Disponível
em http://www.gestaoenegociossustentaveis.blogspot.com.br/
Autoria:
1-
Eduardo Viola. Professor Titular do
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília; Pesquisador
Sênior do CNPq; Coordenador da Rede de Pesquisa em Mudança Climática
e Relações Internacionais da Universidade de Brasília.
2-
Matías Franchini. Mestre e Doutorando em Relações Internacionais;
membro da Rede de Pesquisa em Mudança Climática e Relações Internacionais da
Universidade de Brasília.
RESUMO
Neste
artigo consideramos os problemas ambientais globais dentro do conceito de
limiares planetários, em convergência com os últimos avanços das ciências
naturais. Nesse contexto, nosso objetivo é explorar o papel do Brasil na
governança do espaço de operação seguro para a humanidade, avaliando como o
país complementa o enorme capital ambiental físico que possui com ações
políticas específicas orientadas para uma economia verde de baixo carbono
(EVBC), tanto no âmbito doméstico quanto no internacional. Para atingir essa
meta, em primeiro lugar discutimos conceitualmente a economia verde de baixo
carbono como paradigma de desenvolvimento compatível com um espaço de operação
seguro para a humanidade; em segundo lugar, analisamos a Rio+20 pelo prisma da
governança global dos limiares planetários e pela atuação brasileira na Cúpula;
e finalmente fazemos um diagnóstico da situação do Brasil em relação ao novo
paradigma de desenvolvimento. Como conclusões da análise, destacamos a
crescente distância entre a aceleração dos problemas da interdependência –
especialmente a definição de um espaço seguro de operação para a humanidade – e
os mecanismos globais de governança existentes, derivada de um sistema
internacional bloqueado e dominado por forças conservadoras. O resultado
frustrante da Rio+20 é evidência clara dessa defasagem. Nessa dinâmica, o
Brasil tem o potencial para ser um ator central da governança dos limiares
planetários, por seu vasto capital ambiental físico. No entanto, o mínimo
avanço da EVBC no país degrada essa capacidade de agência, e o torna uma
potência ambiental subdesenvolvida (underachiever environmental power).
INTRODUÇÃO
Na
comunidade das ciências naturais, é cada vez mais consensual a ideia de que a
crescente pressão antrópica sobre o sistema terrestre (ROCKSTRÖM et al., 2009)
pode levar a uma mudança abrupta do ambiente global. Progressivamente, os
humanos nos tornamos o principal vetor de mudança global sistêmica, que envolve
a desestabilização de sistemas biofísicos críticos, com consequências
deletérias ou mesmo catastróficas para o nosso bem-estar. Assim, durante os
últimos 10 mil anos a Terra se manteve no domínio estável do Holoceno, isto é,
certos parâmetros biogeoquímicos e atmosféricos oscilando dentro de um espaço
relativamente pequeno. No entanto, com a revolução industrial, nossas ações
estão efetivamente colocando uma série de processos centrais do sistema
terrestre fora dos parâmetros de oscilação estável. Essa alteração marca a
transição do Holoceno para uma nova era: a do Antropoceno. O conceito de
Antropoceno ilustra os dois processos centrais acima referidos: o fator
antrópico como principal vetor de mudança ambiental sistêmico, e o desvio – com
enormes consequências potenciais – dos padrões estáveis do Holoceno.
Considerando
essa situação, a ciência avançou na identificação de fronteiras planetárias
dentro das quais a humanidade poderia operar de forma segura em referência ao
funcionamento do sistema terrestre. Atravessar essas fronteiras implicaria
entrar numa zona de risco de disrupção ambiental sistêmica. A noção de
fronteiras planetárias aparece como uma nova forma de abordar a
sustentabilidade, não já de forma isolada e localizada (análises setoriais de
limites ao crescimento e minimização de externalidades negativas) como a
abordagem ambiental clássica, mas de forma global, sistêmica. Dessa forma, nove
fronteiras planetárias são identificadas, sete das quais são passiveis de serem
quantificadas: mudança climática; acidificação dos oceanos; ozônio; ciclo
biogeoquímico do nitrogênio e fósforo; uso da água doce; mudanças no uso da
terra; biodiversidade; poluição química; e concentração de aerossóis na
atmosfera. Três dessas nove fronteiras planetárias já foram ultrapassadas:
mudança climática, taxa de perda de biodiversidade e ciclo do nitrogênio.
A
discussão sobre o espaço de operação segura da humanidade relaciona-se de forma
muito próxima com o debate clássico da ecologia global a respeito do impacto da
dinâmica populacional sobre o futuro do planeta. Esse impacto é medido por meio
de uma equação que relaciona o número de humanos vivos, o nível de consumo e o
caráter da tecnologia (destrutiva ou benigna). Com níveis moderados de consumo
e disseminação generalizada de tecnologias sustentáveis, o sistema terrestre é
capaz de suportar crescentes números de habitantes. No entanto, a atual
progressão dessa equação – crescimento populacional, crescimento do consumo per
capita e predomínio de tecnologias não sustentáveis (poluentes,
carbonizantes e intensivas em uso de água e recursos naturais) – é incompatível
com a manutenção dos parâmetros estáveis do Holoceno.
Existe
mais um fator de extrema relevância, que deve ser considerado em qualquer
reflexão sobre a dinâmica civilizatória atual: a aceleração da história. O
processo é, em primeira medida, social e cultural, e implica um aumento drástico
da velocidade dos processos sociais. É também um fenômeno físico, na medida em
que as atividades humanas mudam a própria fisionomia do planeta em um ritmo
nunca antes visto: consumo de recursos, destruição de biodiversidade,
desestabilização do sistema climático temperatura, contaminação das águas, etc.
A rapidez das inovações tecnológicas, especialmente na área de informação,
destaca-se aqui de forma significativa. Para o indivíduo, a extrema velocidade
da realidade que o circunda acaba por afetar seu funcionamento, colocando
desafios que tendem a alterar os mecanismos de processamento de informação e os
mecanismos de tomada de decisão.
A
administração das fronteiras planetárias nesse contexto requer um desafio
profundo para a governança em todos os níveis. A governança global apresenta-se
especialmente exigida na medida em que os limiares planetários se tornam global
commons, embora de diversa espécie. Sem elevados níveis de cooperação
internacional, é impossível definir e proteger um espaço de operação seguro
para a humanidade.
Essa
cooperação confronta-se com um obstáculo central: a disrupção do sistema
terrestre é incremental (combinando processos rápidos e lentos) e seus efeitos
mais evidentes estão localizados em uma escala temporal ampla. No entanto, a
humanidade apenas reage a ameaças imediatas muito tangíveis ou à imoralidade
extrema e, como consequência, as instituições sociais estão criadas para
funcionar dentro do horizonte do curto prazo. Ao contrário, o fundamento do
desenvolvimento sustentável – definido cada vez mais em referência a um espaço
de operação segura para a humanidade – está no longo prazo.
A
Rio+20 manifesta-se como evidência clara dessa defasagem entre crise sistêmica,
que já é quase evidente; consciência pública global sobre o problema, que se
expande progressivamente; e resposta política extremamente conservadora e
ineficiente. A Cúpula foi um fracasso desde o ponto de vista da evolução dos
mecanismos cooperativos para governar o ambiente global nos últimos 20 anos, e um
enorme fracasso se consideradas as evidências científicas sobre a degradação do
sistema terrestre acumuladas neste período.
Esse
deficit da governança ambiental é, no entanto, reflexo do bloqueio da
governança da ordem internacional, que está dominada por forças conservadoras e
soberanistas. Esse sistema internacional de hegemonia conservadora (VIOLA,
FRANCHINI e LEMOS RIBEIRO, 2012) torna-se incapaz de dar resposta aos problemas
derivados da profunda interdependência das sociedades contemporâneas, que demandam
como nunca arranjos cooperativos para serem solucionados. O sistema tradicional
de governança universal – ancorado no sistema das Nações Unidas – manifesta
cada vez mais sua obsolescência; ao mesmo tempo, o experimento com novos
mecanismos mais restritos e flexíveis como o G-20 tampouco consegue articular
resposta.
O
núcleo da questão é que uma arquitetura eficiente de instituições de governança
global apenas é possível se os principais atores do sistema fizerem uma
transição para o reformismo, aceitando limites ao seu poder e soberania para a
construção de bens públicos globais de longo prazo. Esse é um cenário que não
aparece como provável no curto e meio prazo.
Na
discussão sobre o espaço de operação segura da humanidade, o caso brasileiro
assume profunda relevância, tornando-se o país um agente central da governança
dos limites planetários. No entanto, essa categorização – que na linguagem
pré-limiares planetários chamava-se "potência ambiental" – necessita
ser problematizada. O Brasil é uma potência ambiental apenas em termos de
capital ambiental físico, no sentido de que possui uma base material de
abundância de recursos naturais. Os fatos são bem conhecidos: a) estoque de
carbono florestal mais importante do mundo; b) maior estoque de biodiversidade
do mundo; c) maior reserva de terras agriculturáveis e agrobusiness mais
competitivo do mundo; d) terceiro maior estoque de água potável do mundo (após
Rússia e Canadá); e) produção de etanol mais eficiente do mundo, e a segunda em
quantidade produzida (atrás dos EUA – LAMERS et al., 2011); f) maior reserva de
energia hidráulica no mundo, com capacidade para facilmente utilizá-la por ter
indústria globalmente competitiva nesse campo.
No
entanto, em termos de capital ambiental social, o Brasil integra os menos
desenvolvidos entre as democracias consolidadas. Com mais intensidade do que em
outras democracias, a lógica de curto prazo governa as instituições políticas e
econômicas brasileiras, e nesse processo o baixo nível educacional da população
tem papel fundamental. Essa profunda disfuncionalidade da política brasileira
para lidar com a exigência de longo prazo que o desenvolvimento sustentável
coloca dá o caráter do Brasil como potência ambiental subdesenvolvida (underachiever
environmental power), visto que a base material o posiciona como grande player,
mas a dinâmica social pouco comprometida com o bem comum universal – espaço
global de operação segura – mina as possibilidades de influenciar com maior
intensidade a governança das fronteiras do planeta.
O
nosso objetivo nesse artigo é explorar o papel do Brasil na governança do
espaço de operação seguro para a humanidade, avaliando como o país complementa
o enorme capital ambiental físico que possui com ações políticas específicas
orientadas para uma economia verde de baixo carbono (EVBC), tanto no âmbito
doméstico quanto internacional. Para isso dividimos o trabalho em três partes:
na primeira discutimos conceitualmente a economia verde de baixo carbono como
paradigma de desenvolvimento compatível com um espaço de operação seguro para a
humanidade; na segunda, analisamos a Rio+20 pelo prisma da governança das
fronteiras planetárias e atuação brasileira na Cúpula; e na terceira fazemos um
diagnóstico da situação do Brasil em relação ao novo paradigma de
desenvolvimento.
ECONOMIA
VERDE DE BAIXO CARBONO
Há
sérios obstáculos quando se pretende precisar uma definição de um tipo de
economia que transcenda os paradigmas clássicos de crescimento e articule de
forma abrangente e equilibrada o bem-estar presente e futuro da humanidade. O
conceito de desenvolvimento sustentável, popularizado a partir de finais da
década de 1980, é antigo e difuso. O conceito de economia de baixo carbono,
desenvolvido a partir de 2006, é mais preciso e consistente, já que possui uma
métrica clara (STERN, 2006). No entanto, é insuficiente como paradigma de
desenvolvimento porque não considera de forma plena a problemática crescente da
água, biodiversidade, e de outras fronteiras terrestres.
Acreditamos,
no entanto, que uma definição de um novo paradigma deve considerar a discussão
prévia sobre limiares planetários, de forma que o modelo de desenvolvimento
global deva operar dentro das fronteiras do espaço seguro para a humanidade.
Falamos assim de economia verde de baixo carbono (EVBC).
O
baixo carbono torna-se a base dessa definição por várias razões: pelas
características da problemática do clima (urgente, global, e com alto nível de
reconhecimento por parte da opinião pública global em relação às outras
fronteiras), pela métrica conhecida, pelas soluções disponíveis e pela sinergia
com outros limiares planetários (Acidificação dos oceanos, biodiversidade,
ciclo do nitrogênio, poluição química). Em termos mais específicos, a economia
verde de baixo carbono envolve:
·
redução
de intensidade de carbono do PIB.
·
redução
das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) per capita.
·
uso
eficiente das matérias-primas, alto nível de reciclagem no ciclo produtivo com
progressivo abandono da obsolescência planejada no modelo de negócios (PACKARD,
1964);
·
uso
eficiente da água: redução da intensidade de água por unidade de PIB e uso
racional múltiplo dos recursos hídricos;
·
proteção
da biodiversidade, utilização racional desses recursos na atividade econômica;
·
diminuição
do uso de fertilizantes na agricultura;
·
maximização
das energias renováveis na matriz energética;
·
smart grid de energia que permita interligar
eficientemente as diferentes formas de energia;
·
estímulo
ao transporte coletivo e à intermodalidade, privilegiando o abandono
progressivo do transporte rodoviário;
·
igualdade
republicana de oportunidades com promoção da redução do índice de Gini;
·
estrutura
tributária com crescente ênfase na tributação ao carbono, à poluição e ao
desperdício de água, em substituição aos clássicos impostos ao capital e
trabalho.
Em
última instância, a economia verde de baixo carbono aponta para a prosperidade
sem crescimento, mas observando a equidade no caminho. Assim, existem
sociedades que não precisam crescer significativamente em termos materiais
(economia, uso de energia e recursos naturais) porque já têm populações
estabilizadas e um bom desenvolvimento da infraestrutura. O desafio para elas é
transcender a lógica do crescimento tradicional e consolidar um processo de
progressiva redução de emissões e pressão sobre as outras fronteiras da
sustentabilidade.
Para
os países de renda média, o crescimento no sentido de expansão material é ainda
um imperativo, porque parte de suas populações não possuem os requisitos
mínimos de sobrevivência. No entanto, para manter a humanidade dentro de um
espaço de operação seguro, esse crescimento não pode ser intensivo em carbono,
energia e recursos naturais, mas intensivo em tecnologia e fontes de energia
limpas. Outro ponto fundamental é que uma parte destes países tem ainda taxa de
fecundidade alta (acima de dois filhos por mulher) e deveriam desenvolver
políticas de direitos reprodutivos e educação das mulheres que promovessem uma
diminuição consistente e rápida da fecundidade ao patamar de reposição. Os
países pobres enfrentam um desafio similar em termos de modelo de
desenvolvimento e fecundidade, agravado, ainda, por problemas crônicos de
governabilidade e corrupção que levam a alguns deles a se tornarem Estados
falidos. Nesse caso, o apoio da comunidade internacional torna-se uma
necessidade essencial.
Dessa
forma, define-se a economia verde de baixo carbono em relação à determinação
científica dos limites planetários, e em relação ao princípio de equidade, que,
traduzido na prática, envolve espaço significativo de crescimento para os
países pobres, algo menos para os países emergentes e crescimento próximo do
zero para as sociedades desenvolvidas. Ao mesmo tempo, a EVBC tem como marco
fundamental a referência apresentada na introdução a respeito do impacto do
crescimento populacional sobre a estabilidade do sistema terrestre; desse modo,
por exemplo, os diretos reprodutivos da mulher formam parte fundamental da
discussão.
O
novo paradigma de desenvolvimento assim definido impõe fortes desafios à
governança, tanto doméstica como internacional. No plano interno envolve
diálogo e articulação entre Estado, mercado e sociedade civil, cada um dos
quais deve subordinar sua própria lógica de comportamento às exigências da
estabilização do sistema terrestre. A articulação é particularmente demandante
entre os diferentes níveis de governo – nacional, estadual e municipal. A forma
de organização burocrática do Estado também deve fazer a transição para a
eficiência e a assimilação da economia verde do baixo carbono.
No
plano internacional, e como já apontamos, a gestão do espaço seguro de operação
para a humanidade não pode ser senão cooperativo para ser eficiente. Isso
implica uma reforma profunda das atuais estruturas de governança global, como
discutimos no próximo segmento.
A
RIO+20 E OS DESAFIOS DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
Para uma avaliação abrangente dos resultados da Rio+20 em relação à definição de um espaço seguro de operação para a humanidade, é necessário que efetuemos duas precisões prévias relativas ao seu contexto. A primeira envolve os limites do sistema de governança internacional criado após o fim da Segunda Guerra Mundial; a segunda diz respeito aos limites da governança ambiental no contexto desse sistema institucional de progressiva obsolescência.
O
papel da Organização das Nações Unidas (ONU) foi sempre menor que o almejado
pelos seus fundadores no período de 1945-1989, mas, em parte, importante devido
ao caráter bipolar e de confronto do sistema internacional e ao direito de veto
das grandes potências no Conselho de Segurança (CS). A partir de 1990 e
fundamentalmente desde 2007, seus limites são os de uma instituição
internacional baseada no princípio da soberania nacional estrita,
subdimensionada em termos de poder e recurso num mundo cada vez mais intensamente
globalizado e marcado por fluxos transnacionais independentes dos Estados no
contexto de aceleração geral dos processos físicos e sociais.
O
reconhecimento da impotência histórica da instituição teve como resultado a
experimentação com estruturas de governança mais restritas em termos de
composição – porém universais em termos de problemática abordada. No entanto,
elas também foram ainda limitadas em seus resultados, tal o caso do Grupo dos
20 (G-20) ou do Fórum das Grandes Economias para Energia e Clima (MEF – Major
Economies Forum on Energy and Climate).
O
problema central da governança global atual é que as instituições –
internacionais e domésticas – criadas ao longo das últimas décadas não refletem
o profundo nível de interdependência entre as sociedades. O desenvolvimento de
problemáticas que apenas podem ser gerenciadas de forma cooperativa – como a
crise climática ou financeira – demanda dos países crescentes níveis de
compromisso com a governança global e, portanto, certa cessão de soberania. Sem
embargo, apenas poucas sociedades no mundo estão dispostas a assumir esse tipo
de empreitada; consequentemente, o sistema internacional encontra-se dominado
por forças conservadoras.
Nesse
sistema internacional de hegemonia conservadora, uma série de grandes atores
estatais possui a capacidade de moldar o caráter da governança e,
eventualmente, forçar a transição para um sistema com hegemonia de forças
reformistas. São oito os agentes centrais da governança sistêmica (potências):
três superpotências, Estados Unidos, China e União Europeia; e cinco grandes
potências, Índia, Japão, Brasil, Rússia e Coreia do Sul. Enquanto a dinâmica
das potências tender para o campo conservador – como de fato acontece –, é
altamente improvável a possibilidade de uma reforma da governança que assimile
e expresse o profundo nível de interdependência estrutural entre as sociedades
e que incorpore como princípio reitor o espaço de operação segura para a
humanidade.
Um
avanço efetivo da governança global dentro do espaço de operação seguro para a
humanidade exige, ao mesmo tempo, mudanças gerais no nível sistêmico e
particulares na área ambiental específica.
A
mais estrutural das demandas é o abandono progressivo do soberanismo4
por parte da maioria das sociedades, na medida em que os limiares planetários
operam como global commons e aumentam de forma significativa a
necessidade de articulação de respostas cooperativas. No momento, entre os
grandes atores da governança global, o único claramente disposto a ceder
poderes para instâncias supranacionais é a União Europeia (UE), seguido por
Japão e Coreia do Sul com posições mais ambíguas. O resto dos países do G-20 é
soberanista em graus variáveis, incluindo soberanismo extremo nos EUA, China,
Índia, Rússia, Arábia Saudita e Argentina. Existem, no entanto, forças
pós-soberanistas desenvolvidas na maioria das potências soberanistas: EUA,
Canadá, Turquia, Indonésia, África do Sul, Brasil, México, Austrália e
Argentina.
Entre
as demandas específicas da área ambiental destacam-se as seguintes:
·
criação
de uma organização internacional ambiental com status superior a uma
agência especializada da ONU e com poderes similares aos da Organização Mundial
do Comércio (OMC), capaz de definir estratégias normativas globais para a
estabilidade do ambiente na Terra; com poderes para monitorar a situação
ambiental em cada um dos países, criticando publicamente aqueles que violem as
normas; e com poder de polícia para implementar tratados e protocolos;
·
internalização
das fronteiras planetárias nos princípios e comportamento da OMC, do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Conselho de Segurança da ONU;
·
reforma
gradual da Assembleia Geral da ONU (AGNU) com vista a se transformar em um
parlamento mundial representativo da população global, abandonando a atual
representação de estados nacionais;
·
criação
de um Conselho de Desenvolvimento Sustentável (com poderes diferenciados mas
equivalentes aos do Conselho de Segurança) no âmbito da AGNU, com poderes para
atuar na área ambiental. Este conselho teria com a AGNU uma relação similar à
que ela tem com o CS e seria formado por um grupo de membros permanentes sem
poder de veto (de composição similar à do G-20) e um grupo de membros rotativos
(BIERMANN et al., 2012).
No
entanto, a área específica de governança ambiental passou por um processo de
continuidade e ruptura ao longo dos últimos 40 anos, com um balanço final
negativo em termos de construção de capacidades cooperativas e extremamente
negativo se consideradas as exigências da estabilidade do sistema terrestre
definidas pela ciência. Nesse caminho, a Cúpula de Estocolmo (1972) foi central
na medida em que trouxe o problema ambiental para o sistema político
internacional e articulou uma vaga declaração normativa sobre o desafio a ser
enfrentado pela humanidade juntamente com a criação de um Programa específico
dentro do sistema ONU, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Construído
sobre um acumulado de duas décadas, a Rio 92 foi o ponto mais alto de gestão
cooperativa dos recursos ambientais comuns, não apenas porque gerou cinco
instrumentos normativos relevantes (as Convenções de Mudança do clima, de
Biodiversidade, e de Desertificação, a Declaração do Rio, e a Agenda 21), mas
porque foi rodeada por um clima de otimismo em relação à evolução da governança
global, nascido da desativação do conflito bipolar e expresso na ampla coalizão
global que enfrentou o regime iraquiano após a invasão ao Kuwait. O valor da
Rio 92 é alto, ainda que os instrumentos por ela criados não tenham refletido
de forma suficiente o consenso científico da época e tivessem poucos efeitos
práticos nos anos sucessivos.
A
Cúpula de Johanesburgo de 2002 representou um fracasso profundo da governança
cooperativa dos temas ambientais, já que não apenas não houve avanço
significativo dos objetivos definidos 10 anos antes no Rio, bem como o contexto
do encontro foi de aumento da conflitualidade sistêmica, resultado dos
atentados terroristas do 11 de Setembro. Ainda, a cúpula sul-africana inaugurou
neste campo a tradição de maquiar encontros multilaterais inúteis com a ficção
de progresso.
Nos
meses prévios a cada evento desse tipo, surgem declarações de extremo otimismo
proferidas pelos negociadores profissionais – e amplificadas pela imprensa –,
inflando as expectativas sobre os resultados das reuniões, o que representa
mais uma ilusão ou resposta corporativa de parte daqueles que fazem das
negociações sua vida e menos uma consideração baseada em fatos reais. Essa
indústria de conferências é profundamente negativa porque não apenas não
contribui à solução dos problemas, como também cria a ficção de que sua
ineficácia é apenas transitória e não estrutural, obstaculizando o surgimento
de outras instâncias de governança potencialmente mais adequadas.
Nesse
contexto, a Rio+20 acabou honrando, de forma amplificada, a nociva tradição de
cúpulas estéreis camufladas de avanço. A atuação da Conferência na área ambiental,
climática e de desenvolvimento foi diluída em uma agenda por demais abrangente
e difusa e, por vários motivos, acabou representando um retrocesso ainda maior
que Johanesburgo com respeito à Rio 92 (Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD-92).
Em
primeiro lugar, a Rio+20 tinha uma agenda menos ambiciosa do que sua
antecessora, na medida em que não havia pretensão de estabelecer acordos de
caráter legalmente vinculante, como a mencionada Convenção de Clima.
Em
segundo lugar, a Rio+20 não conseguiu atingir os discretos objetivos a que se
propôs: não houve nenhum avanço significativo na criação de um mecanismo de
governança ambiental global, ou sequer um upgrade do limitado PNUMA.
Nesse particular, a UE (liderada por uma coalisão
franco-alemã-escandinavo-britânica) voltou a mostrar que é a vanguarda da
governança global ao propor uma organização global do meio ambiente. Não
obstante, a medida foi combatida com força por grande parte das maiores
potências (EUA, China, Índia e Rússia), resistida com menos ênfase por Japão,
Coreia do Sul e Brasil, e apenas com boa receptividade entre os países
africanos – embora por motivos mais imediatistas do que o dos europeus: uma
eventual sede em Nairóbi e a promessa de recursos para o
desenvolvimento.
Tampouco
houve acordo sobre uma definição relativamente consistente do conceito de
economia verde, em boa medida porque os países do G77 assumem que ela virá
servir aos interesses dos países desenvolvidos. E em referência aos objetivos
de desenvolvimento sustentável, não apenas o processo de definição foi
novamente diferido, como também não foram estabelecidos parâmetros para as
negociações. Ainda, um elemento novo que parecia promissor no começo dos
debates e que foi liderado pelo Brasil – um consenso normativo sobre governança
dos oceanos incluindo a problemática da acidificação – acabou sendo
esterilizado pela oposição soberanista de EUA, China e Rússia.
Finalmente,
se considerada a evolução do estado do planeta nos últimos 20 anos, bem como os
avanços da ciência em relação à identificação dos limiares planetários, a
comunidade internacional reunida no Rio foi negligente ao ignorar
deliberadamente um debate profundo em relação a esses temas, de forma que se
observa cada vez mais a distância entre as necessidades do planeta e as
estruturas de governança ambiental global. A eliminação da referência aos
direitos reprodutivos no documento final da Cúpula, por pressão de países
islâmicos, do Vaticano e de outros grandes países de tradição cristã, é mais
uma amostra da defasagem entre política e ciência.
Em
suma, e como balanço da Cúpula, a construção de governança global ficou mais
comprometida, visto que a Conferência foi inútil do ponto de vista
intergovernamental. Esse fracasso, apresentado como conquista por parte da
maioria dos negociadores e alguns analistas, é ainda pior porque gera cinismo e
cria a ficção de progresso. Uma cúpula séria, que colocasse as bases para uma
cooperação eficaz, teria começado com uma abertura sincera a respeito das
posições dos diversos atores, sem cair na tentação de procurar consensos
mínimos que nada aportam à governança da área. O problema é que até os agentes
reformistas, como a UE, aceitam a tradição da harmonia estéril dos documentos
multilaterais.
No
entanto, houve alguns sinais positivos, surgidos de fora dos canais estatais
tradicionais. Uma primeira dimensão positiva da Cúpula relaciona-se ao papel
dos atores não governamentais – particularmente várias organizações
empresariais, associações científicas, ONGs com agendas embasadas
cientificamente e redes de jornalistas e artistas. Houve aproximadamente 3500
eventos paralelos à agenda oficial, sendo a maioria deles de boa qualidade.
Várias conferências empresariais internacionais promoveram declarações em favor
de uma transição para uma EVBC, o que mostrou o compromisso genuíno de algumas
firmas. Já o Fórum de ONGs mais radicais, reunido na autodenominada
Cúpula dos Povos, teve um papel bastante limitado, particularmente se comparado
com o destacado papel do Fórum de ONGs na Rio 92.
Uma
segunda dimensão positiva da Cúpula – e talvez a mais relevante do ponto de
vista de resultados concretos – foi o Fórum das Grandes Cidades, no qual se
agruparam 56 das principais cidades do mundo que representam todos os países
importantes. Lideradas pelo prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, as
metrópoles assumiram substantivos e formalizados compromissos de redução de
emissões de carbono. Estes compromissos estão longe de serem suficientes para
lidar efetivamente com a mitigação da mudança climática. No entanto, diante das
perspectivas difíceis de negociar algum tipo de extensão relevante do Protocolo
de Quioto na 18ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o Clima (COP
18), em Catar, em novembro de 2012, tais compromissos constituem-se, neste ano,
no único acordo internacional substantivo entre atores relevantes com o
objetivo de acelerar a transição para uma economia mundial de baixo carbono.
Todos
esses movimentos fortalecem as redes reformistas de sustentabilidade e
incrementam seu nível de impacto sobre a construção de uma sociedade
sustentável em escala global no meio prazo. No entanto, o esforço desses
agentes não tradicionais foi insuficiente para alterar a lógica
intergovernamental na própria Cúpula (nesse sentido, na Rio 92 os atores não
estatais tiveram mais impacto sobre o encontro) e muito menor para desbloquear
o sistema.
Em
relação ao papel do Brasil, houve, nos meses prévios à Cúpula, certo exagero
local em relação às possibilidades de o país influenciar significativamente o
rumo das negociações, baseado no fato de ser, ao mesmo tempo, uma potência
ambiental e o anfitrião do evento. Não obstante, estava claro desde o início
que um desbloqueio do sistema estava além das capacidades não apenas do Brasil,
mas de qualquer outro ator individual.
Ainda
considerando esse limite estrutural, a posição brasileira foi conservadora e
pouco contribuiu para gerar algum consenso em torno da proteção dos recursos
comuns da humanidade, reforçando seu papel como potência ambiental
subdesenvolvida. Em contraste com os desenvolvimentos positivos de 2009-20105,
o Brasil procurou separar o debate da mudança climática, tentando diluir o
componente ambiental do evento, enfatizando o componente social, como ficou
claro no documento oficial lançado em novembro de 2011 (BRASIL, 2011), que
enfatizava a importância do Programa Bolsa Família, mas não fazia menção à lei
de clima (Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009). A falta de compromisso do
governo brasileiro com a gestão do desenvolvimento sustentável ficou evidente
quando, no mesmo dia do término da Conferência, a administração Dilma anunciou
a redução para zero da contribuição de intervenção no domínio econômico
(CIDE) para petróleo e derivados.
Em
relação à dinâmica processual da negociação, o Brasil optou pelo caminho de
menor risco, evitando colocar-se como o mediador da Conferência e contribuir para
a produção de um documento mais ambicioso, derrotando os setores mais
conservadores. Pelo contrário, optou pelo consenso a qualquer preço, por um
documento sem maior relevância, que apenas ratifica o que foi acordado 20 anos
atrás, quando o risco de uma disrupção ambiental global era muito menor. Em
definitivo, o Brasil foi incapaz de abandonar uma posição soberanista, comum à
grande maioria dos países (com exceção da UE, pequenos estados-ilhas e alguns
outros poucos), em defesa mesquinha dos interesses nacionais e insistindo na
tradicional tendência de se alinhar automaticamente com os países emergentes e
pobres.
Uma
dimensão impossível de avaliar antes da passagem de dois a três anos será o
legado da Conferência à sociedade brasileira. Nesse aspecto, a Rio 92 teve um
profundo legado no país porque contribuiu para aumentar extraordinariamente a
consciência ambiental da sociedade brasileira. Terá a Rio 2012 um impacto
similar fortalecendo as forças sociopolíticas reformistas decarbonizantes e
impulsando a implementação consistente da lei de mudança climática e o abandono
do recente curso de política industrial e energética favorável ao complexo
automobilístico-petroleiro? Ou o impactoda exposição ampliada da sociedade
brasileira aos temas do desenvolvimento sustentável tende a diluir-se devido ao
extraordinário poder econômico e de cooptação do núcleo governamental favorável
ao desenvolvimento convencional?
O
BRASIL E A GESTÃO LOCAL DOS LIMIARES PLANETÁRIOS
Nos
segmentos prévios abordamos a EVBC como instrumento de gestão do espaço seguro
de operação da humanidade e destacamos os obstáculos que a atual arquitetura
internacional coloca à governança cooperativa das fronteiras planetárias,
assumidas como bens comuns universais. Nessa seção fazemos uma avaliação do
estado da economia verde de baixo carbono no Brasil por duas vias, primeiro
analisando certos pressupostos básicos que a política deve ter para sustentar o
desenvolvimento do novo paradigma e, segundo, efetuando uma análise por setor,
tendo como referência os 9 limiares planetários.
CONDIÇÕES
POLÍTICAS BÁSICAS PARA A ECONOMIA VERDE DE BAIXO CARBONO
As
condições políticas básicas têm caráter de pressuposto, não resultam
necessariamente no avanço de uma economia verde de baixo carbono, sem elas, no
entanto, esse desenvolvimento é impossível. No sentido mais profundo, essas
condições políticas habilitantes, quando instaladas, tendem a privilegiar a
lógica universal (bem público) e de longo prazo sobre a lógica particular
(setorial, corporativa) e de curto prazo – o que representa a concepção mesma
da sustentabilidade. A lógica atual do sistema político brasileiro, no entanto,
obstaculiza qualquer desenvolvimento significativo da economia verde, em
virtude de sua incapacidade de agregar a extrema fragmentação de interesses
setoriais imperante, e o extremado foco em objetivos de curto prazo.
Desse
modo, na concepção atual de desenvolvimento no Brasil, prioriza-se
absolutamente o pilar econômico, deixando-se em segundo lugar o pilar social, e
em último o pilar ambiental. Nos países mais reformistas (Alemanha, países
escandinavos, Coreia do Sul, onde a lógica do bem comum de longo prazo está
mais assimilada), o pilar ambiental ocupa o lugar prioritário junto com o pilar
de crescimento econômico. É esse o caminho para assegurar uma gestão exitosa da
problemática das fronteiras planetárias, a elevação da problemática do espaço
seguro de operação da humanidade ao primeiro lugar da agenda do
desenvolvimento. Essa transição, no entanto, envolve diferentes velocidades e
intensidades, conforme as características socioeconômicas dos países, como já
destacamos.
Essa
estrutura hierárquica de pilares em relação à economia verde situa o Brasil
como potência ambiental subdesenvolvida, já que os recursos naturais abundantes
do país facilitam uma economia de baixo carbono, e a metade do território está
ocupada por um ecossistema prístino, rico em água e biodiversidade, porém, na
política e na sociedade, a assimilação do vetor ambiental é pouco densa.
O
sensível retrocesso do eixo ambiental na concepção do desenvolvimento do
governo federal brasileiro com a eleição de Dilma Rousseff é mais uma expressão
dessa condição estrutural que privilegia o curto prazo e os interesses
setoriais, sacrificando o bem-estar futuro por ganhos imediatos. Várias ações
da administração iniciada em 2011 sustentam a crítica frequente de grupos
preocupados com a agenda ambiental no Brasil: a progressiva transferência do
policiamento da Amazônia da área federal (IBAMA) para a esfera estadual e municipal,
a redução dos limites de sete áreas de proteção ambiental para construção de
barragens e outras obras de infraestrutura, a estagnação do processo de criação
de áreas de preservação, e a compulsão por realizar o polêmico projeto de Belo
Monte, custe o que custar.
O
raciocínio que justifica tais tipos de medida é claro: eliminar qualquer
obstáculo ao crescimento para produzir riqueza e tirar milhões de pessoas da
pobreza. Esse argumento tem forte apelo na população brasileira e é convergente
com os interesses da maior parte do empresariado do país. Como afirma a
ex-ministra Marina Silva: "Este é um governo disposto a sacrificar os
recursos de milhares de anos pelo lucro de algumas décadas" (PRADA, 2012).
Em
agosto de 2012, o governo federal deu um grande salto ao reconhecer a
necessidade de um novo paradigma para enfrentar o déficit da
infraestrutura do país, quebrando assim a tradição estatista do Partido dos
Trabalhadores (PT). O plano prevê, no curto prazo, concessões de mais de uma
centena de milhões de reais distribuídos em quatro setores: rodovias,
ferrovias, portos e aeroportos. As novas medidas foram previamente negociadas
com grandes empresas nacionais interessadas nos projetos e com capital
suficiente para levá-los adiante, fato que torna provável que o detalhamento do
plano será suficientemente atrativo para o setor privado. Este novo paradigma,
combinado com a baixa da taxa de juros reais na economia, tende a consolidar o
desenvolvimento de um mercado privado de capitais de longo prazo.
Se
implementado de forma eficiente, o plano implicará, no meio prazo (cinco anos),
uma melhora gigantesca da infraestrutura brasileira, que arrasta um deficit
profundo desde, pelo menos, a década de 1990. Pelo que se conhece até o
momento, as concessões terão um impacto modernizador convencional sobre a
economia do país, já que apenas os investimentos na infraestrutura ferroviária
são convergentes com a economia verde de baixo carbono. Nos três setores
restantes, poderá haver algum impacto positivo em termos de emissão de CO2 e
poluentes em virtude de aumento na eficiência energética de derivados,
principalmente da redução da defasagem entre número de veículos e qualidade e
quantidade de rodovias.
No
entanto, o pacote de concessões deixa dois grandes buracos: hidrovias e
transporte e mobilidade urbana. Neste último caso, embora a atribuição
prioritária seja de estados e municípios, o governo federal deveria ter um
grande papel impulsor para quebrar a lógica inercial. Promover o transporte
público de massa, (metrôs de superfície, trens suburbanos, corredores
exclusivos de ônibus) é fundamental para descarbonizar a economia brasileira e
aumentar a qualidade de vida da população.
Listamos
a seguir algumas das características da democracia brasileira que conspiram contra
um maior compromisso com a economia verde de baixo carbono, as primeiras quatro
são de caráter estrutural e, portanto, mais importantes e difíceis de mudar, as
outras três são, em boa medida, expressão dessa estrutura:
·
sistema
político extremamente fragmentado e pouco representativo. Sistema
multipartidário altamente fragmentado, oligárquico e personalista,
profundamente contraditório com uma economia verde de baixo carbono. A
existência de inúmeros poderes de veto acaba mitigando ou esterilizando a construção
de bens universais;
·
educação
de baixa qualidade, ineficiente e atrasada. Essas condições favorecem o
particularismo e não a procura por interesses universais, que são mais
complexos de perceber e assimilar;
·
organização
burocrática estatal hipertrofiada, compartimentalizada, corrupta e ineficiente,
cujo critério principal de organização e funcionamento não é o mérito, mas a
distribuição de poder entre as forças políticas. No estamento burocrático o
funcionário não opera como servidor público, mas se serve da sociedade para seu
próprio interesse, subvertendo os objetivos da função;
·
baixo
investimento público em ciência e tecnologia, em proporção ao PIB;
·
sistema
tributário complexo, regressivo e ineficiente, com altíssima carga tributária
para uma economia de renda média. O sistema carece de consistência interna –
que eleva enormemente os custos de transação – em virtude de ser uma agregação
de respostas de curto prazo estimuladas por diferentes conjunturas econômicas.
O princípio geral que guia a cultura tributária é atrasado: a extração de
recursos da sociedade;
·
política
externa conservadora; com graus variáveis de soberanismo, conforme os
interesses circunstanciais envolvidos: absoluto em relação às grandes potências
do pós-guerra mundial, e relativo quando a pretensão brasileira de liderança do
mundo desenvolvido, que é uma forma de pós-soberanismo, aparece em cena; e
isolada da sociedade até a década de 1990, com abertura progressiva reticente a
partir daqueles anos. Em relação ao meio ambiente e sustentabilidade, a
política brasileira tende a sobredimensionar o peso do capital ambiental físico
do país, apresentando um discurso excessivamente otimista tanto em relação ao
nível de agência do Brasil na governança ambiental, quanto em relação aos aportes
feitos à sustentabilidade do sistema terrestre;
·
estagnação
do gasto público ambiental (e aumento de gasto em infraestrutura) (YOUNG,
2012);
·
falta
de implementação do protocolo verde de 1995 para instituições financeiras
públicas (que são as que mais participam do financiamento à formação bruta de
capital fixo, especialmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES) (YOUNG, 2012).
ECONOMIA
VERDE DE BAIXO CARBONO: DIAGNÓSTICO POR ÁREA
As
condições básicas de fragmentação e imediatismo listadas no segmento anterior
têm um correlato natural nas políticas setoriais específicas, que são em geral
pouco ambiciosas e raramente bem articuladas, embora existam algumas
experiências positivas, tais como:
·
pagamento
a produtores de água;
·
compensação
ambiental (Sistema Nacional de Unidades de Conservação);
·
compensação
financeira e fundos de ciência e tecnologia;
·
fundo
de reposição florestal e concessões florestais;
·
isenção
de imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) para Reservas Privadas
do Patrimônio Natural (RPPNs);
·
ICMS
ecológico;
·
mercados
de carbono – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal
(REDD);
·
compras
públicas sustentáveis;
·
bolsa
floresta e bolsa verde.
Damos
continuidade ao diagnóstico do estado da economia verde de baixo carbono e das
políticas relativas no Brasil conforme os 9 limiares planetários, discriminando
entre sinais positivos e negativos. Como será possível perceber, existe um
desequilíbrio no tratamento de cada um dos limiares, que se deve às
características próprias de cada fronteira e à situação particular do Brasil em
relação a cada uma delas. Desse modo, o limiar das mudanças climáticas se
destaca no diagnóstico por ser a base da definição da EVBC e por ter o Brasil
um papel relevante no ciclo global de carbono (BRASIL, 2010).
LIMIAR
1 – MUDANÇA CLIMÁTICA – CICLO DO CARBONO
Positivo
·
Lei
Nacional de mudanças climáticas (12.187), que estabelece a Política Nacional de
Mudanças Climáticas (PNMC) e incorpora o compromisso voluntário de redução de
trajetória de emissões assumido na 15 COP, realizada em Copenhague em dezembro
de 2009. Seguindo as diretrizes da lei, o Governo iniciou a regulamentação em
2010 com base nos cinco planos setoriais correspondentes aos compromissos
apresentados na COP 15: 1. Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na
Amazônia Legal; 2. Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento no
Cerrado; 3. Energia; 4. Agropecuária; 5. Substituição do Carvão de Desmatamento
por Florestas Plantadas na Siderurgia.
- Para uma segunda etapa, ficou o processo de regulamentação dos outros planos setoriais: 1. Transportes (cargas e passageiros); 2. Indústria de Transformação e de Bens de Consumo Duráveis; 3. Indústria Química Fina e de Base; 4. Indústria de Papel e Celulose; 5. Mineração; 6. Indústria da Construção Civil; e 7. Serviços de Saúde.
- Para uma segunda etapa, ficou o processo de regulamentação dos outros planos setoriais: 1. Transportes (cargas e passageiros); 2. Indústria de Transformação e de Bens de Consumo Duráveis; 3. Indústria Química Fina e de Base; 4. Indústria de Papel e Celulose; 5. Mineração; 6. Indústria da Construção Civil; e 7. Serviços de Saúde.
·
Lei
de mudanças climáticas do Estado de São Paulo (lei estadual nº 13.798, de 9 de
novembro de 2009), que estabelece metas de redução de emissões de 20%
em 2020, com relação ao ano de referência, 2005. Esta lei
é explicitamente obrigatória e sua aplicação toca principalmente nos
setores de energia, indústria e transportes, razão pela qual sua
implementação representa um desafio maior que a lei nacional.
·
Redução
de desmatamento entre 2005 e 2011.
·
Criação
do Fundo Amazônia (MOUTINHO, 2012).
·
Programa
de etanol. O programa foi lançado com elevados subsídios na década de 1970 –
com motivações de segurança energética no âmbito do modelo de substituição de
importações. Responde por aproximadamente 17% da matriz energética brasileira e
sem ele as emissões do país seriam aproximadamente 15% superiores. A introdução
da tecnologia flex-fuel permitiu a expansão do etanol na década de 2000,
no entanto, sua eficiência é baixa e precisa ser aprimorada, se incorporados
estímulos corretos.
·
Avanço
do Plantio Direto.
·
Plano
de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). Os recursos disponibilizados foram pouco
utilizados pelos produtores, e em maior proporção por grandes produtores, que
já têm níveis de eficiência maiores em relação aos pequenos.
·
Incipiente
avanço da energia eólica, favorecida por subsídios e leilões específicos para
fontes renováveis entre 2009 e 2011 (SCHAEFFER et al. 2012).
·
Linhas
de financiamento do BNDES para energias renováveis.
·
Programa
de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa).
·
Políticas
públicas de incentivo à eficiência energética: Programa Nacional de Conservação
de Eletricidade (PROCEL) e Programa Nacional de Racionalização do Uso dos
Derivados do Petróleo do Gás Natural (COMPET). Não tiveram grande impacto
sistêmico.
·
Retomada
dos investimentos em energia hidroelétrica, de forma mais sustentável que no
passado, embora com algumas dúvidas em relação à eficiência da substituição de
reservatórios por fio de água. Nesse sentido, houve um trade-off
negativo entre impacto ambiental local e segurança energética.
·
Entre
2000 e 2008, o percentual de resíduos sólidos urbanos dispostos de forma
inadequada (lixões, aterro controlado) passou de 57 para 42% (GARCIA, 2012).
·
Lei
12.305, de agosto de 2010, estabelece a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (GARCIA, 2012).
·
Programa
de Compras Públicas Sustentáveis do Estado de São Paulo vigente desde 2010 e
que estimulou o governo federal a adotar um programa similar em 2012, embora
menos ambicioso.
·
Certo
avanço de greenbuilding em
São Paulo e Rio de Janeiro, ainda incipiente, mas importante
em relação aos padrões globais.
- Mínimo
avanço dos planos setoriais da PNMC. Os planos que já estão em fase
relativamente avançada de implementação e com resultados concretos – Amazônia e
Cerrado – já vinham sendo desenvolvidos antes da aprovação da Lei de Clima.
Parte do plano de agricultura também está em andamento – Plano Agricultura de
Baixo Carbono (ABC) –, embora os produtores ainda não se inclinem a utilizar os
créditos disponíveis. O plano de energia apresenta grandes incertezas,
especialmente em relação ao rumo das hidrelétricas na Amazônia, e o plano de
siderurgia encontra-se ainda em etapa de desenvolvimento. Os outros sete planos
estão numa espécie de limbo, já que são muito difíceis de serem negociados com
os setores, têm grandes obstáculos para sua implementação e não têm o suporte
de atores políticos e societais relevantes.
- Política
industrial inspirada no paradigma clássico de crescimento, com baixa
sensibilidade para questões ambientais.
- Estímulo
ao transporte individual e ao modal rodoviário na política de transportes
(BALASSIANO, 2012; CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE, 2011):
·
aumento
da frota circulante de carros particulares nas cidades (congestionamento,
emissões, poluição sonora, acidentes, tempo de viagem);
·
falta
de política coerente entre municípios de áreas metropolitanas;
·
predomínio
do modal rodoviário para transporte de cargas;
·
infraestrutura
insuficiente e deteriorada;
·
elevada
idade da frota de caminhões e combustíveis com altos níveis de enxofre;
·
baixo
investimento público em infraestrutura nas últimas três décadas (2% em 1970,
0,2% até 2007 e 0,74% até 2010).
·
Subsídio
ao preço da gasolina, tendo como exemplo recente a referida eliminação da CIDE
para derivados do petróleo em junho de 2012.
·
Megacapitalização
da Petrobras tendo em vista a exploração das reservas do Pré-Sal.
·
Abandono
da política de estímulo ao etanol a partir de 2007, acompanhado do esgotamento
dos benefícios do motor flex para a expansão do combustível.
·
Ausência
de políticas de adaptação no contexto de uma cultura de defesa civil precária.
·
Reforma
do Código Florestal.
·
Falta
de elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (RS).
·
Baixa
proporção de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) reciclados (30 %) (GARCIA,
2012).
LIMIAR
2 – CICLO DE NITROGÊNIO E FÓSFORO
Positivo
·
Plano
ABC.
·
Avanço
do Plantio Direto.
Negativo
·
Excesso
de utilização de fertilizantes por ha, que eleva o ritmo da produção agrícola (5 a 4 %). O Brasil é o segundo
consumidor mundial de fertilizantes (DELGADO ASSAD, MARTINS e SILVEIRA PINTO,
2012).
LIMIAR
3 – ACIDIFICAÇÃO DOS OCEANOS
Positivo
·
Iniciativa
brasileira de governança dos oceanos na Rio+20.
Negativo
·
Grande
destruição de manguezais.
LIMIAR
4 - BIODIVERSIDADE
Positivo
·
Redução
do desmatamento na Amazônia.
·
Controle
quase total do desmatamento na Mata Atlântica, avanço do estado de direito no
bioma, com exceção da lei estadual de Santa Catarina (Lei nº 14.675, de 13 de
abril de 2009).
·
Avanço
na criação de áreas de preservação nos últimos 15 anos, especialmente na
Amazônia, embora com problemas de enforcement.
·
Normativa
rígida de tráfico de espécies, embora com sérios problemas de aplicação.
·
Posição
de liderança do Brasil na aprovação do Protocolo de Nagoya, em 2010,
apresentando posições relativamente universalistas no aproveitamento dos
recursos da biodiversidade.
Negativo
·
Desmatamento
remanescente na Amazônia e no Cerrado.
·
Intenso
tráfico de espécies ameaçadas e não ameaçadas.
·
Reforma
do Código Florestal.
·
Concepção
paranoica da biopirataria, com bloqueio a um uso mais racional dos recursos da
biodiversidade por meio da pesquisa científica.
·
Baixo
desenvolvimento tecnológico derivado da biodiversidade, em razão de uma
concepção soberanista e defensiva – que começou a mudar recentemente – na
gestão dos recursos biológicos.
·
Agricultura
transgênica ilegalmente desenvolvida, e posteriormente imposta como fato
consumado, expressão da distância entre norma e realidade. Aproximadamente 25
milhões de hectares estão plantados com transgênicos (DELGADO ASSAD, MARTINS e
SILVEIRA PINTO, 2012).
LIMIAR
5 – ÁGUA DOCE
Positivo
·
Criação
por lei do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.
·
Programa
"Produtor de Água", da ANA, pago por serviços ambientais para
recursos hídricos (RAMOS e FORMIGA-JOHNSSON, 2012).
·
Lei
de Resíduos Sólidos e melhora na disposição final de RSU.
Negativo
·
Implementação
limitada do Plano Nacional de Recursos Hídricos de 2006.
·
Contaminação
por mercúrio das águas da Amazônia, cujo vetor principal é o garimpo.
·
Degradação
de oferta hídrica de qualidade em regiões densamente povoadas, como resultado
de: baixo percentual de esgotos tratados (50%), disposição inadequada de
resíduos sólidos, impermeabilização crescente do solo urbano e comprometimento
de mananciais (LOBATO, 2012).
·
Falta
de elaboração do Plano Nacional de RS, baixa proporção de RSU reciclados (30 %)
(GARCIA, 2012).
·
Deterioração
de águas superficiais por consumo de agrotóxicos (herbicidas, inseticidas e
fungicidas). O Brasil foi o maior consumidor mundial desse tipo de produto em
2008 (DELGADO ASSAD, MARTINS e SILVEIRA PINTO, 2012).
·
Escassez
de água em certas regiões.
·
Impacto
da irrigação para agricultura sobre a oferta de água, já que a atividade
consume 60% do total (DELGADO ASSAD, MARTINS E SILVEIRA PINTO, 2012).
·
Indústria
da seca no semiárido do Nordeste, agregando ineficiência na administração de
recursos e altos níveis de corrupção.
·
Contaminação
e sobre-exploração em algumas zonas do Aquífero Guarani por gestão improvisada.
·
Hidroelétricas
a fio d'água.
·
Impacto
de doenças de veiculação hídrica, vinculado a falta de esgoto e deficientes
condições de higiene.
LIMIAR
6 – MUDANÇAS NO USO DA TERRA
Positivos
·
Redução
do desmatamento na Amazônia.
·
Expansão
do Plantio direto.
·
Aumento
de produtividade da agricultura8
familiar nas últimas duas décadas (SILVEIRA PINTO et al., 2012).
·
Função
modernizadora da Embrapa e das agências estaduais de extensão rural.
·
Avanço
na criação de áreas de preservação nos últimos 15 anos.
·
Carvão
de reflorestamento para indústria siderúrgica.
Negativo
·
Desmatamento
remanescente.
·
Reforma
do Código Florestal.
·
Conversão
não planificada da floresta.
·
Utilização
de mata nativa para produção de carvão vegetal (carvoejamento), geralmente
usado em indústrias periféricas e em condições ambientais e laborais
extremamente precárias.
·
Pouco
reflorestamento e florestamento em terras degradadas.
·
Agrossilvicultura
pouco explorada nas terras convertidas (VALVERDE et al, 2012), oposto do
exemplo do cacau no Estado da Bahia.
·
Excesso
de utilização de agrotóxicos.
·
Urbanização
desordenada, que é pouco importante em termos de disponibilidade de terras, mas
fundamental para a qualidade de vida.
·
Processo
de desertificação no semiárido do Nordeste.
LIMIAR
7 - OZÔNIO
Positivo
·
Atitude
cooperativa no banimento dos clorofluorcarbonos (CFCs).
·
Baixa
economia clandestina de CFCs.
LIMIAR
8 – POLUIÇÃO QUÍMICA
Positivo
·
Aumento
sensível dos controles de contaminação em vários estados, especialmente São
Paulo.
·
Atitude
cooperativa do Brasil na Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes
(POPs).
Negativo
·
Herança
histórica de contaminação com metais pesados. Contaminação massiva por mercúrio
em lugares como a cidade de Rio Branco.
·
Uso
excessivo de químicos na indústria, com padrões sanitários e de segurança pouco
exigentes.
·
Excesso
de utilização de agrotóxicos.
·
Incidência
de doenças cardiorrespiratórias em grandes cidades.
LIMIAR
9 - AEROSSÓIS
Positivo
·
Frota
de carros moderna nas grandes cidades.
·
Melhora
de standards na frota de transporte.
Negativo
·
Avançada
idade da frota de transportes rodoviários (FLEURY, 2012).
·
Baixa
qualidade dos combustíveis, intensivos em enxofre.
·
Baixa
qualidade da infraestrutura de transportes, desequilibrada em favor do modal
rodoviário.
CONCLUSÕES
Para
evitar que as próprias ações como espécie levem a humanidade além do domínio
estável do Holoceno, é preciso criar mecanismos eficientes de governança global
para as fronteiras planetárias. Por enquanto, a humanidade não tem sido capaz
de alinhar seu comportamento com sua capacidade de alterar sistemas biofísicos
críticos e, como consequência, três limiares planetários têm sido
ultrapassados: estabilidade do sistema climático, biodiversidade e ciclo do
nitrogênio. Assim, uma desestabilização abrupta do ambiente global aparece como
um cenário possível. Este argumento, não incomum na literatura ambiental das
últimas décadas, consolida sua relevância nos últimos anos pela acumulação de
provas científicas e pela evidência da aceleração de fenômenos físicos e
sociais.
O
primeiro passo para evitar uma transição catastrófica para o Antropoceno é
iniciar o caminho para um paradigma de desenvolvimento global que garanta um
espaço de operação segura para a humanidade – chamamos a esse modelo de
economia verde de baixo carbono. A EVBC tem como base processos produtivos e de
consumo pouco intensivos em carbono, complementados com uma gestão racional de
outros recursos, como água, terra, biodiversidade, etc.
A
gestão de um espaço de operação segura para a humanidade oferece, no entanto,
grandes desafios. Na medida em que as fronteiras planetárias operam como global
commons, demandam necessariamente respostas cooperativas de parte da
comunidade internacional. Esse tipo de resposta não é incomum na história da
humanidade, mas a escala do esforço demandado e o fato de a crise ser
incremental e com efeitos mais evidentes no longo prazo conspiram contra uma
administração conjunta do problema. Como afirmamos, a humanidade apenas reage a
ameaças imediatas muito tangíveis ou à imoralidade extrema e, em virtude disso,
as instituições sociais estão criadas para funcionar dentro do horizonte do
curto prazo.
O
infeliz resultado da Rio+20 é evidência clara dessa defasagem entre a
aceleração dos problemas da interdependência global e a incapacidade das elites
políticas do mundo para articular respostas eficientes. A Rio+20 é também
expressão de um sistema internacional bloqueado, dominado por forças
soberanistas e conservadoras, reticentes a ceder poder e renunciar a interesses
de curto prazo para contribuir na construção de bens públicos globais
sustentáveis.
No
debate sobre a governança dos limiares planetários, o Brasil aparece como um
agente relevante, uma potência ambiental por seu capital físico: recursos
hídricos, biodiversidade, terras cultiváveis, grande proporção do seu
território ocupado por um ecossistema prístino.
No
entanto, o Brasil avançou pouco na transição para uma EVBC, apesar dessas
enormes possibilidades. O desmatamento remanescente e o ainda intenso e
improvisado processo de conversão das florestas pressionam os limites da água,
uso da terra, biodiversidade e clima. O caótico e declinante estado do setor de
transportes de carga e público, o estímulo ao transporte individual e os
subsídios federais à gasolina têm efeitos negativos sobre o ciclo do carbono, a
poluição química e a liberação de aerossóis na atmosfera. O incentivo oficial à
massiva exploração de petróleo, o desincentivo ao etanol e as dúvidas sobre as
novas hidroelétricas a fio d'água contribuem para agravar a questão climática e
o uso da água. O abuso na utilização de agrotóxicos e fertilizantes contribuem
para a poluição química, emissões de GEE e contaminação das águas superficiais
e subterrâneas. Efeitos similares tem a deficiente gestão da disposição final de
resíduos.
A
evolução da implementação da lei de clima de 2010 é provavelmente o parâmetro
mais claro do estado da agenda da EVBC no Brasil. A normativa foi extremamente
relevante visto que: foi única em seu momento entre os países fora da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); marcou o
ápice da agenda ambiental no Brasil, estimulada pelo sucesso da política de
controle do desmatamento na Amazônia; abrangeu áreas centrais da economia
verde. No entanto, e como vimos, os únicos planos da PNMC que tiveram
resultados tangíveis foram os relativos ao desmatamento, que já estavam
funcionando antes da sanção da lei.
Ademais,
e de forma paradoxal, enquanto a ciência precisa o grau de ameaça antrópica
sobre o sistema terrestre, a nova administração federal comandada por Dilma
Rousseff é provavelmente a menos sensível às questões ambientais em duas
décadas. Como vimos, o modelo de desenvolvimento privilegiado pelo poder
executivo – e com altos níveis de aceitação na sociedade e empresariado local –
é dominado absolutamente pelo pilar do crescimento econômico.
Por
isso, se ao diagnóstico sobre o capital ambiental físico do Brasil incorpora-se
uma avaliação do capital ambiental social, o país aparece como uma potência
ambiental subdesenvolvida, na qual a EVBC é apenas incipiente. O destacável é
que o Brasil tem grandes potencialidades para essa transição de paradigma, e
não deveria esperar consequências negativas relevantes no curto prazo, ao
contrário, se tornaria um país mais sério e avançaria na convergência
estrutural que existe entre o interesse nacional do país e o interesse
universal da humanidade. Mas, para isso, é necessária a superação de certos
vícios da dinâmica sociopolítica que estimulam uma exagerada concentração no
curto prazo e um predomínio dos interesses corporativos particularistas sobre o
bem público global.
Infelizmente,
a brasileira não é a única sociedade contaminada por uma visão limitada do
interesse público e por uma miopia temporal. A maioria dos países opera no
campo conservador, inspirada por uma lógica soberanista que impede qualquer
avanço significativo na governança global das fronteiras planetárias.
REFERÊNCIAS
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