos da busca do prazer a qualquer preço
são cúmplices da degradação ambiental, podendo levar também ao abuso das drogas
ilícitas.
A clandestinidade, robustecendo os
negócios da economia das sombras, transforma o comércio ilegal de drogas e de
produtos roubados das florestas tropicais em instrumento de enorme capacidade
de destruição social e ecológica. Fere e ameaça, inclusive, a ética do pacto
social, em que se troca a liberdade pela segurança, razão de ser do Estado moderno.
Significa desafio crucial para as democracias hodiernas, em que até o acesso à
justiça já é privilégio.
A academia percebeu que o fortalecimento
do ambientalismo e sua transformação em movimento histórico mundial causam
profundas ressonâncias nas relações internacionais. Todavia, com o consumismo
sempre a querer mais, multiplica-se o descontentamento dos povos sob o jugo hedonístico
desta civilização. O panem et circenses, pão e circo de ontem, traduz-se, hoje,
por drogas, descaso para com as verdadeiras causas da devastação ecológica e
paixão pelo poder. É bom relembrar que os grupos sociais, com histórica prática
de acumulação de bens e riquezas, são extrema-mente hedonistas.
No contexto do desordenamento ético,
inclusive os direitos humanos são invocados para justificar decisões politicamente
incorretas. Falta indignação pelas causas de infortúnio que assolam o mundo,
inclusive a fome. Nessa trama de desgaste moral e ético, o combate às substâncias
alucinógenas e a luta por um ambientalismo sadio transformam-se em cruzadas
que, graças ao monumental poder de corrupção das elites, costumam terminar
menos servindo aos fins e mais aos meios. Que se considere, por exemplo, a
alarmante indústria da guerra às drogas e a não menos pérfida indústria
exploradora da desgraça ambiental.
O
DIREITO DA INGERÊNCIA
Tanto a “luta” contra as drogas quanto
as indústrias transformadoras do caos ecológico em lucrativos negócios apresentam-se
oportunas no exercício da hegemonia política nas relações internacionais. A
transnacionalidade do caráter dessas políticas, engolindo continentes inteiros,
por exemplo, a ação da Drug Enforcement Administration (DEA), surgida em 1973
no lugar do Federal Bureau of Narcotics, e espalhando-se por quase toda a
periferia mundial, rende frutos amargos. Aqui no Brasil, são colhidos no quintal
da casa aberta da política, que subordina o Brasil aos ditames da peleja
antinarcótica globalizada sob a tutela dos Estados Unidos da América.
Eivado de ambigüidades, o relançamento
da discussão sobre a questão das drogas ilícitas ocorreu também em 1971, quando
a Organização das Nações Unidas promoveu, em Viena, a Conferência sobre
Substâncias Psicotrópicas, no apagar das luzes da guerra fria. Acompanhando o
processo de coexistência pacífica, distensão ou deténte, a política
internacional de repressão às drogas e as expressas preocupações dos países
centrais, em relação à desordem ambiental da periferia, cresceram.
Infelizmente, em nada aliviaram o peso do fardo do atrelamento dos povos latino-americanos
ao desigual sistema mundial de poder.
Na falta de um sistema educacional
emancipador e criativo, a costura do figurino usado no cenário da luta contra os
alucinógenos segue, à risca, o velho modelo de segurança hemisférica dos
norte-americanos, cerzido pelas mãos preguiçosas da Organização dos Estados
Americanos. Alinhava, principalmente, os países latino-americanos na terceirização
da guerra contra as drogas segundo os ditames de Washington.
Tem faltado aos Estados Nacionais visão
da força do lucro gerado pelos negócios do narcotráfico e da natureza capitalista
da devastação ecológica transnacional que trans-formaram a Amazônia no que é hoje.
Há carência de perspicácia política e de conhecimento acerca da realidade dos povos,
das manifestações materiais de suas atividades, inclusive da corrupção. Urge
também construir uma espécie de etnografia da destruição pertinente ao
desrespeito à natureza e ao abuso das drogas. Tão grave quanto os péssimos resultados
da acalentada militarização da luta contra os narcóticos é a morosidade na
construção do processo educativo, junto aos programas ambientais, para conter o
avanço da poluição urbana e da carbonização das florestas.
Com o advento do direito de ingerência,
do direito sem fronteiras, estilhaçando como nunca o princípio da soberania,
segmentos da sociedade, notadamente as Forças Armadas e a diplomacia dos
Estados Nacionais do subcontinente, ocultam a gravidade do perigo da degradação
ambiental e do narcotráfico como ameaças à segurança e à independência
nacional.
Desnorteados, perdidos num mundo onde
falta a ética, os Estados tampouco dão-se conta do formidável vetor da
integração paralela das drogas em dimensão hemisférica. Fala-se muito e faz-se
nada, seja para barrar a expansão das áreas devastadas, seja para impedir o
fortalecimento do narcotráfico nas estruturas do poder político. A comunidade das
nações, em face do insucesso, seja da sustentabilidade das políticas públicas
voltadas para o meio ambiente, seja do fiasco das estratégias antidrogas, sente,
indefesa, os sintomas de suas fraquezas. Por conseqüência, políticas dos
Estados Nacionais, esquecidas da importância do significado da educação como
prevenção, dobram-se diante da impotência da contenção da devastação ambiental
no meio urbano e rural e do alastramento do consumo abusivo de psicotrópicos.
O risco da contravenção vem tanto de
dentro quanto de fora. A ameaça corrosiva da corrupção nas Américas age celeremente.
As respostas do banditismo, em matéria de dinamismo, causam inveja às políticas
oficiais de integração, mesmo porque, historicamente, as drogas mostraram-se
eficiente instrumento e vetor de integração. Na ilegalidade, a droga proibida
transformou-se instrumento da dominação, nunca deixando de manipular as armas
da corrupção.
A história do papel da coca, da cocaína
e do contrabando das riquezas encontradas nas florestas ainda hoje permanece
ignorada pelos estudiosos da integração. A coca, na historiografia andina
pré-colombiana, antecede realidadeshoje presenciadas do processo de integração
continental.
Principalmente nas últimas três décadas
do século XX, o comércio ilegal das pedras preciosas, do ouro, das madeiras nobres,
de variados produtos do extrativismo vegetal e das drogas alucinógenas soube engordar
as oligarquias, principalmente por meio da sustentação do custo de suas campanhas
políticas e da caça aos votos conquistados pelo dinheiro fraudulento, em busca
da tão cobiçada imunidade parlamentar.
Os movimentos de integração se, em certo
sentido, como no caso da União Européia e do Mercosul, contribuíram para o
alargamento das fronteiras do mundo dos narcóticos, poderiam, da mesma forma,
criar instrumentos co-letivos a favor da educação, com ações concertadas de melhor
proteção à natureza e de eficaz combate às drogas. Infelizmente, não é isso o
que se nota.
VITALIDADE
DA CORRUPÇÃO
O banditismo formal, e parte expressiva
dos herdeiros da oligarquia política latino-americana emergente, ainda vivendo
do contrabando e dos frutos da desastrosa exploração dos recursos naturais,
possuem em suas mãos parte importante dos negócios das drogas. A globalização
dos negócios relacionados à depredação da natureza e também ao comércio de
narcóticos leva a consensos e a estratégias comuns. Obrigou numerosos donos do
poder a arquivar tradicionais disputas e rivalidades em prol da ampliação de territórios.
Curvou-os diante da convergência de irreversível realidade: a da integração paralela
das sociedades americanas por meio dos negócios ilícitos.
Diante dessa verdade, nenhum governo
nega que o contrabando de drogas e das riquezas retiradas ilegalmente da terra
e dos rios provocam indimensionável circulação de dinheiro e de pessoas. Entre
as três Américas, estima-se se-rem tais negócios responsáveis pelo fluxo de
somas bilionárias. Entre outros exemplos, a movimentação de capitais, o emprego
de estratégias montadas pelo contrabando de madeira e pelo narcotráfico,
principalmente por meio da lavagem de dinheiro, incrementam o setor industrial,
turístico, agropecuário, comercial, financeiro e da construção civil. Esses
setores testemunham vivamente os ilícitos atuando como vetor de integração
econômica, com base no seguinte tripé: corrupção, violência e lucro. Trabalham
atrelados a uma economia informal de extrema vitalidade. Branqueiam como
ninguém o cobiçado dinheiro protegido pelo
Estado por meio das suas instituições
bancárias. Para os países consumidores ricos direciona-se o fluxo final do dinheiro
das drogas e das transnacionais. Estas últimas com maestria comercializam e transformam
os produtos que brotam no corpo carbonizado das florestas e dos cerrados. A soja
é um exemplo entre tantos outros.
A vitalidade da corrupção percebe-se em
países onde valores éticos e morais esmorecem e onde a cumplicidade das elites
no poder com o crime organizado sente-se de forma clara na poderosa economia
informal, frutificando na ineficiência da burocracia dos órgãos oficiais.
Corrompe juízes, elege vereadores, deputados e senadores. O crime organizado
soube criar estruturas de poder dentro do Estado, e parte das engrenagens da
máquina estatal passou a ser também sua.
No esquema da dualidade do bem e do mal,
recria-se o bode expiatório dos males hodiernos. Graças a isso, o narcotráfico
e a devastação ambiental nas relações internacionais transformaram-se em
disputados joguetes dos instrumentos de poder. Ninguém duvida de que o baixo
preço pago aos tradicionais produtos oriundos do extrativismo vegetal levou,
por exemplo, a população rural amazônica a procurar novas opções. A mineração
de prata e estanho no Peru e Bolívia, bem como a garimpagem do ouro em vários países
da hiléia, souberam fazer crescer por anos uma mão-de-obra para, finalmente,
desová-la em etapas distintas do narcotráfico.
No Peru, na Venezuela e no Brasil, os
garimpos de ouro, depois de anos de desordenada exploração, mostram-se exauridos.
O contrabando de madeira, o cultivo, processa-mento e tráfico de drogas
significaram, de uma forma ou outra, redentora opção para alguns segmentos
dessas sociedades atormentadas pelo desemprego.
A contravenção, na extremamente ativa
economia in-formal, ilude no que toca à democratização das chances no mercado
de trabalho para a população de baixa renda. O contrabando de produtos
atrelados ao comércio das drogas penaliza a sustentabilidade e as políticas
públicas voltadas para a questão ambiental, porque a indústria do ilegal no Brasil,
possivelmente a mais modernizada e eficiente do Ocidente, fere e lanceta as
veias do Estado Nacional. Com a democratização, o fosso social, inclusive
aquele em torno das concepções éticas, não diminuiu. Continua abismal.
Aumenta igualmente graças ao admirável
gigantismo da economia clandestina, da corrupção política e do narcotráfico. As
elites, transformando os ganhos dos negócios paralelos em lucros seus, ao
concentrar substantivo volume de riquezas fazem da exploração da natureza e da ruína
do homem pelas drogas sua lógica de poder.
Os negócios dos ilícitos, entrelaçados
aos da devastação ambiental, são perversidades do cotidiano do capitalismo
globalizado. Na degradação humana, empurrada pela violência e pela corrupção
generalizada, o narcotráfico tem o mesmo sangue de outros negócios extremamente
prejudiciais à sociedade. Todos, por sua força e penetração, indiretamente
amparam e desmoralizam o Estado.
Dentre as variadas formas de fragilização
da sociedade pelos entorpecentes, a utilização dos menores é das mais cruéis.
O desprezo para com os bons costumes e
para com valores éticos que se perpetuam na solidariedade humana; o descaso
para com a educação; a degradação da natureza, que fere a qualidade de vida
obstruindo virtudes de cidadania; a mania de responsabilizar o Estado
esquecendo-se de que o Estado somos todos nós; o “venha a nós e nunca ao vosso
reino” jogam sociedades inteiras na solidão acompanhada da cultura do vazio.
Típica dessa civilização dos esmorecidos valores éticos, a cultura do vazio
transforma o homem em carrasco e vítima do destino comum sem futuro.
NEGLIGÊNCIA
PARA COM A EDUCAÇÃO
O narcotráfico recruta, notadamente no
Brasil, expressivo contingente de adolescentes. Subverte a ordem internacional
vigente eliminadora da mão-de-obra do menor, que ousa competir com a adulta no
cenário de desemprego crônico do capitalismo da pós-modernidade. Em todo o
país, alteia o consumo de drogas entre menores. Desgraçadamente, em nenhuma
outra nação a distribuição de drogas tornou-se rotineira e descaradamente
presente em mãos de adolescentes. Isso explica parte dos porquês das cruéis
estatísticas de assassinatos dos meninos e meninas. A sociedade, negligente
para com a vida, igualmente negligencia a educação para o cidadão.
Precisamente na terra conhecida pelos
especialistas por seu Estatuto da Criança e do Adolescente a favor da proteção
dos menores, o crime ceifa vidas de crianças. Há de se ressaltar que as drogas
ilícitas e a degradação dos costumes sustentados pela ética da solidariedade
socializaram o universo de suas vítimas. Atualmente, crianças tanto pobres e desamparadas,
quanto ricas e bem alimentadas, respiram o mesmo ar poluído. Ambas podem cair
no inferno dos entorpecentes. As análises do fenômeno dessas desgraças implicam
a decomposição das diferenças. O descaso para com a educação, o desrespeito ao
meio ambiente, a sede pelo lucro imediato explicam o descuido pela segurança
humana.
O menosprezo para com o bem comum corta
o ethos da ligação homem-natureza. O menino de rua, encarnando a figura do
bandido, é equívoco estudado no livro Narcotráfico e segurança humana denuncia-se
o envolvimento da juventude abastada em crimes relacionados às drogas. O uso de
drogas e a degradação ambiental são conseqüências de políticas corruptoras ligadas
à luta pelo controle do poder e de outras realidades. No mundo das políticas públicas
voltadas para o meio ambiente, a distância entre as leis e a realidade é
inconfundível. Sem perceber as contradições sociais, perde-se a interpretação
das causas da degradação ambiental e humana.
Tampouco se alcança o entendimento da
razão das coisas. Crianças e adultos entram nas gangues introduzindo-se nos
negócios do narcotráfico, principalmente pelo dinheiro que significa status.
Sentimentos de responsabilidade e de autoridade são atribuídos aos só-cios
dessa seara do submundo do crime. A droga distribuída rende prestígio.
Resumindo, droga na mão acaba com qualquer sentimento de exclusão. Possuir
droga significa força para o infrator. Tal poder nas ruas é marcado pela covardia
das armas, cuja abundância transformou assassinatos e assaltos em rotina. Aí o
cidadão, alvo fácil da violência, passa a ignorar a democracia e o Estado, que
lhe nega a proteção e a educação para a vida. A ausência do pacto social a favor
da segurança humana é meio caminho em direção à volta aos sistemas
totalitários, de triste memória, hoje equivocadamente tidos como regimes da
ordem e do progresso.
A tremenda despreocupação para com o
social e para com o ambiental, a falta de uma ética da solidariedade, a falta
do acesso à educação e a perversa repartição da renda constituem a causa mortis
das democracias periféricas, em que a vocação das elites do tudo para ter
esquece a ética do ser. Aí aniquila-se, também por meio do consumismo, a qualidade
ambiental para o viver das massas.
Tirar do papel, aplicar verdadeiras
políticas públicas, primeiramente para a educação e para a sustentabilidade da
qualidade de vida, funciona como o antídoto contra a delinqüência e, por
extensão, contra as drogas ilícitas. A violência do cotidiano mostra, como
sempre, a parcialidade na aplicação do rigor das leis. Se a democracia no
Brasil for estimada pelos resultados concretos até agora alcançados a favor da
paz e da segurança pelo país afora, se comprovará que aqui ela é mais miragem
no deserto dos bons desejos e das boas intenções do que realidade apalpável.
PREJUÍZOS
ÉTICOS
Políticas antidrogas comparadas, por
exemplo, às aplicadas nos países islâmicos e nos Estados Unidos da América,
angariam variadas convergências. Apesar das ciladas das diferenças, em todos
eles a “diabolização” dos entorpecentes encontra-se no cerne da estratégia de
luta contra as drogas. Ambos tratam com castigos os estrangeiros pegos com substâncias
ilícitas dentro de seus territórios.
Pelo fato de a cultura árabe ser berço
do uso de algumas drogas alucinógenas, o Ocidente precisa aprender com as
sociedades islâmicas seu ardor religioso contra o álcool, de todas as drogas a
mais assassina. A divulgação de estereótipos em nada auxilia. No islamismo, crianças
e adolescentes não são vítimas do erotismo e nem das drogas com a intensidade e
freqüência conhecidos no Ocidente.
O descuido para com a educação nas
escolas e fora delas desacredita a possibilidade de convivência pacífica com as
drogas, que existem há muito tempo, porém sem a dominação delas com a
intensidade de hoje. Se poucos povos conseguiram escapar da poderosíssima
influência cultural do capitalismo das drogas, nenhum deles é tão vítima da violência
do narcotráfico como os países amazônicos. Entre estes, notadamente o Brasil e
a Colômbia. Nesse contexto, anda quase impossível ter fé nas suas políticas
governamentais antidrogas. Urge, então, alinhavar essas questões no estudo da
cooperação nas relações internacionais. Há que ferir a hipocrisia impedidora do
diálogo franco sobre os temas da descriminalização ou da legalização, que soam
quase como blasfêmia.
Sem o amplo uso do exercício da
cidadania no debate sobre a degradação ambiental e sobre as drogas, ele se
trans-forma em discussão epistemológica pobre, porque não consegue ir além da
visão do meramente convencionado entre o legal e o ilegal. A crise dos
paradigmas envolvendo o esquecimento da importância da educação, a falta de
misericórdia ativa entre os povos, a inexistência de indignação ética, a
competição em lugar da solidariedade, tudo aumenta a sede pelos narcóticos e
pela degradação ambiental. Deixa claro o grande equívoco de declarar guerra às
drogas antes de declarar guerra às causas que levam ao consumo.
Nas relações internacionais, os debates
sobre as substâncias ilícitas, alimentados pela paranóica utopia da visão do
mundo sem entorpecentes, acompanham as péssimas novidades dos resultados da
fraquíssima cooperação internacional e das mal aplicadas políticas nacionais
antidrogas.
A sistemática teimosia pela recusa do
diálogo sobre a descriminalização ou não dos alucinógenos fecha portas a outras
oportunidades; impede ataque frontal ao tipo de capital que, em última
instância, se beneficia dos negócios ilícitos mantidos na clandestinidade,
incluindo aí os relacionados à exploração predatória dos recursos naturais
não-renováveis.
As perversas forças do narcotráfico e a
impiedosa devastação da natureza destroem o homem, porque o capital, alimentado
por elas, coloca o lucro antes dos valores e dos apelos à vida. A natureza
hierarquizada da utilização dos ganhos imediatos com a devastação florestal e
com os entorpecentes bem como a imperfeição das estratégias de combate ao
narcotráfico expõem a debilidade das políticas públicas, principalmente
daquelas voltadas para a educação.
O capitalismo das drogas adapta-se aos
diferentes regimes presentes no mundo globalizado das finanças. Constata-se, ao
final, que a globalização forçosamente rouba a vitalidade do Estado Nacional
porque, de certa forma, entre muitíssimas outras causas, igualmente
beneficia-se do comércio dos ilícitos.
O aumento vertiginoso do consumo de
entorpecentes debita à conta da sociedade pesados prejuízos de ordem, inclusive,
ética e moral. Cartéis, máfias e gangues ditam as ordens, e suas leis são as
acatadas. Na sociedade acostumada com a violência e com a corrupção, poucos
corajosos mostram a ineficiência do proibitivo. Quase ninguém denuncia a impotência
das políticas de criminalização das drogas.
Desacompanhadas de cuidados especiais
com a eqüitativa distribuição da renda, com a moral e a ética social, as políticas
para o meio ambiente bem como aquelas para o combate às drogas, na maioria dos
Estados Nacionais, frutificam bichadas. Em tal contexto, pode-se perfeitamente
re-conhecer a necessidade da consciência coletiva na busca da desobediência
civil contra a ordem sustentadora da perversa distribuição da renda patrocinada
pelo Estado, controlado pelas elites corruptas. A denúncia do insucesso da
re-pressão capitalista subdesenvolvida, abatendo pobres e inocentando ricos,
deve atrelar-se à permanente mobilização comunitária a favor dos direitos
humanos como forma de defesa contra a violência das drogas e do acúmulo ilícito
d riquezas.
O comprometimento, o envolvimento
democrático e consciente da ciência e, principalmente, da educação na luta
contra o narcotráfico, contra a injusta distribuição da renda e pela
sustentabilidade das políticas ambientais poderão então deixar de ser um mero
amontoado normativo de boas intenções. Ser contra a corrupção é saber trazer
também respostas ao controle sobre o tráfico de entorpecentes. Nascidas de uma
interdependência de análises, críticas e observações, não se entende a
degradação da educação e dos valores éticos sem sua inter-relação com o poder
corruptivo das imunidades e dos privilégios.
O contrabando, o tráfico de armas, a
corrupção política, a indústria da pirataria dos recursos naturais
não-renováveis e a lavagem de dinheiro associam-se a variadas dimensões da economia
e da vida política. Servem como exemplo o mercado informal, a sonegação fiscal,
a banalização da corrupção e, inclusive, os altos salários em conhecidos
segmentos do serviço público no Brasil. No mar da violência e miséria,
representarão conjunto de peças explicativas da penetração da contravenção e da
covardia civil no tecido social. Redução de danos como parte de políticas
públicas voltadas para a educação não se limita a arranjos cosméticos. Equivale
a uma larga compreensão sobre a noção do valor da ética. Implica arquitetar o
pacto social enquanto ainda há tempo.
PACTO
SOCIAL
Em termos hobbesianos, o pacto é a troca
da liberdade pela garantia de se poder viver em paz. Ninguém desmente a falta
de segurança aportada pelo consumo abusivo das drogas ilícitas, que arrasa milhares
e milhares de seres humanos. O Estado passa a imagem de fracasso se a educação ignorar
como lidar com o fenômeno. A construção em torno da frase Homo homini lúpus — o
homem lobo do homem — não tem como ser desígnio de realidade peremptória. A sociedade
solidária, sem exclusão, transcende e desfaz a fantasmagoria da perversidade
inata do homem. O mesmo se dá com a devastação ambiental, com o caos
educacional e com a problemática das drogas ilícitas, desventuras perfeitamente
superáveis porque o instinto de sobrevivência humana é, por natureza, forte.
Na sabedoria da verdadeira
solidariedade, residem a educação libertadora com capacidade para o diálogo,
atitudes positivas e meios para a construção do pacto social com soluções
definitivas contra o abuso de drogas nocivas e contra a depredação dos recursos
naturais. Recursos estes in-dispensáveis à sobrevivência da espécie. Ao se
falar sobre o pacto social proposto por Hobbes, vale relembrar a formação de
sua nova razão ética. Para o jesuíta Henrique C. de Lima Vaz, “as
racionalidades éticas na modernidade conhecem, no seu ponto de partida, uma
revolução epistemológica tão profunda quanto aquela da qual procederam as
racionalidades científicas, vindo ambas a caracterizar os episódios iniciais na
formação da razão moderna no século XVII e mostrando entre si uma homologia de
estrutura que as torna reconhecíveis com aspectos de um mesmo grande processo
de transformação da razão ocidental.
Assim como Galileu foi o primeiro artífice
reconhecido da nova razão científica, assim T. Hobbes o foi da nova razão ética.
Fiel aos princípios do materialismo mecanicista, Hobbes rejeita a teleologia do
Bem, sobre a qual se fundava a Ética antiga, ao mesmo tempo em que o seu nominalismo
tornava inassimilável pelo seu pensamento o conceito de ‘natureza’. Desta
sorte, a Ética hobbesiana é estritamente egoísta e utilitária, não sendo mais
do que a transcrição, no ‘pacto de sociedade’, do estado original do homem como
indivíduo animal guiado pelos instintos da autoconservação e do domínio
limitado apenas, no exercício do seu egoísmo fundamental, pelo temor da morte.
A concepção hobbesiana da Ética
reveste-se de uma significação emblemática na gênese das nacionalidades éticas
modernas, na medida em que mostra com inconfundível nitidez o caráter poético
ou fabricador do conhecimento no domínio dos valores éticos: Hobbes, com
efeito, reconhece, como única originalidade do homem, o ser o artífice da
própria humanidade. Por outro lado, reafirma-se em Hobbes a primazia do pólo lógico
na estrutura da razão, ao propor ele a explicação do agir ético pelo método hipotético-dedutivo,
segundo o modelo da geometria euclidiana. Assim, do mesmo modo como a ciência
moderna é galileiana na sua raiz, da qual nascem seus numerosos ramos, assim as
racionalidades éticas modernas prendem-se à raiz hobbesiana, da qual procedem
suas duas ramificações maiores: o racionalismo e o empirismo.”
Na sociedade hodierna, encarar as contravenções
sociais com seriedade proporcional às desgraças por elas aportadas fere
injustos direitos adquiridos pelas elites no poder. Incomoda interesses
econômicos e burocracias que, seguidas vezes, obstruem a sustentabilidade das
políticas públicas. Por exemplo, a indústria da guerra às drogas e as indústrias
do ambientalismo existem, no mundo inteiro, com milhares de organizações
governamentais e não-governamentais vivendo do dinheiro público e privado, sem
dar respostas satisfatórias. Isso demonstra a convivência permissiva de
burocracias com a ineficiência, ocasionando perdas irreversíveis. O
proselitismo e o oportunismo castram a capacidade criadora da educação. Alargam
as fronteiras da geopolítica da contravenção, da degradação humana e da desgraça
ambiental.
EDUCAÇÃO
NA LINHA DE FRENTE
Em razão de constituir expressiva
atividade de caráter transnacional, por seu enfrentamento ser objeto de
políticas em nível de relações exteriores, a cooperação internacional antidrogas
deveria ser ativa e propositiva. No âmbito das relações internacionais, sua análise
política reclama pesquisas sobre o papel das drogas no processo da integração
paralela. A comunidade científica, os educadores, os serviços de inteligência e
a diplomacia têm como dar atenção a este fenômeno. O recurso aos prolegômenos
históricos da contravenção e do contrabando lança luzes nos estudos sobre os
passos do narcotráfico e suas estratégias.
A globalização da guerra contra as
drogas, até o momento, só tem feito a periferia sentir o efeito dos prejuízos e
nada dos benefícios. Os mentores da política interna e ex-terna de combate ao
narcotráfico não enxergam isso. Fica, assim, difícil acreditar no sucesso das
leis repressivas contra o consumo dos ilícitos. A toxicomania é tão velha quanto
o homem. Todavia, desde as inacabadas revoluções sociais dos anos 60, com o
fortalecimento do hedonismo e do consumismo, a sociedade internacional assiste
passiva ao recrudescimento das drogas e aos atentados contra o meio ambiente em
diversos tabuleiros por todo o mundo.
Nos países amazônicos, a degradação ambiental
e a concentração de riquezas preparou o terreno às atividades do narcotráfico,
presente, em escalas variadas, em todos segmentos sociais. Em razão das
crescentes pressões e implicações do narcotráfico no plano da política externa,
sucessivos governos ensaiam demonstrar maior preocupação. Isto se faz
tradicional e equivocadamente por meio da criação de novas leis, novos órgãos,
novos cabides de emprego, novos tratados e convenções internacionais.
Até agora o Estado nem mostrou como usar
a educação, em todas as frentes de batalha, para enfrentar o desafio de
formular um pensamento estratégico condizente com a dupla e simultânea
tendência de interiorização e internacionalização do narcotráfico. A
preocupação com a questão das substâncias alucinógenas internamente parece menor
que a preocupação com seus desdobramentos nas relações internacionais. Idem
para a questão ambiental. Por exemplo, de 1986 a 1998, o Brasil passou a ser
signatário de acordos internacionais bilaterais sobre entorpecentes com 17
países: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Guiana, México, Peru,
Paraguai, Suriname, Uruguai, Venezuela, Estados Unidos da América, Itália,
Portugal, Reino Unido e Rússia.
As razões da ausência de três
continentes inteiros nesta lista, África, Ásia e Oceania, não são fortuitas. Ou
comprovam as limitações da dimensão internacional da diplomacia antidrogas do
Itamarati, extremamente atrelada ao eixo Estados Unidos — Europa, ou o resto do
mundo economiza seu tempo, sabedor da distância entre o conteúdo de tais
acordos internacionais e sua prática.
As drogas e a questão ambiental, ambas
centro de preocupação de extensos segmentos da população, levaram os Estados
Unidos da América a encarar a questão como um desafio global e a desenvolver
estratégias, forçando os aliados a uma tomada de posição. Todavia, sem a ajuda
da educação e da ética, a condenação pura e simples das drogas ilícitas não
resolve o problema. No enfrentamento do narcotráfico e da devastação das
florestas, nota-se que os esforços diplomáticos e os termos operacionais
encontrados pelo Estado brasileiro até hoje não se configuram em nenhum tipo de
instrumento efetivo para reversão ou alteração significativa do caos ecológico
e do abuso das drogas ilícitas no Brasil. Isso prova o profundo enraizamento do
hábito do consumo de drogas espelhando o descuido para com o homem.
Não se combate a destruição do homem e
da natureza com discursos. Desacompanhados de ação, caem no esquecimento, inclusive
aqueles proferidos, seja na Rio-92, seja na Primeira Reunião entre os Chefes de
Estado e de Governo da América Latina e Caribe e da União Européia, com participação
do Presidente da Comissão Européia, no Rio de Janeiro, em finais de junho de
1999. Nesta Cimeira todos expressaram o desejo de cumprir e de acompanhar os
acordos da XX Sessão Extraordinária da Assembléia das Nações Unidas sobre
Medidas Conjuntas para Enfrentar o Problema das Drogas. Comprometeram-se a
promover e a proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
Fortalecer a liberdade individual,
congregar esforços para combater todas as formas de crime transnacional e
atividades afins, como lavagem de dinheiro, tráfico de mulheres, de crianças e
de migrantes, a fabricação e o comércio ilícito de armas de fogo, munições e
materiais conexos.
A
DESIGUAL REPARTIÇÃO DO PÃO
Pontos focais da política interna e
externa de expressivo número de países, nem por isso se enfrenta o problema global
do narcotráfico e da degradação ambiental com a seriedade e o rigor que
merecem, porque nas democracias da periferia as drogas e o contrabando de
riquezas naturais transformam-se em instrumento de poder ao corromper importantíssimos
segmentos do judiciário, do executivo e do legislativo.
Vale repetir que a deterioração dos
valores sociais, a banalização da violência e da exclusão, a fome pelo lucro fácil,
o desleixo para com a educação, os intocáveis privilégios das elites, o menos ético
e o hedonismo fragilizam a sociedade. Contribuem para o crescimento da erva
daninha do crime organizado, que atua tanto nos negócios das drogas quanto nos
da devastação florestal. Não menos importante, o testemunho da negligência e da
inoperância do Estado aniquila o cumprimento de suas funções básicas, em matéria
de educação, de distribuição de renda e de segurança. A desigual repartição do
pão, patrocinada pelo próprio Estado, germinou a semente da banalização da corrupção.
O aprendizado forçado, levando a sociedade a conviver em meio ambiente poluído
e degradado, cheio de corrupção e de violência, é o mais grave de tudo.
Enquanto o homem não estiver livre da
algema dessa trama criminosa, a conjunção desses fatores gera condições
propícias ao adensamento de problemas relativos ao desrespeito aos direitos
humanos, ao consumo de substâncias ilícitas e à gravíssima depleção dos
recursos naturais.
Nos espaços sociais em que a mão do
narcotráfico ocupa o lugar do Estado, distribuindo emprego e favores como pagamento
por enterros, remédios, material escolar, comida, roupas e promovendo o lazer,
apoucam-se as chances de a sociedade libertar-se dos grilhões do crime organizado.
Agora pode-se dizer o mesmo em relação à corrupção: onde ela existe, o Estado
definha. Quanto maior a corrupção, menor a indignação refletida no número de
denúncias contra irregularidades e descuidos ambientais.
O não envolvimento da educação com todas
as suas potencialidades na política antidrogas dificulta a associação do debate
sobre o narcotráfico com realidades igualmente importantes. Esconde os elos do
mencionado fenômeno soldados a questões como a fragilidade democrática, a exclusão
social, a desordem, a corrupção política, a má distribuição de renda, a
violência, o desrespeito aos direitos humanos, o crescimento sem sustentabilidade,
a ingovernabilidade, a degradação da justiça, o caos ambiental, o nepotismo e a
corrupção. Enquanto esse somatório de irregularidades permanecer tolerado,
enquanto a discussão conservar-se restrita a níveis normativos, guiados por
políticas epidérmicas, tudo continuará de mal a pior.
Tradicionalmente, não apenas o
narcotráfico, mas também a degradação ambiental, com insistência são trabalhados
em termos elementares, ou seja, como questão de responsabilidade apenas
estatal. Daí o oneroso equívoco das autoridades governamentais ao perpetuar as
rédeas do combate nacional às drogas e à destruição ambiental, em mãos de uma
burocracia estatal pouco operativa. Em decorrência, os tribunais, as casernas e
as secretarias para o meio ambiente acreditam ser os principais — senão
exclusivos — instrumentos do Estado na resolução de problemas vinculados às
drogas e ao meio ambiente. O resultado disso todos conhecemos. A legislação
brasileira consagrou, nos anos 1970, um enfoque pautado na criminalização do
consumo, com pouquíssima ênfase à prevenção e à contenção do tráfico interno.
As conseqüências disso ainda perduram.
Pior é a constatação da inexistência, em
todo esse período, de aplicação de políticas públicas articuladas, e o desuso
da educação no enfrentamento do consumo abusivo das drogas ilícitas. Equivocadamente,
pensam os formuladores de políticas ser possível combater o quadro de
devastação ambiental e de proliferação do abuso de drogas, criando novas burocracias.
A falta de vontade nacional e de coragem civil na luta em prol de educação para
uma sociedade menos injusta e ambientalmente mais saudável favoreceu, sem
dúvida, a penetração do narcotráfico e da degradação da natureza.
No Brasil, a carência de moralidade leva
o legislativo, o executivo e o judiciário a desmoronar sob o peso das regalias de
várias castas dos seus servidores. Quando o exemplo não vem de cima, a
democracia passa a ser aviltada e avacalhada.
UM
MUNDO PARA TODOS
A geopolítica das drogas e a preocupação
de um mundo para todos coadjuvou o morticínio do princípio da soberania,
transfigurando as fronteiras nacionais mais em símbolo cartográfico do que
realidade política. A integração promovida pelo banditismo desde seu nascedouro
ignora o princípio da soberania bem como limites e marcos divisórios. A saída
ilegal das riquezas, a poluição mercurial e o histórico contrabando na América
Latina brindam a trans-nacionalidade com ambientes extremamente propícios à contravenção.
O contrabando, alimenta secularmente, elites e gerações de políticos no
continente. Aí, com certeza, plantaram-se as raízes históricas da tolerância
para com a degradação ambiental e do envolvimento das elites nos negócios do
narcotráfico.
Não importa onde, se na Europa, na
América Latina ou nos Estados Unidos da América. Em quase todas as nações,
inclusive naquelas em que a legislação ambiental aplica-se com determinação, os
resultados não são de todo satisfatórios. Na questão da política antidrogas,
costuma-se ter a cópia de experiências desastradas de outros lugares.
Isso basta na argumentação para a busca
de soluções próprias. Por infortúnio, o Brasil está entre os últimos do mundo
no campo da distribuição de renda, da segurança e de justiça. Neste país, por
exemplo, justiça social ainda é sinônimo de distribuição de renda, o que aliás,
entre nós sequer começou.
Na Europa e Ásia, o conceito de justiça
social e de direitos humanos é profundamente mais radical: significa segurança,
educação, saúde, qualidade de vida, do ar, da água, dos alimentos, acesso ao
conhecimento, à informação, etc. Falta, aqui e alhures, a visão do conceito da
inclusão em seu sentido abrangente, aumentando o espaço de manobra dos Direitos
de Terceira Geração e, com isso, usando a arma da cidadania, a arma da ética e
a arma da educação em políticas públicas contra as drogas ilícitas e em prol da
sustentabilidade de atividades econômicas que possam substituir a lucratividade
do narcotráfico.
A questão ambiental, os direitos humanos
e o narcotráfico inscreveram-se, com prioridade, na agenda diplomática
brasileira, defasados quase um quarto de século em relação à pauta diplomática
dos países centrais. Em um país onde privilégios injustos são garantidos pela
própria Carta Magna, não sobram recursos para estender às maiorias o acesso à
educação, à saúde e ao direito de viver em segurança num meio ambiente limpo e
seguro.
O desiderato de cadeira, como único
representante latino-americano no Conselho de Segurança da ONU, desacompanhado
dos cuidados necessários em prol de imediatas e radicais reformas a favor da
justiça social, dos direitos humanos pode não passar de sonho. Nada é tão
urgente quanto o acesso da população aos benefícios da verdadeira democracia. A
segurança, a educação e a distribuição da renda são três deles. Isso, além de
fomentar a respeitabilidade internacional pelo país, diminuiria o ritmo
instável da existência nacional nas desigualdades.
O narcotráfico à solta, os direitos
humanos violados e o meio ambiente degradado, pela teoria do direito de ingerência
ou da soberania relativa, essa trilogia constitui espécie de rachadura profunda
nas bases do Estado soberano e independente. Vale como conclamação por soluções
que violam as fronteiras nacionais e os princípios clássicos da soberania
nacional. Sabedores de que as tormentas de hoje, a favor da violabilidade
fronteiriça bafejam fortes, países como o Brasil, em lugar de contramurar suas
posições implementando políticas públicas eficientes em prol da sustentabilidade
ambiental e em prol da sinergia de recursos na luta contra as drogas,
acomodam-se na ilusão conformista de que a criação de novas burocracias
resolverá o problema.
A ação policial-militar internacional
antidrogas passou da teoria para a prática princípios intervencionistas gradativamente
incorporados ao direito internacional. O mesmo poderá ocorrer na Amazônia e seu
meio ambiente.
Por tal razão, a aplicação universal dos
princípios dos direitos humanos, a preservação das florestas tropicais e a guerra
sem fronteiras contra o narcotráfico se sobrepõe à soberania dos Estados
Nacionais. Conscientes disso, o poder castrense e a diplomacia brasileira
seguidas vezes sentem-se desamparados no seu relacionamento internacional.
RECONFIGURAÇÃO
DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS
O narcotráfico e o meio ambiente vistos
como questão supranacional obrigam o poder executivo no Brasil a atrelar sua
política externa a interesses dos Estados Unidos da América. Leva o Estado a
mostrar presença com os países amazônicos e parceiros do Mercosul. Lembra a
urgência do tratamento de duas questões: a das drogas nos espaços sociais
transfronteiriços e a da questão da destruição das florestas tropicais na
Amazônia. Em respeito a isso, merece particular atenção o Tratado de Cooperação
Amazônica (TCA), firmado em Brasília em julho de 1978 pelos representantes dos
governos da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador, da Guiana, do Peru, do
Suriname e da Venezuela.
O TCA assistiu de braços cruzados ao
abalo pelo narcotráfico, pela devastação florestal da mútua confiança entre
seus membros. A segurança e a confiança significaram, no passado, a base maior
de apoio da convivência entre os países amazônicos. O mencionado tratado
prestou-se a praticamente nada, nem mesmo a uma política de resultados para conter
a poluição dos rios amazônicos, as queimadas ou fomentar política de cooperação
ao combate dos ilícitos nos espaços sociais transfronteiriços amazônicos. Por
isso, uma cova rasa espera o caixão desta iniciativa diplomática natimorta.
O Tratado de Cooperação Amazônica é
exemplo, nas relações internacionais, a ser evitado. Em sua substituição, estuda-se
a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, prevendo
secretaria permanente com funcionamento em Brasília. Essa futura organização
terá força simbólica de ser o primeiro organismo internacional com sede na
capital brasileira. Seu perigo, antes mesmo de nascer, é o de não se
transformar de fato em uma agência de desenvolvimento, integração e cooperação
entre os seus membros.
O debate sobre a questão ambiental e as
drogas no espaço amazônico cedo ou tarde levará à importantíssima reconfiguração
contemporânea das formas das políticas educacionais e do significado da
segurança democrática hemisférica. Sabe-se ser impossível a proteção do meio ambiente,
da democracia bem como a luta contra os cartéis das drogas em países cheios de
desigualdades sociais, amparadas na corrupção dos privilégios adquiridos, que
deseducam a sociedade e são protegidas por leis injustas, criadas pelas elites no
poder em seu próprio benefício.
Os conceitos de sustentabilidade e de
segurança humana fabricados pelo capitalismo desenvolvido, depois da queda do
muro de Berlim, recordam fraquezas das antigas doutrinas de contenção nestes
novos tempos em que os inimigos famosos são as drogas ilícitas, o terrorismo e
a destruição ambiental. Mostra perfeitamente as limitações da educação para o
desenvolvimento nos tempos do globalismo. Expõe a incompetência
transnacionalizada das políticas antidrogas. A globalização da ilegalidade das
drogas caminha paralelamente à globalização do crime organizado. Os países
globalizados arcam com os danos e com o ônus do fiasco da guerra às drogas
terceirizada pelos globalizadores. O paradoxal é que as políticas antidrogas e as
políticas de proteção ambiental, pela Terra inteira, constituem patrimônio do
monopólio dos Estados Nacionais. São encaradas como razão de Estado e de
segurança nacional.
Arquitetam-se sob as luzes do que existe
de mais arcaico dentro do realismo, mesmo sendo fenômenos brisantes da globalização.
Daí os seus equívocos. O hibridismo da interpretação globalista com os tropeços
explicativos em face do velho que não morreu e do novo que não nasceu, considerando
a larga tradição transnacional das drogas e dos problemas ambientais, pena em
suas promessas elucidativas.
Em termos de políticas ambientais e
antidrogas, nenhuma desvencilhou-se totalmente do oneroso fardo da in-fluência
do Estado. Neste sentido, é necessário aplaudir a ajuda conceitual da teoria
marxista, que recusa ver o Estado Nacional como ator principal da sociedade.
Para Marx, o Estado é marionete, fantoche nas mãos de grupos dominantes. Sendo
assim, o narcotráfico e a devastação florestal, que abrem, com as queimadas,
espaço para a pecuária de corte e para as monoculturas de exportação, precisam
ser vistos também como Marktpreise und Marktewert, Surplusprofit. Em re-sumo,
mercado de preço, de valor e mais-valia.
Sabe-se que o fim da bipolaridade, por
certo tempo, precipitou principalmente a academia a dar as costas para as
interpretações marxistas. Os holofotes da opinião pública internacional
centraram-se em novos temas, como o desrespeito aos direitos humanos, a
degradação ambiental e o narcotráfico. Infelizmente, a educação continuou
esquecida e a experiência de todos estes anos evidencia que o dinheiro do
contribuinte é jogado fora na compra de remédios falsos contra a degradação
ambiental e o narcotráfico.
A chave do sucesso do crime organizado,
amparado pela omissão do Estado operando contra o meio ambiente ou com as
drogas ilícitas, consiste em acompanhar com rapidez a sagacidade do
capitalismo, misturando os negócios ilícitos à economia formal. Os laboratórios
para o refino de drogas, não importa onde, comprovam a esperteza sem limites
dos narcotraficantes. A transnacionalização das economias, a globalização
aportada pelos países globalizadores e o desemprego misturaram gente
especializada local à que chega de fora, recriando conhecimentos necessários a
praticamente todas as etapas do narcotráfico. As estratégias mostradas pelo
comércio de drogas no sentido de impedir o desabastecimento necessário nas
etapas de refino e a logística do contrabando de madeira nobres são exemplares.
Os insumos químicos essenciais à
elaboração da heroína, quase os mesmos destinados à fabricação da cocaína,
processam-se menos em indústrias localizadas nas cidades brasileiras e mais no
exterior, em quase metade nos Estados Unidos. Atualmente, parte do refino da
cocaína e da heroína desloca-se para dentro de conglomerados urbanos, gerando
situações novas. Paradoxalmente, também os produtos, como a madeira e a soja,
extraídos da Amazônia com enormes e irreparáveis custos ambientais, terminam
nos países centrais, notadamente entre os que mais expressam preocupações para
com os problemas do meio ambiente na periferia mundial. Isso significa que
poucas esperanças restarão se profundas reformas não forem efetuadas nas
relações de troca entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos.
Durante décadas, as velhas doutrinas de
defensão impreguinaram-se de vícios políticos e sociais. Todo esse arcabouço impede
desmentir o caráter epidérmico das preocupações para com a educação, a ética e
a segurança humana. O divórcio do crescimento econômico com a justiça ampara a perversa
distribuição da renda. O deixar de mobilizar os recursos educacionais em todas
as regiões numa constante vigília cívica contra as desigualdades e contra a
destruição da vida comprova o quão distante ainda está a opção pela sustentabilidade
por meio de educação e da ética.
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Sobre a teoria das ciências sociais. Tradução de Carlos Grifo Babo. 3. ed.
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