Blog
“Gestão e Negócios Sustentáveis”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível
em http://www.gestaoenegociossustentaveis.blogspot.com.br
Autoria:
UNESCO/ONU.
INTRODUÇÃO
Ao publicar seu Essay on the Principle
of Population, no final do século XVIII, Thomas Malthus lançava um alerta de que
a aceleração do crescimento da população estava em descompasso com um mais
lento ritmo de crescimento das oportunidades de subsistência. Essa visão
pessimista foi uma marca da expectativa de futuro naquele momento. Mas, no século
XIX, as ciências e as técnicas evoluíram de tal maneira, que permitiram superar
limitações impostas pela natureza: mecanização das lavouras, correção de solos,
encurta-mento de distâncias com as ferrovias e a navegação a vapor. E o
pessimismo malthusiano se viu desprovido de corroboração pelos fatos.
Um século depois das revoluções política
e produtiva do século XVIII, e já como efeito dos seus resultados positivos e
negativos, uma nova onda de transformações se fez sentir, sobretudo nos países
mais avançados de então. Ela incidiu principalmente sobre a generalização de
políticas públicas de natureza social, com destaque para a seguridade e a
educação. Esta última, que até então se circunscrevia a círculos restritos das
elites, com profundo elo de dependência com a religião, adquire um status
público e laico, tornando-se objeto de crescente universalização.
Prevalecia, no meio da educação e das
ciências, uma visão de mundo laical, pragmática e, sobretudo, utilitária. Coerentes
com o espírito produtivista da civilização industrial e inspirados em notáveis
avanços científicos e tecnológicos, que possibilitavam gigantesca e surpreendente
transformação da natureza em meio de produção, cientistas e educadores passavam
a desenvolver uma firme crença nas virtudes da criatividade humana. Desde
então, a vi-são da utopia passa a ser a de um processo de construção empreendido
pelo próprio engenho humano.
Ao contrário dos valores anteriores, que
possuíam profundo conteúdo sobrenatural e mítico, a civilização industrial
adota uma cosmovisão antropomórfica, racional, previsível.
O balanço do século XIX revela uma
expectativa otimista de futuro. Uma grande crença nas possibilidades da ciência,
uma confiança na ampliação das nascentes políticas sociais e nos efeitos da
universalização da educação caracterizaram uma visão de futuro otimista. A
utopia, na virada para o século atual, era focada sobre a prosperidade material
e a possibilidade distributivista e socializante de seus frutos.
O século XX foi testemunha da acelerada
corrida produtivista, que alimenta e é alimentada por outra corrida, a do
avanço das ciências e das técnicas. E o ritmo de avanço é tão forte que o mundo
conhece crises de superprodução, como foi o caso da grande depressão
norte-americana de 1929 a 1933.
Também no mundo da ciência e da
tecnologia, começa a haver uma progressiva especialização, que exige profissionais
de competência cada vez mais especializados, em campos do saber cada vez mais
restritos e delimitados. Esse movimento se dá de par com uma também grande
especialização no campo da educação. Do ensino universalista, clássico e
abrangente, típico do início do século atual, passamos à segmentação e
especialização, preparando jovens para um mercado de trabalho compartimentado e
restrito. Com isso, ganhamos em eficiência (no que se afere com indicadores mensuráveis).
Mas perdemos o rumo. São cada vez mais opacos os objetivos e fins maiores de
tal esforço. Perdemos a visão de conjunto. E, mais grave, o espírito crítico e
a consciência da necessidade, da utilidade e, principalmente, das implicações
do uso de cada saber específico, ao ser encaixado em um mosaico mais ampliado
de saberes
A tendência recente aumentou ainda mais
o grau de especialização das ciências e da educação, radicalizando as conseqüências
indesejáveis da perda de referência da relação entre meios e fins. Já nem
sabemos muito bem aonde queremos chegar. Só sabemos que a ciência nos conduz a um
mundo novo, cuja conformação previsível começa a nos inspirar preocupação.
A perplexidade e indignação de Jacob
Bronowski (1972 e 1978), que se reflete em várias de suas obras, é um bom exemplo
disso. Membro ativo do Projeto Manhattan, que viabilizou a bomba atômica que
encerrou de forma dramática a Segunda Guerra Mundial em seu front, no Japão,
aquele físico confessou, mais tarde, seu “desconhecimento” quanto às
implicações de seus estudos, em física atômica, em termos de utilização
destrutiva. Foi um dos primeiros cientistas a advertir que a humanidade chegara
a um ponto tal que, doravante, seria capaz de influir diretamente no futuro,
como se o homem tivesse usurpado o papel de Deus.
A
BUSCA DO DESENVOLVIMENTO
O mundo ocidental moderno tem buscado
orientar racionalmente suas decisões políticas e econômicas, no sentido de promover
um processo de evolução dos negócios que assegure trajetórias de pouco risco e
de grande rentabilidade. No feudalismo, as mudanças eram lentas e indesejáveis.
Ocorriam muito mais como resultado de fenômenos externos e imprevistos. Como
nos informa o Dicionário Petit Robert, o uso do termo desenvolvimento associado
à economia de regiões ou países passa a se dar na segunda metade do século
XVIII. Somente com a industrialização, começa a haver uma preocupação com a
promoção de condições para a expansão e reprodução das atividades econômicas. É
o início da busca do crescimento dos sistemas econômicos, do dinamismo e do
“progresso”, em escala global. Nesse processo, as estruturas de funcionamento
do poder público vão se tornando cada vez mais complexas e especializadas, refletindo
uma crescente responsabilidade do Estado na gestão do sistema econômico, na
promoção das condições da paz social interna, na garantia das relações
exteriores, na construção do futuro.
Torna-se evidente, já no século passado,
a importância de se viabilizar a promoção de políticas que fundamentem um
desenvolvimento de longo prazo, minimizando a vulnerabilidade às vicissitudes
de fatores restritivos indesejáveis.
O século XX é marcado pela hegemonia das
nações mais avançadas economicamente, no panorama mundial, num contexto de
guerras e de revoluções. O fomento ao crescimento econômico se apóia em maciços
investimentos em ciência e tecnologia, acoplados à construção de formidáveis sistemas
de “defesa” nacional. Paralelamente, os sistemas de educação paulatinamente
adaptam-se às exigências especializadas do mercado de trabalho.
No quadro posterior à Segunda Guerra
Mundial, os anos 1950 testemunham a emergência de um pensamento crítico aos
efeitos negativos do crescimento econômico, em termos de justiça social e de
empobrecimento relativo de alguns países e regiões. Um dos primeiros
economistas a lançar este alerta foi o sueco Gunnar Myrdal (Prêmio Nobel de
Economia de 1974), que chamou a atenção para o “ciclo vicioso da pobreza”, que
se produzia como corolário do padrão de crescimento econômico vigente.
Na América Latina, a CEPAL (Comissão
Econômica para a América Latina da ONU) produz interpretações e análises a
partir de critérios e enfoques autóctones, diferenciando conceitualmente crescimento,
como expansão quantitativa da economia, e desenvolvimento, como mudança qualitativa
positiva, envolvendo distribuição de renda e avanços sociais. Para transformar
o crescimento em desenvolvimento, seria preciso planejar, ou seja, intervir no
sistema econômico, promovendo atividades estrategicamente identificadas como
motrizes e, eventualmente, condicionando ou inibindo outras, tidas como
provocadoras de vulnerabilidades.
Foi um importante passo em dois sentidos:
o da identificação do Estado como elemento de coordenação e promoção, e o da
introdução do fator qualitativo de natureza social na análise econômica. Os anos
1960 e 1970 mostraram uma franca adoção do planejamento. Em todo o mundo, inclusive
com apoio de organismos internacionais , proliferaram agências e programas
governamentais voltadas à promoção do desenvolvimento econômico, em escala
nacional e regional.
Mas dois tipos de problemas ocorreram:
uma excessiva valorização da razão econômica, com preocupação imediatista e uma
negligência da dimensão sociocultural e
1. Babai (1992) assinala que a ação do
Banco Mundial pode ser dividida em três grandes períodos: no primeiro, que vai
da época da sua fundação, no pós-Segunda Guerra Mundial, até 1960, sua atuação
segue uma forte tendência em favor das forças de mercado; no segundo, que
vigora nas décadas de 1960 e 1970, suas operações se inclinam para o fortalecimento
da atividade estatal nas economias em desenvolvimento; no terceiro, o
desencanto com o papel do Estado repercute em ações desestatizantes e
neoliberais. Vale ressaltar que em seu Relatório Anual de 1997, o BIRD volta a
expressar vivo interesse no papel do Estado enquanto promotor do
desenvolvimento institucional. O planejamento, em países com fragilidade político-institucional,
derrapou em vários aspectos fundamentais, perdendo legitimidade social, credibilidade
e, finalmente, saiu do eixo das decisões econômicas para se tornar
essencialmente objeto de estratégias políticas (nosentido de politics e, não
mais, de policy). Os planos passaram a ser adotados principalmente como
instrumentos de retórica política. A idéia de construção do futuro — de Projetos
Nacionais — perdeu espaço para expedientes mesquinhos e retrógrados, vinculados
a interesses patrimonialistas.
Nesse contexto, o eixo das políticas de
“desenvolvimento” passou a se subordinar ao imediatismo da gestão pura-mente
contábil das finanças públicas, como resultante last but not least das pressões
advindas do engajamento no sistema financeiro internacional.
Na vertente das políticas sociais,
evidentemente, há um notável retrocesso, que traduz a perda de prioridade de
ações estratégicas portadoras de oportunidades no futuro, como as vinculadas
aos domínios da saúde e educação.
CRISE
DOS ESTADOS E CRISE DO CONHECIMENTO
Nenhum país do mundo conseguiu se
desenvolver sem antes ter empreendido um esforço notável em matéria de educação.
As nações ricas de hoje nem sempre são territórios ricos em recursos naturais,
mas assumiram com determinação que a base da riqueza é uma população instruída.
A re-ação das oligarquias arcaicas em relação à universalização da educação não
é um fenômeno isolado. O debate na Europa, nos anos 1870, foi acalorado, com
setores conservador e alertando para os riscos políticos da alfabetização dos
trabalhadores paralelamente à ampliação do direito de sufrágio. Mas prevaleceu
o princípio de que não se constrói uma nação próspera sem uma população educada
(Hobsbawm: 1987).
Os aparelhos de Estado tiveram de se
modernizar para assumir a responsabilidade dessa nova função. Foram surgindo
instituições públicas que se encarregavam de regulamentar e operacionalizar a
ação educacional. Esta é, aliás, a lógica do crescimento das estruturas
estatais: ao adquirir novas responsabilidades, o Estado amplia suas dimensões,
agregando para si novas funções. Assim, por exemplo, prover educação não foi
uma novidade da Ale-manha de Bismarck. A novidade foi torná-la pública e universal.
Os anos 1980 selaram um consenso em escala mundial.
A crise dos Estados se fazia sentir em
toda parte, impondo a necessidade de se conceber novas formas de ação do poder público.
Evidentemente essa “crise do Estado” assume características bem particulares em
cada lugar. Assim, nos países onde as funções de promoção do bem-estar social foram
minimamente atingidas (o Welfare State), a crise tem natureza fiscal e reflete
uma insatisfação com a falta de perspectivas do poder público para salvaguardar
tais conquistas diante da massificação do desemprego. No caso da América
Latina, a crise assume uma grave dimensão fiscal, e manifesta a saturação da
legitimidade de um Estado que resiste em mudar suas raízes patrimonialistas.
A presente “crise do Estado” é também
uma crise das utopias, que expressa desencanto e perda de confiança no futuro,
bem como do “modo de desenvolvimento”, incidindo sobre os próprios paradigmas
do desenvolvimento que, centrado na utopia econômico-consumista, produziu fantásticos
desperdício, desigualdade e degradação. Muitas foram as experiências
traumáticas e advertências, tanto pelo lado das ciências (como foi o caso de
Bronowski), quanto pelo lado das práticas sociais (movimentos pacifistas, feministas,
de defesa dos consumidores e ambientalistas), e muitas foram as catástrofes
científico-tecnológicas (caso de Minamata, Seveso, Bophal e Tchernobyl).
Ficou evidente que as expectativas
utópicas estavam desfocadas. Era preciso encontrar novos rumos. O novo
horizonte aberto pelo princípio “sustentabilidade” vai de encontro a essa
carência. A lógica do desenvolvimento necessita ser subordinada aos imperativos
de uma modernidade ética, não apenas uma modernidade téc-nica. E essa ética
necessita dar resposta a novos desafios.
Não se trata mais de encontrar termos
relacionais equânimes para um “contrato social” firmado em condições de reciprocidade
e simetria. Trata-se de enquadrar eticamente relações de poder assimétricas e,
no limite, unilaterais e não-recíprocas. Esse é notoriamente o caso da
vulnerabilidade das condições futuras de vida com respeito a decisões e intervenções
realizadas hoje na realidade. Outro aspecto decisivo é a necessidade de se
considerar o enquadramento ético de processo irreversíveis, ou seja, quando não
nos é possível corrigir amanhã os efeitos indesejáveis de cursos de ação
desencadeados hoje.
A idéia tradicional de um “contrato”
inter pares como fundamento da ética fracassa aqui. A sustentabilidade demanda
uma nova concepção: um “pacto” entre desiguais e diversos, como se pode
caracterizar de modo exemplar na dimensão temporal “futurista”, ou seja, é
preciso hoje assegurar a qualidade de vida das gerações futuras.
O
PRINCÍPIO “SUSTENTABILIDADE”
Se a ética destina-se à ordenação e
regulação do poder de agir, as ameaças engendradas pelo poder
científico-tecnológico crescem num “vácuo ético”, diante do qual Hans Jonas
(1979) propõe o reconhecimento da vigência de um novo “princípio responsabilidade”
que tenha no mandamento “que exista uma humanidade!” seu imperativo categórico.
A idéia de direitos e deveres fundados na simetria da reciprocidade “contratual”
inter pares fracassa aqui, pois a responsabilidade do dever-existir se refere,
em sua dimensão temporal futura, ao ainda não existente. Essa é uma questão
primordial para que possamos impor à modernidade contemporânea o reconhecimento
de “um dever-ser objetivo e, com isso, poder-se-ia deduzir um compromisso de
preservação do ser, uma responsabilidade pelo ser” (Jonas, 1979: 102).
A condição de existência da responsabilidade
é o poder causal do agente relativamente às conseqüências de seus atos. Essa
responsabilização ainda é apenas formal. Sua dimensão propriamente ético-moral
surge com a tomada de partido do sentimento pelo bem em si, inerente à coisa em
seu finalismo próprio, e “como ele comove o sentir e envergonha o egoísmo do
poder” (Jonas, 1979: 175).
A proposta de Hans Jonas é fundamentar
uma modernidade ética apta a restringir a capacidade humana de agir como um
destruidor da auto-afirmação do ser, expressa na perenização da vida. Desde tal
perspectiva, podemos conceber o desenvolvimento sustentável como uma proposta
que tem em seu horizonte uma modernidade ética, não apenas uma modernidade
técnica. Pois o princípio “sustentabilidade” implica incorporar ao horizonte da
intervenção transformadora do “mundo da necessidade” o compromisso com a
perenização da vida.
Isso requer um acervo de conhecimentos e
de habilidades de ação para a implementação de processos tecnicamente viáveis e
eticamente desejáveis. Tal acervo constitui o conjunto das tecnologias da
sustentabilidade, que podem ser caracterizadas como “saberes e habilidades de
perenização da vida”, que se traduzem em ordenações sistematizadas de modos
diferenciados de interação (i.e. processos de produção e circulação do produto,
modos de organização social, padrões de ganho e processamento de informações
etc.).
As tecnologias da sustentabilidade
expressam sua pertença à modernidade ética por terem no princípio “sustentabilidade”
sua métrica, e não serem veículos de uma pretensamente irrestrita “liberdade de
escolha de cursos de ação”. As implicações para a racionalidade econômica
fundada no mercado como instância diretiva são claras. As políticas da sustentabilidade
não se fundam em considerações “intraeconômicas”, mas num necessário
enraizamento dos critérios econômicos em diretrizes normativas exteriores à
simples “economicidade”.
O
SENTIDO DA MODERNIDADE, UMA EXCURSÃO FILOSÓFICA
Pensar o princípio “sustentabilidade”
como fundamento de uma modernidade ética requer um exercício prévio: explicitar
nossa compreensão do sentido de modernidade. Etimologicamente, a palavra
modernidade provém do advérbio latino modo, que tem o significado de
recentemente, há pouco tempo. Segundo o dicionário Petit Robert, o adjetivo
moderno já se faz presente no francês medieval desde o século XIV, enquanto o
substantivo modernidade data de meados do século XIX. Conforme colocação
iluminadora de Henrique Cláudio de Lima Vaz, o conceito de modernidade “aparece
ligado ao próprio conceito de filosofia, de sorte a se poder afirmar uma
equivalência conceitual entre modernidade e filosofia: toda modernidade é
filosófica ou toda filosofia é expressão de uma modernidade que nela s reconhece
como tal” (Vaz, 1992: 85).
Esta tese, apresentada de modo tão
sintético, demanda alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, é preciso ter em mente
que a emergência do sentido da modernidade requer uma decisiva ruptura na representação
do tempo: ela precisa esvaziar-se da estrutura mítico-simbólica da repetição e “migrar”,
abandonando o porto da lógica do idêntico para fazer nova morada na dialética
do idêntico e do diferente. A questão nevrálgica é a emergência da ousadia do
filosofar, que se aventura a desqualificar a autoridade inerente ao antigo.
Com o exercício da razão crítica, o
discurso filosófico outorga ao tempo presente uma nova dignidade, atribuindo ao
agora e ao atual uma novidade qualitativa. Somente assim a modernidade pode se
instaurar como modo de leitura do tempo. Como nos aponta Henrique Cláudio de
Lima Vaz, as civilizações que desconhecem a filosofia não conhecem uma leitura
moderna de seu tempo, pois não incorrem na grande ousadia de julgar seu passado
a partir de seu presente.
Aos olhos de Aristóteles, a physis e o
ethos são formas primeiras de presença do ser. Sendo que o ethos “rompe com a
sucessão do mesmo que caracteriza a physis como domínio da necessidade, com o
advento do diferente no espaço da liberdade aberto pela praxis” (Vaz, 1986:
11). O termo ethos é a transliteração de duas palavras gregas diversas: a
primeira é ethos com letra inicial eta, e a segunda é ethos com letra inicial
épsilon.
O ethos-eta designa a morada do homem no
mundo como um ser biocultural. Uma morada que lhe fornece abrigo e proteção e
condições materiais e imateriais de sobrevivência. O reino da necessidade da
physis é rompido pela instauração do ethos-eta, como um espaço de liberdade construído
e incessantemente reconstruído.
O ethos-épsilon, por sua vez, designa o
comportamento humano que ocorre repetidas vezes, como um hábito culturalmente
adquirido e não devido a uma necessidade da physis. Expressa-se assim uma
oposição entre o que é “habitual” e o que é “natural”. Desse modo o
ethos-épsilon se refere à possibilidade de uma disposição permanente do agente humano
para agir de acordo com a realização do bem.
Temos, em síntese, duas proposições:
• ethos-eta como costume
histórico-socialmente dado é princípio normativo dos atos que configuram o
ethos-épsilon como hábito; e
• a práxis é a mediadora dos momentos
constitutivos do ethos.
Desse modo, como diz Henrique Cláudio de
Lima Vaz: “a ação ética procede do ethos como do seu princípio e a ele retorna
como a seu fim realizado na forma do existir virtuo-so” (Vaz, 1986: 16). Esse
movimento circular do ethos-etae ethos-épsilon se realiza num processo
educativo tanto individual como social. Não estando fundado pelo determinismo da
necessidade, o movimento do ethos indo da universalidade do costume à
singularidade da ação eticamente boa, é livre e traz em si a possibilidade do
conflito.
Os primeiros esforços construtivos da
nova ciência do ethos, a ética, se focam na reflexão sobre a lei. A emergência
da polis democrática impõe uma explicitação do ethos como lei. A dike (Justiça)
será a fonte de legitimidade de todo nomos (lei) e, assim “o justo (dikaion) pode
ser definido como predicado da ação do verdadeir cidadão” (Vaz, 1986: 49). Em
inconciliável oposição a isso estarão as manifestações da marca indelével do
homem in-justo: a desmesura (hybris), como ambição de poder (pleonexia), de ter
(philargyria) e de aparecer (hyperephania).
O justo traz, em si, o selo da medida
(metron), fundamento racional da ética, edificada por Platão como a ciência da
ação segundo a virtude (arete). A ética se edifica como crítica radical da
noção de destino, entrelaçando inteligência e liberdade no vínculo virtuoso com
o bem. A revolução científica moderna vincula o logos teórico ao logos técnico,
de modo inconcebível para a Antigüidade clássica. Aos olhos dessa última, tal
movimento equivaleria à pretensão do logos humano de reivindicar para si o
lugar de Demiurgo que Platão reservava ao Artífice Divino. O logos antigo
repousava sobre uma physis que se oferecia imediatamente aos sentidos, e cuja
ordenação era paradigmática para a ciência do ethos. O novo logos instaura o
domínio da verdade experimental, de cunho intrinsecamente lógico, por ser
estruturalmente matemática.
O que está em processo é a edificação de
uma nova Natureza, intrinsecamente referida ao fazer humano, que toma o lugar
da antiga physis. E a questão do universalismo ético conhece novas problematizações
com a “planetarização” da cultura técnico-científica. Enquanto a ciência platônica
se reconhece como uma ontologia do bem, a ciência moderna supõe
metodologicamente a distinção entre fato e valor, e se reconhece como
eticamente neutra, permanecendo em relação estritamente extrínseca com a esfera
do bem.
Hans Jonas (1979) afirma que a ciência
moderna e a nova práxis em que ela se imbrica exigem a fundação de uma nova
ética. Paralelamente, cresce, junto com o desenvolvimento avassalador das
potencialidades da tecnociência, um niilismo ético. A tecnociência
contemporânea está construindo um novo espaço. O dilema é se haverá um ethos
aberto às dimensões desse novo espaço. Ou, na ausência disso, se o niilismo
ético abrirá ao homem uma possibilidade de sobreviver fora da morada do ethos,
lançado num espaço sem fronteiras.
ÉTICA
E RESPONSABILIDADE
Para a prática do princípio
“sustentabilidade”, o conceito-chave é o de “fins”, sem o que perderiam sentido
“normas” e “valores objetivos”. O “imperativo da sustentabilidade” não nos
deixa esquecer que a economia está assentada sobre o fato primordial biológico
de que vivemos por metabolismo e somos “criaturas de necessidade”. A “necessidade”
é algo que a existência orgânica quer incondicionalmente, para metabolicamente
continuar sendo. Suprir necessidades pertence à autoafirmação da vida. O lema
“vamos comer e beber hoje, pois amanhã estaremos mortos” pode ser significativo
para mortais sem futuro. Mas para mortais com futuro, que conhecem o
encadeamento de nascimentos e mortes, o reconhecimento da responsabilidade pela
perenização da vida, fundada no fato elementar da re-produção é tão
constitutivo da economia como o é o interes-se próprio, fundado no metabolismo.
É assim que a responsabilidade por outros e o interesse próprio podem entrelaçar-se
na atividade econômica.
Nossa questão central não é a de uma
ética futura, ou seja, uma ética a se configurar num ponto a ser ainda atingido
do tempo, mas sim uma ética que hoje se preocupa com as conseqüências de nossos
atos para com gerações futuras.
Uma ética que não se fundamenta num
contrato inter pares, pois ela se refere a relações radicalmente assimétricas:
as gerações futuras são vulneráveis a nossos atos, mas a recíproca não é
verdadeira. A caducidade de uma ética que se pretenda fundar no contrato inter
pares abre uma situação de urgência crítica: nosso atos na era da globalização
da ciência e tecnologia atingem um limiar de poderes nunca antes conhecidos. Esses
novos poderes implicam uma nova responsabilidade, que por sua vez para ser exercida
requer conhecimento.
Esse conhecimento diz respeito tanto ao
campo das causalidades físicas como das finalidades humanas. A ética da sustentabilidade
tem uma perspectiva “futurista” e se apóia sobre uma “futurologia” (isto é, uma
projeção científico-tecnologicamente informada de cenários aos quais as ações presentes
podem conduzir). Nesse contexto, Hans Jonas (1992) nos coloca diante da questão
nevrálgica: a futurologia dos cenários desejados é conhecida como utopia; mas a
futurologia da advertência nós ainda precisamos aprender, para o autocontrole
de nossos poderes desenfreados. E ela somente pode advertir aqueles que, além
da ciência das causas e efeitos, também sustentam uma imagem do homem que lhes
impõe valores mais altos e limites/freios ao irrestrito exercício de tais
poderes.
O dever precisa ser consentido, isto é,
percebido e sentido como um valor a ser afirmado, para poder encontrar seguimento
nos atos. A fundamentação de nossos atos tem natureza diversa. Ela pode ser
enraizada no metabolismo vital. Assim, se “explica” a verdade da sentença: nós
devemos comer, pois somos constitutivamente seres que continuam em existência
devido a um processo contínuo de “relação e troca” com o meio circundante.
Diversa é a natureza da verdade da sentença: nós devemos comer para trabalhar,
a necessidade de trabalhar é condicionada situacionalmente: fatores culturais,
econômicos etc. podem invalidar o vínculo que se quer aqui estabelecer.
A fundamentação ontológica de uma
proposição corresponde portanto ao “recurso a uma qualidade que pertence
inseparavelmente ao ser da coisa” (Jonas, 1992: 129), como os processos
metabólicos ao organismo. A questão crítica, nesse contexto, é a possibilidade
de haver uma fundamentação ontológica para a ética ou, de modo mais curto e
claro: será possível uma fundamentação ontológica para o conceito de
responsabilidade e para o direito a exigi-la de nossos atos.
Hans Jonas responde afirmativamente a
essa questão dizendo que “o homem nos é o único ser conhecido que pode ter
responsabilidade. Na medida em que ele a pode ter, ele a tem. A capacidade de
responsabilidade significa já a colocação sob seu imperativo: o próprio poder
leva consigo o dever” (Jonas, 1992: 130). A capacidade de responsabilidade é
uma capacidade ética, que repousa sobre “a aptidão ontológica do homem de
escolher entre alternativas de ação com saber e vontade. Responsabilidade é,
portanto, complementar à liberdade” (Jonas, 1992: 131).
Posso ser responsabilizado pelas conseqüências
de meus atos na medida em que afetem algum ente, que se torna, então, objeto de
minha responsabilidade. E isso só tem significância ética se a simples
existência desse ente é em si afirmação de um valor. Um ser valorativamente
indiferente (com relação ao qual posso, arbitrariamente, ter uma responsabilidade
total ou nula) é insignificante como objeto de minha responsabilidade.
A primeira coisa que a apreensão de um
ser não indiferente valorativamente requer de mim é que ele me importe em seu
direito a afirmar o bem de existir. E em termos concretos isso pressupõe (i) a
vulnerabilidade do existir do ser e (ii) a possibilidade dela ser atingida por
meu poder de agir (quer isso venha ocorrer por acaso ou por minha escolha deliberada).
A dimensão de nosso poder determina o quanto podemos afetar a realidade. E com
o crescimento do poder cresce a responsabilidade.
Como situa Hans Jonas, “a ampliação do
poder é também a ampliação de seus efeitos no futuro” (Jonas, 1992: 133). Em
conseqüência disso, a responsabilidade que temos somente poderá ser efetivamente
exercida se formos prudentes, apoiando nossos atos em estudos criteriosos dos
impactos de nossos cursos de ação, formulando modelos capazes de aumentar nossa
capacidade preditiva com recurso a simulações prospectivas. É imperativo que
consigamos “1. maximizar o conhecimento das conseqüências de nossos atos, com
vistas a como eles podem determinar e ameaçar a sorte futura do homem, e 2. à
luz desse conhecimento, i.e. do inédito novo que poderia ser, elaborar um
conhecimento daquilo que deve ou não deve ser, daquilo a ser permitido ou evitado:
enfim, e de modo positivo: um conhecimento do bem, do que o homem deve ser,
para o que certamente ajuda uma visão do que não deve ser, mas aparece, por
primeira vez, como possível” (Jonas, 1992: 134).
O primeiro desses saberes é um saber
objetivo-científico-técnico, fundado na explicitação de vínculos causais configuradores
de tendências. O segundo desses saberes é ético-valorativo. Eles são a régua e
o compasso da formulação das futurologias da advertência e, como tais, ferramentas
da modernidade ética da sustentabilidade.
Um elemento de base dessa modernidade
ética é, portanto, o mandamento da informação máxima sobre as conseqüências dos
diversos cursos de ação. Isso implica um vasto campo de pesquisa a ser apoiado
e desenvolvido, contribuindo decisivamente para confrontar o exercício dos poderes
correntes com a síntese de suas razoavelmente presumíveis conseqüências
futuras.
Um segundo elemento de base é uma
antropologia filosófica apta a nos dizer o que é o bem do homem, seu dever-ser.
Hans Jonas afirma ser esse saber necessário para que esse bem não seja
sacrificado pelo desenvolvimento tecnológico (Jonas, 1998: 135). Essa
antropologia filosófica pode se apoiar na metafísica e na história. Na história
conhecemos o que o homem pode ser, de melhor e de pior. E esse conhecimento
pode nos ajudar a aprender que não podemos pretender tentar mais que assegurar-lhe
a possibilidade do bem. A metafísica pode nos ensinar o fundamento do dever-ser
do homem e afirmar um veto ao suicídio da espécie, impondo à humanidade o reconhecimento
do dever de uma determinada qualidade de vida, hoje ameaçada pelo cego
“progredir” da modernidade técnica.
No cerne da questão está o convite para
tomarmos como ponto de partida da metafísica necessária a afirmativa já anteriormente
apresentada de que o homem nos é o único ser conhecido que pode ter
responsabilidade. Essa possibilidade é uma característica essencial do ser
humano. Nela reconhecemos intuitivamente um valor, que não vem apenas se agregar
aos valores da vida, mas que potencializa os ante-cedentes valores do ser. E os
atuais portadores da responsabilidade reconhecem como seu dever assegurar a
existência dos futuros. Mas não só isso. Reconhecem também como seu dever zelar
pelas condições desse existir, desse assim-ser. Pois o como se existe pode ser
incompatível com o fundamento e razão do existir. Diversas antiutopias, nas
linhas do Admirável mundo novo de Aldous Huxley, desenham cenários desse tipo,
que o horizonte de expectativas e o espaço de experiências da modernidade
técnica trazem ameaçadoramente em seu seio.
RISCOS
E OPORTUNIDADES
Os poderes de intervenção abertos pelas
modernas ciência e tecnologia têm, nesse contexto, um caráter paradoxal, que
nos evoca os versos de Hölderlin: lá onde está o perigo, ali também cresce a
salvação. As modernas ciência e tecnologia são simultaneamente causa dos males
e meio de evitá-los. Não mais a natureza nos amedronta, mas sim nossos poderes
de intervenção sobre ela. Parafraseando Descartes, vemo-nos diante do paradoxal
imperativo de virmos a ser “mestres e possuidores” dos poderes humanos de
intervenção.
A partir da Revolução Francesa e da
Revolução Industrial, engendra-se no campo civilizatório europeu ocidental um
novo contexto institucional, que vai abrir progressiva-mente o espaço para o
reconhecimento das modernas ciências e tecnologias como potências ordenadoras
da coesão social (Salomon: 1973). O processo civilizatório industrial moderno
vai vinculando a administração da res publicaà capacidade de intervenção científico-tecnológica,
que realiza no campo da gestão, programação, controle e previsão sua simbiose
mais íntima com as estruturas de poder do Estado e do mercado.
Este processo tem duas faces:
1. um pragmatismo utilitarista
identifica saber e poder, dissolvendo a diferenciação entre a explicação e o controle
dos fenômenos da Natureza, reduzida a uma storehouse of matters (F. Bacon),
livremente disponível para a instrumentalização humana; e
2. o “mito da máquina” se constitui em
paradigma organizacional da sociedade (Mumford: 1967), com a idéia da “administração
das coisas” servindo de base para uma ordenação “neutra” e “despolitizante” das
relações hierárquicas, expressas e legitima- das sob a forma de uma
“diferenciação funcional” requerida por critérios de eficiência instrumental.
Ivan Illich (apud Steger, 1984: 43)
aponta para a “contraprodutividade” de instituições-chave da cultura industrial
moderna como indicativa do fracasso do sistema em realizar seus próprios e
explícitos propósitos. A racionalidade instrumental autonomizada se constitui
como um fim em si mesma, engendrando uma “paralisia ético-política das relações
sócio-comunitárias”. A sociedade deixa de ser campo de expressão para atos
criativos de pessoas aptas a uma autocondução ética de suas vidas.
Dentro da tradição cultural do Ocidente,
o Humanismo e o Iluminismo abrem campo para uma importante alteração do ideal
do homem culto. A aquisição de cultura deixa de ser identificada com uma
autoconstrução ética da existência através da religião. A ciência e a arte
passam a se constituir em caminhos autônomos para a formação ética da pessoa. O
ideal humanista-iluminista expressa uma postura diante da vida a ser
constituída mediante uma atividade espiritual autônoma, capaz de realizar uma
superação dialética da educação religiosa popular. Isso se expressa de modo
agudo nos versos de J. W. Goethe: quem possui ciência e arte tem também
religião quem ambas não possui tem religião
A aquisição de cultura científica e
artística é caminho de autonomia ética. E a Universidade, tal como concebida por
Wilhelm von Humboldt, tem o papel de servir de instituição viabilizadora desse
processo (Schelsky: 1963). O processo civilizatório industrial contemporâneo
destruiu as condições de possibilidade do projeto original humboldtiano. No
lugar da educação popular religiosa tradicional, surge uma nova educação
“cientificizada” popular, vinculada ao positivismo industrialista moderno. A tecnociência
se transforma em religio de um mundo artificial, que impregna, molda e formata
a vida cotidiana dos indivíduos. Nesse novo contexto, o projeto
humanista-iluminista precisa ser atualizado, focando-se na superação dialética
dessa nova religio.
Hanns-Albert Steger (1978) ex-pressa o
novo imperativo mediante uma atualização dos versos de J. W. Goethe: quem
possui capacidade de confrontação ética com a modernidade tem também ciência e
tecnologia quem esta capacidade não possui tem ciência e tecnologia. No âmago
da atualização está o reconhecimento da necessidade de se superar o
laissez-faire científico-tecnológico pela vigência de uma ética da
responsabilidade. O próprio
Max Weber (1967) reconhece que nenhuma
ciência é isenta de pré-condições. E uma pré-condição básica é que seu produto
seja algo valioso de ser conhecido. Valoração prévia à labor científica em
sentido estrito, pois os objetos de conhecimento são sempre vinculados a
contextos de interesse que não são, em si, tematizados pela pesquisa. Para Max
Weber, existem sempre diversos “deuses” a serviço dos quais a prática
científica pode ser desenvolvida. É em função de qual “deus” é seguido que se
fixam as respostas sobre o que é bom de ser conhecido, determinando-se assim o
conteúdo da ciência. A questão de se a contemporânea ciência em ato segue o
“deus” verdadeiro ou um falso não é passível de resposta científica.
Ela pode apenas ser colocada
filosoficamente, e tematizada no contexto da modernidade ética. No cerne da modernidade
ética do princípio da “sustentabilidade” está o reconhecimento de limites,
impostos pelos primados da alteridade e da vulnerabilidade. A partir da
ultrapassagem de limites de tolerância da Natureza e do tecido social, o desenvolvimento
sofre uma degeneração “contraprodutiva”, fruto da falsa pretensão metafísica de
se constituir num sis-tema fechado que se basta a si mesmo. Nesse quadro, o
homo industrialis se vê então reduzido “à situação de um capitão, cujo navio é
tão fortemente construído de aço e ferro, que a agulha de sua bússola somente aponta
para a massa de ferro do navio, e não mais para o Norte” (Heisenberg, 1979:
22).
ILUSTRAÇÃO
CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA E IDENTIDADE CULTURAL
O mundo contemporâneo da chamada
“globalização” vive uma época de grandes transformações e graves desigualdades.
Isso fica evidenciado se considerarmos os preocupantes indicadores da situação
da educação: o número de crianças e adolescentes fora da escola
aumentou de cerca de 90 milhões em 1985 para 110 milhões em 1990, chegando a cerca de 83 milhões em 1995. A cada ano, milhões de
os alunos saem da escola primária, muitas vezes com a alfabetização
frágil, sem de senvolvimento completo das habilidades acadêmicas
básicas e sem formação
profissional de qualquer tipo. A história e
infraestrutura das escolas onde esses alunos estudam, principalmente em países em desenvolvimento, de fato é relativamente breve e insatisfatória. Entre as relações mais
consistentes em demografia
ocorre o inverso no que tange à proporção
entre a educação das mulheres e
da fertilidade. Apenas 66 por
cento das meninas em idade escolar e 72 por cento do meninos
prosseguem os seus estudos. Na verdade,
muitos estudantes desistem
entre o primeiro e segundo grau, não
adquirindo nem mesmo os elementos mais
básicos de educação. Altas taxas de repetição também retardam
o progresso da aprendizagem e aumentam o custo da educação nos países em
desenvolvimento. Por uma estimativa, 16 por cento do orçamento da educação em
países em desenvolvimento é consumido pelo custo de repetição, isso quando consideramos apenas as quatro primeiras séries do ensino fundamental; obviamente que a contabilização dos gastos com repetição total é estarrecedora, um absurdo em âmbito global. (UNESCO: 1999).
países em desenvolvimento é consumido pelo custo de repetição, isso quando consideramos apenas as quatro primeiras séries do ensino fundamental; obviamente que a contabilização dos gastos com repetição total é estarrecedora, um absurdo em âmbito global. (UNESCO: 1999).
Uma das características fundamentais de
um Estado futuro fundado na sustentabilidade é que a população de cada país
tenha uma identidade culturalmente enraizada e cientificamente “ilustrada”.
Isso coloca a necessidade de ações estratégicas no âmbito da educação e da
cultura. No campo educacional, o objetivo mínimo é a erradicação do analfabetismo
em todo o mundo, como requisito do objetivo maior de se capacitar a população a
ter acesso à informação. No campo cultural, o objetivo é o enraizamento, na população,
da herança de sua própria história, de modo a oferecer-lhe a possibilidade de
afirmar sua identidade em meio a um mundo em acelerado processo de mudança.
No novo século XXI, o conceito de
alfabetização deverá ampliar-se, incorporando características que vão além da habilidade
de ler e escrever. O “alfabetizado”, daqui para frente, deverá também estar
apto a ter acesso a toda a ampla gama de mecanismos de informação e habilidades
técnicas que o permita participar da vida cotidiana da sociedade e ter acesso
ao cada vez mais restrito e seletivo mercado de trabalho. Isso implica, em
primeira instância, saber manejar e se valer dos recursos da informática.
Um grande desafio para as políticas
públicas de universalização da educação deste novo conceito de alfabetização é
a difícil compatibilização dos aspectos de natureza globalizante — que permitam
situar o contexto da vida local de comunidades ainda pouco integradas ao mundo globalizado
— com os imperativos de se assegurar a integridade das identidades e
idiossincrasias culturais locais.
AS
TECNOLOGIAS DA SUSTENTABILIDADE
A conscientização da população para a
importância estratégica da sustentabilidade é questão que permeia todas as
áreas da Agenda 21. O eixo da argumentação que se segue está fundamentado no
conteúdo expresso pela Agenda 21, reconhecida como uma das mais importantes
pautas de alertas e prioridades de ação para o próximo século.
É imperativo que se busque uma
reorientação do ensino no sentido do desenvolvimento sustentável, uma promoção
do treinamento para as “tecnologias da sustentabilidade” e uma elevação da
consciência pública cidadã. Os projetos pedagógicos difusores do princípio
“sustentabilidade” devem necessariamente incorporar uma dimensão ética,
vinculante de saberes, valores, atitudes, técnicas e comportamentos que
favoreçam a participação pública efetiva nas tomadas de decisão.
É importante enfatizar o princípio da
delegação de poderes, responsabilidades e recursos em nível mais apropriado e
dar preferência para a responsabilidade e controle locais sobre as atividades
de conscientização. Os países e as organizações regionais e internacionais devem
desenvolver suas próprias prioridades e prazos para implementação, em
conformidade com suas necessidades, políticas e programas, estabelecendo os
meios de utilização das modernas tecnologias de comunicação para chegar eficazmente
ao público, promovendo o emprego de métodos interativos de multimídia e
integrando métodos avançados com os meios de comunicação populares.
As diversas associações profissionais
nacionais devem ser incentivadas a desenvolver e revisar seus códigos de ética
e conduta, para fortalecer as conexões e o compromisso com a sustentabilidade,
permitindo a incorporação de co-nhecimentos e informações sobre a implementação
do desenvolvimento sustentável em todas as etapas da tomada de decisões e
formulação de políticas, fazendo de cada pessoa usuário e provedor de
informação (incluindo dados e sistematizações de experiências).
A necessidade de informação surge em
todos os níveis — internacional, nacional, regional e local — requerendo, como
um postulado de justiça e eficiência, a redução das diferenças em matéria de dados
e a melhoria da disponibilidade da informação para os diferentes agentes
sociais. Devem ser fortalecidos os mecanismos nacionais e internacionais de
processamento e intercâmbio de informação e de assistência técnica conexa, a
fim de assegurar uma disponibilidade efetiva e eqüitativa da informação,
sujeita à salva-guarda da soberania nacional e direitos de propriedade intelectual
pertinentes.
As “tecnologias da sustentabilidade” são
tecnologias de processos e produtos, não se configurando como unidades
isoladas, mas sistemas totais, que incluem conhecimentos técnico-científicos,
procedimentos, bens e serviços e equipamentos, assim como procedimentos de
organização e manejo, devendo ser compatíveis com as prioridades socioeconômicas,
culturais e ambientais nacionalmente determinadas. O acesso às “tecnologias da
sustentabilidade” pode ser facilitado por processos cooperativos em nível internacional
e regional, que requerem uma “massa crítica” de capacitação para pesquisa e
desenvolvimento, apta a incorparar o acervo de conhecimentos e habilidades das “tecnologias
da sustentabilidade” de modo adaptativo e inovador à cultura nacional e local.
Tem importância estratégica o estabelecimento de redes de colaboração de grupos
de pesquisa e desenvolvimento em nível internacional, nacional e regional.
As “tecnologias da sustentabilidade” têm
uma forte base científica. A pesquisa científica serve de elemento de articulação
e apoio no estabelecimento e realização de metas do desenvolvimento
sustentável, constantemente reavaliando e promovendo padrões menos intensivos
de utilização de recursos. Mas diante da ameaça de irreversibilidades
indesejáveis e no contexto de sistemas complexos, não plenamente compreensíveis,
a falta de conhecimentos científicos não pode ser desculpa para se postergar a
adoção de medidas preventivas, e a prudência é uma das virtudes cardeais da
cientificidade. A base científica não deve servir de argumento para um otimismo
ingênuo, apoiado na crença ilusória de sempre ser possível corrigir amanhã
eventuais falhas de hoje.
O desenvolvimento sustentável exige
assumir perspectivas de longo prazo, numa visão de futuro em que a incerteza e
a surpresa se fazem presentes. A estratégia de ação deve sempre buscar
assegurar uma razoável gama de opções para haver uma desejável flexibilidade de
resposta. Isso requer o fortalecimento da base científica e de pesquisa, a
prudente interação entre as ciências e a tomada de decisões, e a valorização de
conhecimentos autóctones e locais, com os diversos países identificando em
nível nacional suas necessidades e prioridades no contexto das atividades
internacionais de pesquisa.
Com os conhecimentos científicos
adquiridos também servindo de apoio para a realização de avaliações prospectivas.
Tem prioridade estratégica para o desenvolvimento sustentável o fortalecimento
da capacitação científica nacional, incentivando as atividades de pesquisa e
desenvolvimento com vistas a uma maior utilização de seus resultados nos diferentes
setores produtivos. Isso requer um conjunto de ações no âmbito do ensino,
treinamento e capacitação de recursos humanos, apoiadas tanto nos conhecimentos
tradicionais e locais da sustentabilidade como nos avanços da modernas
“tecnologias da sustentabilidade”.
Este processo deve estar articulado com
o fortalecimento da infra-estrutura científica de escolas, universidades e
instituições de pesquisa, e a implantação de bancos de dados científicos e tecnológicos
no plano nacional, que alimentem redes regionais de informação.
Tem grande importância estratégica para
o desenvolvimento sustentável a melhoria da comunicação e cooperação entre a
comunidade científica e tecnológica, os tomadores de decisões políticas e o
público. Decisões em consonância com o princípio “sustentabilidade” são decisões
éticas, que contribuem para a manutenção e aperfeiçoa-mento de sistemas de
sustentação da vida. O fortalecimento de códigos de conduta e diretrizes para a
comunidade científica e tecnológica contribui decisivamente para a consciência
ambiental e o desenvolvimento sustentável.
Para que se-jam eficazes no processo de tomada
de decisões, esses princípios, códigos de conduta e diretrizes, devem, não
apenas, ser produto de um acordo interior à comunidade científica e
tecnológica, mas também receber o reconhecimento de toda a sociedade.
REDESENHANDO
O UTOPISMO
Vivemos uma transição crítica (Hobsbawm:
1994). O fim do milênio se associa a uma crise de paradigmas e a uma radical
transformação na base tecnológica da civilização moderna “globalizada”.
Acumulam-se os estudos que se pretendem formuladores de sínteses globais,
previsões, cenários, agendas e avaliações que podem servir de pontes para o
redesenho da utopia. E, em nosso fin de siècle, surge também toda uma série de
trabalhos que apresentam possíveis rupturas com tendências do tipo cul-de-sacs:
Fim da história (Fukuyama: 1992), Fim do trabalho (Rifkin: 1995), Fim da
ciência (Horgan: 1996).
Mas as cartilhas da renovação também são
muitas, a começar pela Agenda 21. E seguindo uma conduta pouco usual entre
acadêmicos, J. K. Galbraith (1996) lançou recen-temente a obra The Good
Society: The Humane Agenda, que o insere no seleto grupo de intelectuais
engajados em projetos de sociedade. Nela são pautados temas como desenvolvimento,
meio ambiente e educação.
Podemos observar que os marcos iniciais
do redesenho dos caminhos do utopismo estão apontados. Cabe agora trilhá-los.
E, para isso, algumas recomendações parecem pertinentes:
• As estratégias de mudança não podem
ser objeto de ações imediatistas, nem seus resultados colhidos a curto prazo.
Deve-se ter em mente que os investimentos que os países hoje desenvolvidos
fizeram no âmbito da educação e do desenvolvimento científico e tecnológico têm
o prazo de maturação de pelo menos uma geração.
• Os projetos nacionais de metamorfose
da identidade cultural devem ser gradualistas. Rupturas radicais “instantâneas
e totais” revelam-se carentes de sustentabilidade institucional. Sem
continuidade e credibilidade nas instituições, a legitimidade e a efetividade
dos processos de transformação ficam comprometidas.
• O princípio “sustentabilidade” como
fundamento de uma modernidade ética precisa resgatar a lógica do ser, superando
a moldagem que a lógica do ter ao longo do século XX imprimiu tanto à educação
quanto ao desenvolvimento da pesquisa e da ciência e tecnologia.
• As mazelas da globalização, tais como
desemprego, exclusão social e anulação de culturas locais, são um desafio a ser
enfrentado por uma modernidade ética, fundada no princípio “sustentabilidade”,
que afirme a pluralidade e diversidade como valores positivos.
• A educação deve estar em sintonia com
novos paradigmas. Não mais voltada à formação de culturas e mentalidades que
levem a um futuro utilitarista, especializado e condenado aos efeitos perversos
do desemprego, das guerras e da degradação ambiental.
APELO
À PRUDÊNCIA: UM CASO EXEMPLAR
O triunfo do industrialismo na última
virada de século trouxe consigo a hegemonia de dois conjuntos de expectativas.
Havia, por um lado, uma grande certeza de que um ciclo de redução das
desigualdades sociais, resultado de políticas públicas de proteção social,
conduziria o mundo a uma situação de maior justiça social: a sociedade afluente
era o espelho do futuro de toda a humanidade. Esse cenário otimista tinha por
suporte um notável desenvolvimento da ciência e das técnicas nas décadas
precedentes, que alimentava a crença na possibilidade de que um irrestrito
avanço do conhecimento e do engenho humano seriam capazes de solucionar
impasses, corrigir distorções e anular “efeitos externos” indesejáveis.
Os amargos fatos da vida (guerras,
“limpezas étnicas”, desigualdades exacerbadas, corrida armamentista, despotismos,
desastres ecológicos etc.) que acompanharam o “longo século XX” frustraram tais
expectativas, e revelaram a ingenuidade desse otimismo. O caminho da humanidade
seguiu a perigosa trajetória que se orienta muito mais pela busca de uma
modernidade técnica do que de uma modernidade ética.
Dentro de tal cenário, o império da
lógica econômica sobre a lógica da sustentabilidade transformou nosso século em
um imenso laboratório de operações de risco. Nenhum outro período da história
foi tão sangrento (cf. Hobsbawm: [1994], o equivalente a 10% dos 1,9 bilhões de
habitantes do planeta em 1900 morreram em guerras ao longo do século). Nunca o
contraste entre abundância e penúria entre povos foi tão grande; e nem a
ciência foi tão necessária para a resolução de problemas criados pelo próprio
avanço das técnicas. Deparamo-nos com a desconcertante situação que já havia
sido alertada por Herrera (1984): vivemos sob o risco de uma “crise da
espécie”.
Precisamos conviver com a possibilidade
de destruir a biosfera por atos humanos, e não apenas sob a forma do holocausto
nuclear exacerbado pela corrida armamentista. É urgente incorporar uma
redefinição dos balizamentos éticos de nossos atos produtivo-destrutivos. A
“cega” incorporação aos sistemas produtivos de novos avanços tecnológicos, sem
a prudente avaliação de seus riscos, pode transformar o alerta de Herrera em profecia,
e os cenários sombrios das antiutopias de ficção científica em ingênuas
antevisões, se confrontados com a realidade dos fatos.
O avanço das tecnologias de manipulação
genética constitui importante pano de fundo para a atual temporada de balanço
do século XX e de cenários para o próximo. Como há 100 anos atrás, o progresso
é anunciado como redentor. E a prudência parece ser nossa virtude mais
necessária.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BABAI,
Don. El
Banco Mundial y el FMI: Apoyo o Rechazo AL Papel del Estado? In: VERNON,
Raymond. La promesa de La privatización: un desafío para la política exterior
de los Estados Unidos. México, Fondo de Cultura Económica, 1992.
BIRD.
World
Development Report: The State in a Changing World. Washington, The World Bank,
1997.
BRONOWSKI,
Jacob.
Science and Human Values. New York, Harper & Row, 1972.
______. The Common
Sence of Science. Cambridge, Harvard University Press, 1978.
FUKUYAMA,
Francis.
The End of History and the Last Man. New York, Maxwell Macmillan, 1992.
GALBRAITH,
John K.
The Good Society: The Humane Agenda. New York, Houghton Mifflin Company, 1996.
HEISENBERG,
Werner.
Das Naturbild der heutigen Physik. Reinbek bei Hamburg, Rowohlt, 1979, p. 22.
HOBSBAWM,
Eric J.
The Age of Empire. New York, Pantheon Books, 1987.
______. Age of
Extremes. New York, Pantheon Books, 1994.
HORGAN,
John.
The End of Science. Reading-Mass, Addison-Wesley, 1996.
ILLICH,
Ivan.
Specific Counterproductivity. In: STEGER, Hanns-Albert (org.). Alternatives in
Education. München, Wilhelm Fink, 1984.
JONAS,
Hans.
Zur ontologischen Grundlegung einer Zukunftsethik. In: Philosophischen
Untersuchungen und metaphysische Vermutungen. Frankfurt am Main e Leipzig,
Insel, 1992.
MEADOWS,
Denis et al.
The Limits to Growth. Londres, Pan Books, 1972.
MUMFORD,
Lewis.
The Myth of the Machine. New York, Harcourt, Brace and World, 1967.
RIFKIN,
Jeremy.
The End of Work, New York, G. P. Putman’s Sons, 1995.
SALOMON,
Jean-Jacques.
Science and Politics. London, Macmillan, 1973.
SCHELSKY,
Helmut.
Einsamkeit und Freiheit. Idee und Gestalt der deutschen Universität und ihrer
Reformen. Reinbek bei Hamburg, Rowohlt, 1963.
STEGER,
Hanns-Albert.
Humanistische Bildung in den modernen Industriegesellscahften, Paedagogica
Europea, v. 13, 1978.
TINBERGEN,
Jan et al.
Reshaping the International Order: RIO, A Report to the Club of Rome, Londres,
Hutchinson, 1977.
UNESCO. Education and
Population Dynamics: Mobilizing Minds for a Sustainable Future, EPD-99, 1999.
UNITED
NATIONS CONFERENCE ON ENVIRONMENT AND
DEVELOPMENT, Agenda 21, Rio
de Janeiro, 1992.
VAZ,
Henrique Cláudio de Lima. Escritos de filosofia. São Paulo, Loyola, 1986.
______. Religião e
modernidade filosófica. In: BINGEMER, Maria Clara L. (org.). O impacto da
modernidade sobre a religião. São Paulo, Loyola, 1992.
WEBER,
Max.
Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre. Tübingen, J. C. B. Mohr, 1981.