quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A relevância do Direito para a Gestão de Negócios



Blog “Gestão e Negócios Sustentáveis”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.



O PAPEL DO DIREITO NO NOVO MODELO DE GESTÃO EMPRESARIAL SOCIALMENTE RESPONSÁVEL



RESUMO

O cenário mundial, de grande transformação nos últimos anos, tem colocado a urgência de pressupostos éticos e morais nas ações e comportamentos corporativos, cada vez mais publicizados na esfera pública globalizada. Tais mudanças exigem das empresas um compromisso de confiança e de diálogo com seus colaboradores, fornecedores e consumidores. Trata-se da necessidade de alteração paradigmática no âmbito da gestão empresarial, capaz de incorporar as premissas da responsabilidade social. Pretende-se, num primeiro momento, analisar os pressupostos filosóficos que asseguram a possibilidade de uma ética empresarial no âmbito das sociedades complexas contemporâneas, tendo por base a teoria social habermasiana. Num segundo momento, destaca-se o processo de configuração do conceito de responsabilidade social, ainda em construção nos limites da relação dialética entre Estado, mercado e sociedade civil. E, finalmente, enfatiza-se a importância do Direito como elo de integração social, capaz de absorver a tensão entre as racionalidades instrumental e comunicativa e salvaguardar, ainda que de forma mitigada, os conceitos de ética empresarial e responsabilidade social.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente se discute o paradigma de responsabilidade social que as empresas devem adotar em sua atuação, principalmente frente ao entendimento que se tem a respeito de ética empresarial, haja vista as mudanças no modelo de gestão das empresas e especialmente em função do surgimento de reflexões e questionamentos, feitos por parte dos denominados “consumidores-cidadãos” (FABIÃO, 2000, p. 68), sobre o verdadeiro papel das empresas na sociedade.
Para fazer uma análise dessa nova forma de gestão empresarial, é necessário considerar duas premissas básicas: a configuração e vivência do paradigma do Estado Democrático de Direito e a busca do desenvolvimento sócio-econômico, a partir de premissas democráticas. O primeiro, além de determinar normas jurídicas legitimadas por meio do processo democrático, exige do Estado condições para viabilizar a garantia do mínimo existencial, em consonância com os princípios estabelecidos na Constituição Federal, embasados na dignidade da pessoa humana, mediante a participação política na escolha da melhor forma de se alcançar os valores que a sociedade estabeleceu como fundamental para a sua realização.
Nessa esteira, quando da busca da efetivação dos valores sociais, econômicos, políticos e culturais, com o fito de alcançar um patamar de pleno vivenciamento da qualidade de vida, a observância da dignidade humana e a realização da justiça social refletem que o Estado está no caminho do desenvolvimento sócio-econômico.
Tanto as liberdades individuais, quanto os direitos sociais, econômicos, políticos, culturais e outros prestigiados pelo Estado Brasileiro em seu ordenamento jurídico, devem ser implementados por meio de programas, planos, objetivos e políticas públicas.
Neste aspecto, a Constituição Federal traz em seu dispositivo 174 uma maneira de o Estado executar as diretrizes constitucionais por intermédio de suas funções normatizadora, reguladora, incentivadora e planejadora no âmbito da ordem econômica. Mesmo tendo em mira a necessidade de o Estado realizar suas atribuições constitucionais a fim de alcançar o desenvolvimento sócio-econômico, deve-se observar o fato de os Estados nacionais terem ganhado uma nova conformação em razão do processo de globalização, emulado principalmente a partir dos anos 70 do século passado. A globalização traz essa novel configuração à sociedade, transpondo os limites geográficos dos Estados, unificando suas economias, por assim dizer, uma vez que os mercados financeiros tornaram-se interligados numa rede global e o capital passou a circular livremente, descompromissadamente e de maneira acelerada sem se importar com as políticas econômicas de qualquer Estado. Habermas menciona que “hoje são antes os Estados que se acham incorporados aos mercados, e não a economia política às fronteiras estatais” (HABERMAS, 1999, p. 3).
Isso significa ao Estado não apenas a perda de autonomia e capacidade de ação, mas a necessidade de encontrar uma maneira diversa de dar as respostas políticas, econômicas e sociais frente a esse processo mundial de deslocamento das fronteiras nacionais. Destarte, na tentativa de solucionar os contratempos colocados às sociedades contemporâneas, dada a nova configuração global, as teorias neoliberais trouxeram a concepção de minimalização estatal, defendendo a não ingerência do Estado nas relações econômicas, políticas e sociais, pois estas, por si mesmas, por meio da autoregulação, encontrariam a estabilização.
A atenuação da soberania estatal fez surgir organizações tanto de caráter transnacional, formando um cenário propício à discussão do papel do Estado Nacional, quanto de âmbito interno, pressionado os Estados, em função de conjunturas políticas, econômicas e sociais, a compartilharem o poder de decisão com esses atores globais e com organizações internas. Neste aspecto, pode-se dizer que entram as ações empresariais, conquanto o papel do Poder Público de suprir e atender aos interesses da coletividade torna-se cada vez mais difícil de ser implementado. Os Estados, então, assumem um papel de agente regulador das relações econômicas e sociais, porquanto devem garantir o desenvolvimento sócioeconômico, mas não o fazem de maneira exclusiva, senão auxiliados pela sociedade e pelo setor privado.
Juntamente à dificuldade de a estrutura pública dar provimento a todas essas necessidades básicas no contexto social, pode-se dizer que o setor privado, precipuamente as empresas, é chamado à responsabilização, haja vista sua estreita relação com a sociedade no sentido de utilizar os recursos naturais para o desenvolvimento de suas atividades – assim, o meio ambiente é fonte de matéria prima para seus produtos e serviços, porém, também receptáculo dos resíduos resultantes da atividade empresarial –, de empregar indivíduos para possibilitar o processo de produção, de necessitar de consumidores para seus bens e produtos – consumidores esses que sofrem a influência direta desse material, ou seja, bens e serviços que influem na qualidade de vida das pessoas –, enfim, a estreita relação com a sociedade deriva do fato de a atividade empresarial atingir diretamente a vida das pessoas com as externalidades – positivas ou negativas – de sua atuação.
Assim, quando se fala da necessidade de as empresas atuarem com responsabilidade social, deve-se observar qual modelo de atividade empresarial pode se enquadrar no quesito de gestão responsável e ética. Frise-se, ainda, que existe uma indeterminação tanto no atinente ao conceito do que seja responsabilidade social quanto à definição de ética empresarial.
Por isso, destaca-se o mister de se estabelecer alguns parâmetros para balizar a gestão das empresas e proporcionar uma espécie de guia ao Estado, quando da criação de políticas públicas em prol de determinados setores econômicos que o ajudam no afã de alcançar o desenvolvimento sócio-econômico.

1. ÉTICA EMPRESARIAL

Não obstante a visão de alguns autores da área de Administração acerca de ética empresarial seja bastante discrepante do que este trabalho entenderá, ao final, como o mais plausível, sua menção é necessária para demonstrar a indeterminação e como os conceitos tanto de responsabilidade quanto de ética empresarial estão ainda em processo de gestão.
De um lado, tem-se o entendimento de Carlos Nelson dos Reis e Luiz Edgar Medeiros, que vai no sentido de a responsabilidade social ser confundida com função social da empresa, ou seja, com aquilo que a ordem jurídico-econômica constitucional determina como princípios norteadores da atividade econômica. Quando não existe essa confusão entre os conceitos de responsabilidade e de função social, há uma imagem de que a responsabilização tem um caráter altruísta ou filantropo, o que também parece equivocado (MEDEIROS, 2007).
Os autores sobrecitados ainda trazem na obra Responsabilidade social das empresas e balanço social (2007) várias concepções de responsabilidade, tentando formular uma conceituação, a qual posteriormente terá vários patamares ou níveis, cujo ápice da atitude responsável empresarial será a filantropia, entendida como uma forma de ‘restituir à sociedade o que dela foi recebido’ (MEDEIROS, 2007, p. 14-15). A título de exemplo, segue o excerto em que comentam a respeito:

[...] nas definições, tanto acadêmicas quanto do meio empresarial;
[...] a responsabilidade social das empresas é discutida mais pela perspectiva de atendimento a interesses privados e econômicos – muito relacionados à imagem pública da empresa, que precisa ser preservada – do que aos interesses sociais mais amplos e relacionados ao bem-estar da sociedade, enquanto atitude altruísta, embora algumas discussões apontem uma harmonia entre as responsabilidades econômicas e sociais;
[...] (MEDEIROS, 2007, p. 15, grifo nosso).

Por outro lado, consoante o observado na obra Ética e responsabilidade social nas empresas (2005), há o entendimento de que a ética empresarial é guiada por códigos de conduta criados pelas empresas e que direcionam a atuação dos gestores quando de situações concretas que exigem decisões imediatas, éticas, eficientes e eficazes. Além de um manual de como o manager deverá agir em determinados acontecimentos concretos, ainda existem concepções acerca de como promover uma liderança inteligente e pacificadora de conflitos tanto em âmbito interno, quanto entre a empresa e o ethos no qual ela está inserida.
Interessante citar as concepções de uma ética da empresa trazidas por Adela Cortina e Domingo García-Marzá, que tentam inserir ou aproximar a empresa da sociedade e, com isso, tendem a amalgamar as racionalidades comunicativa, instrumental, empresarial e estratégica como se aí estivesse a solução da necessidade de responsabilização social para a atividade empresarial. Para entender como funciona a ética da empresa de acordo com os autores Cortina e García-Marzá deve-se ter como premissa aspectos que caracterizam a teoria social habermasiana.
Habermas elaborou sua obra Teoria da Ação Comunicativa, publicada em 1981, cuja singularidade desponta-se no diagnóstico social do capitalismo tardio, ou seja, na radiografia das sociedades complexas da contemporaneidade que vivem sob o influxo do capital.
A teoria da sociedade habermasiana foi estruturada a partir de Max Weber, louvado pelo diagnóstico do processo de racionalização apontado no advento do capitalismo. Fundamental em Weber é ter ele disponibilizado as condições para se fazer uma leitura da trajetória histórica do desenvolvimento das sociedades por um viés cultural, ao invés de economicista, como havia sido proposto por Marx. Orientado pelo processo weberiano de racionalização, Habermas ocupa-se em analisar a transformação do quadro institucional – entenda-se mundo da vida – na passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas.
Habermas assinala que somente o modo de produção capitalista se impôs como um mecanismo garantidor da expansão permanente dos subsistemas da ação racional teleológica (racionalidade instrumental), o que fatalmente abalaria a superioridade tradicionalista do quadro institucional (racionalidade comunicativa). Aqui, Habermas deixa expressar que o capitalismo foi, na história mundial, o primeiro modo de produção que institucionalizou o crescimento econômico auto-regulado.

[...] Só depois de o modo de produção capitalista ter dotado o sistema econômico de um mecanismo regular, que assegura um crescimento da produtividade não isento sem dúvida de crises, mas contínuo a longo prazo, é que se institucionaliza a introdução de novas tecnologias e de novas estratégias, isto é, institucionaliza-se a inovação enquanto tal. (HABERMAS, 1996, p. 62-63)

A corrosão do quadro institucional (mundo da vida) foi ocasionada pela sua incapacidade de gerenciar, dentro de seus limites legitimatórios, a expansão dos subsistemas de ação racional teleológica, acelerados sobremaneira pela dinâmica evolutiva das forças produtivas. As expansões desses subsistemas aliadas à estruturação de novas formas de produção solaparam as formas tradicionais de organização, fazendo com que tais subsistemas assumissem a direção e o controle social sob a marcha da racionalidade estratégica e instrumental. Os indivíduos foram pressionados a deslocar-se do contexto da interação mediado pelo quadro institucional para assumir o enfoque da ação racional dirigida a fins. A confrontação de interação com racionalidade ligada às relações meio/fim é assinalada por Habermas como ruptura da legitimação da dominação tradicional.
Desse modo, é possível constatar que a superioridade da produção capitalista está fundada em sua capacidade de ampliação e manutenção dos subsistemas – regidos pelo modelo de racionalidade técnico-científico/instrumental – fazendo romper de forma progressiva os limites impostos pelo quadro institucional – plano cultural e religioso.
A sociedade contemporânea é, nesse sentido, vista por Habermas de forma dual, estruturada pelo mundo da vida e pelos subsistemas, cada qual regido por um modelo específico de racionalidade. Tal diferenciação ocorreu no decurso do século XVI como decorrência da desintegração da razão substancial – sedimentada em bases religiosas e metafísicas – e da fragmentação na maneira de pronunciar acerca da verdade, da justiça e do belo. A verdade deixou de ser pressuposto da revelação divina e passou a ser explorada, cada vez mais, pelo caráter experimental, matemático e, sobretudo, técnico da ciência moderna.
Nesse aspecto, Cortina e García-Marzá, tentam em suas análises uma reconfiguração do mundo da vida por meio da criação de espaços públicos institucionalizados para que, mediante o processo comunicativo, as decisões ali acordadas indiquem quais valores morais estão sendo prestigiados por meio do consenso racional legitimado pelo diálogo.
Dentro desta nova configuração, a atividade empresarial não é mais entendida como uma esfera autônoma, isolada do mundo da vida. Existe uma integração da empresa no âmbito do mundo vivido justamente em razão de a empresa cumprir um novo papel, recebendo atribuições sociais em decorrência de sua responsabilização social. A empresa necessita da mão-de-obra – trabalhadores –, recursos naturais – meio ambiente, consumidores – destinatários dessa mercadoria ou serviço – enfim, todo procedimento da atividade empresarial e decisões tem influência na sociedade e, por esse motivo, deve prestar contas e agir segundo o novo ethos da sociedade. Aqui, porém, reside uma das maiores dificuldades que é a conciliação dos distintos modelos de racionalidades que operam na sociedade. Se a empresa tem influência sob a sociedade, a questão é saber até que ponto a sociedade tem influência sobre as decisões empresariais.
Outra dimensão a considerar ainda é o que se refere à colonização do mundo da vida pelas esferas sistêmicas. Como nas sociedades tradicionais não havia a diferenciação entre o sistema e o mundo vivido, conquanto a racionalidade que permeava o ethos da sociedade era o axiológico – baseado na metafísica, religião –, hoje se intenta dirimir a instrumentalização e o sufocamento do mundo da vida pela racionalidade instrumental, buscando revigorar a racionalidade comunicativa e exigindo que as decisões tenham fundamentação racional por meio do discurso. Como a empresa encontra-se inserida no âmago da sociedade, deve vivenciar o mesmo paradigma adotado como base da fundamentação moral do discurso ético. Essa fundamentação ocorre quando os indivíduos, por meio da discussão, validam normas.
O objetivo da empresa, da mesma forma que do Estado, é o desenvolvimento econômico. Não é à toa que as empresas ganham inúmeras atribuições quando do advento dos Estados neoliberais impulsionados pelo processo de globalização. Com a incapacidade de os Estados darem conta de todas as suas tarefas, as empresas, como coresponsáveis pela sociedade, também precisam realizar funções em prol da seara social.
Indo ao encontro do entendimento de Adela Cortina neste aspecto, a empresa deve existir para satisfazer as necessidades humanas e, portanto, tem a atribuição – da mesma forma que o Estado – de perseguir o pleno vivenciamento da qualidade de vida pelas pessoas, a observância da dignidade humana e a realização da justiça social.
Tendo em vista essas premissas, pode-se entender que a ética empresarial deve perseguir todos esses valores e guiar-se pela racionalidade comunicativa quando de sua atuação para programar em dada comunidade aqueles bens e serviços por ela almejados. Todavia, para tanto, é necessária uma mudança paradigmática que não pode ser vislumbrada em curto prazo de tempo.
Uma empresa, mesmo tendo atitudes consideradas moralmente corretas sob a perspectiva da ética empresarial, segundo conceito de autores como Cortina e García- Marzá, estão impregnadas de elementos reconhecidos da racionalidade econômica. O que se verifica é que os valores pertencentes à racionalidade própria ao sistema econômico como rentabilidade ou viabilidade econômica estão presentes, de forma inerente, à concepção de ética empresarial.
Mesmo os autores sobrecitados tentando mostrar que a empresa tem esse viés ético, é interessante notar que a atividade empresarial dá-se de maneira estratégica, buscando a consecução de lucro como conseqüência de suas ações. De maneira ilustrativa, trazemse algumas noções da ética kantiana na tentativa de demarcar a diferença entre dimensão da moralidade e a ação estratégica.
A dimensão motivacional da moral kantiana não pode ser estendida como balizadora das condutas da empresa, conquanto as ações estratégicas empresariais são determinadas pelo resultado (lucro). Da ética do dever (moral kantiana) reconfigurada por Habermas, que resultou na ética discursiva (moral pós-convencional), pode-se apreender como o entendimento moral caminhou no sentido de uma ética que proporcionasse um maior diálogo entre os membros de uma dada comunidade.
Entendia Kant que, para a determinação do moralmente correto, dever-se-ia averiguar se a conduta estava de acordo com determinadas regras do que é certo, independentemente da felicidade proporcionada a um ou a todos. Para proceder essa verificação o indivíduo deveria utilizar-se do imperativo categórico, regra de averiguação subjetiva (interna), levando as pessoas a agirem por dever, não unicamente guiadas por uma norma moral externa.
Na reformulação da moral kantiana pensada por Jürgen Habermas, com a idéia da ética discursiva, visa-se assegurar a formulação de um princípio de reciprocidade generalizado no qual o imperativo categórico é resgatado principalmente no destaque da fórmula reino dos fins.
Leva a interpretação subjetiva ao imperativo categórico, determinando que a “razão prática não pode ser senão comunicativa, se é que se eleva à pretensão de validade universal. Compete aos indivíduos orientar a sua ação em função da comunidade universal dos seres racionais” (GRODIN apud BORGES, 2002, p. 95).
Habermas constrói o entendimento de que no processo de resolução de conflitos morais, o princípio da universalização deve direcionar as condutas, no sentido de o imperativo categórico, erigido como substrato dos meios de comunicação intersubjetiva, determinar o moralmente correto mediante o consenso.
É possível se chegar à resolução de conflitos morais mediante a reformulação do imperativo categórico a partir de uma visão discursiva, fazendo com que a validação de uma norma de ação só ocorra por meio do consenso daqueles que se submeterão a tal regra e a deverão entender como sendo, naquele momento, a melhor para todos. Dessa forma, passará pelo crivo dos envolvidos, tendo a análise de todas as conseqüências passíveis de ocorrerem num diálogo precedente à concordância de todos.
Com as empresas encontrando a necessidade de levar em consideração alguns instrumentos da chamada “ética empresarial” – conforme a visão dos autores acima mencionados – para obtenção de lucro, de utilizarem estratégias para negociações ou acordos, de mesclar tipos diferentes de racionalidade para tentar fundamentar determinadas práticas empresariais, mesmo que mirando a consecução de fins sociais, observa-se, em verdade, que a atividade empresarial navega, grosso modo, na utilização de ações estratégicas.
Quando o agir é determinado em razão de receio por parte das empresas de alguma sanção – punição moral proveniente da sociedade ou sanção jurídica, definida pelo Direito – ou ainda quando a atuação é guiada visando a um benefício qualquer – marketing social –, então a empresa age de acordo com uma ação estratégica, pois uma ação moral – segundo o imperativo categórico de Kant – é determinada pelo dever e não por qualquer outro elemento externo à universalização normativa assegurada pela razão.
Portanto, defende-se que não é possível, com o paradigma de racionalidade instrumental, tão necessário ao desenvolvimento da atividade empresarial, conseguir estabelecer a concepção de uma ética exclusivamente determinada pela racionalidade comunicativa, que leva em conta todas as premissas que se verificaram acima. Deve-se entender que as empresas agem estrategicamente, pois essencialmente existem para buscar o lucro, utilizando, para tanto, mecanismos que potencializem a eficácia e eficiência econômica, atuando apenas secundariamente em consonância com a melhoria do meio social.
Essas atribuições dadas às empresas com o advento do neoliberalismo e impulsionadas pelo processo de globalização fizeram com que os Estados dividissem suas tarefas com as empresas e, desse modo, criou-se uma expectativa, por parte da sociedade, de responsabilização da atividade empresarial. Por essa razão, as empresas estão sob a pressão de reformular seu modo de produção e gestão, sua relação para com a sociedade e, também, com o meio interno produtivo, visando adequar as suas atividades aos reclamos sociais.
Mas isso não quer significar que elas o fazem em razão de um dever moral – conforme o substrato da ética kantiana –, mas sim em função de uma estratégia para permanecer no mercado e ganhar a confiança da sociedade.
Como, na realidade, pode-se apreender que a empresa agora é entendida – pela própria dinâmica social – como membro, como parte, inserta no contexto ético da sociedade, deve a mesma realizar e compartilhar dos valores sociais, tentando demonstrar que existe um envolvimento com os reclamos sociais, a fim de conquistar a confiança dos cidadãos. Contudo, a forma de demonstrar compromisso com a responsabilidade social pode ocorrer unicamente mediante o direito.
De acordo com Habermas:

[...] no nível de fundamentação pós-metafísico, tanto as regras morais como as jurídicas diferenciam-se da eticidade tradicional, colocando-se como dois tipos diferentes de normas de ação, que surgem lado a lado, completando-se. [...] O princípio do direito limita o princípio da moral [...] A partir dessa limitação, a legislação moral reflete-se na jurídica, a moralidade na legalidade, os deveres éticos nos deveres jurídicos, etc. (HABERMAS, 2003, 139-140).

Não se pode esperar que a empresa aja movida por uma ética porquanto receba forte influência da racionalidade instrumental. Entende-se, portanto, que a chamada ética empresarial é, em verdade, uma ação estratégica mitigada, movida pela necessidade de manutenção e sobrevivência no mercado.
Os dois paradigmas trazidos por Cortina e García-Marzá tentam fazer uma aproximação da empresa com a racionalidade comunicativa do mundo da vida, porém, a inserção da empresa no mundo vivido desconfiguraria a atividade empresarial, caracterizada pela instrumentalidade.
Todavia a empresa, em razão da responsabilização social que a sociedade lhe imputa, não pode permanecer na esfera sistêmica, atuando de forma a potencializar a eficácia e eficiência de suas atividades unicamente em função da busca do lucro, sem responder de maneira satisfatória aos reclamos e cobranças sociais.
Por isso, com o mister de cumprimento da responsabilidade social, a solução é criar, mediante normas jurídicas, parâmetros de responsabilização social para que as empresas cumpram. Desta forma, o Direito positivo deverá ser o instrumento de interação entre a sociedade civil e as empresas, criando normas que positivem as condutas empresariais e, ao mesmo tempo, reflitam os valores éticos entendidos como meios de efetivação da responsabilidade social.
A sociedade civil organizada, por meio do diálogo, chegará a um consenso sobre o que as empresas devem fazer e como deverão agir com o fito de serem consideradas socialmente responsáveis e inspiradoras de confiança e credibilidade. As empresas, baseadas no papel que possuem na sociedade, não apenas agirão estrategicamente como meras realizadoras das necessidades humanas, mas também deverão servir de ferramentas para a melhoria da qualidade de vida e como potencializadoras do bemestar social.
Como os paradigmas apresentados sobre uma possível ética empresarial mostram a tentativa de criação de um padrão ético para as empresas, porém mediante a utilização de diversas teorias e justificações muitas vezes incompatíveis, verifica-se que o conceito de responsabilidade social encontra-se ainda em gestão. Não há uma definição pronta e acabada, mas um processo de discussão que ocorre - e deve permanecer vivaz – desde a metade do século passado.

2. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS

A partir da segunda metade do século XX começa paulatinamente nos Estados Unidos, Canadá e na Europa – mais especificamente no Reino Unido – a surgir a concepção de ética dos negócios, baseada na credibilidade que a empresa deveria ter perante a sociedade (CORTINA, 2001, p. 268; PEREIRA, 2006, p. 227). A confiança converte-se novamente em valor empresarial e as empresas são levadas a pensar em resultados mediatos, entendo, outrossim, que suas ações deveriam ser pensadas tendo em vista o futuro e suas decisões passíveis de responsabilização.
Essa discussão resultou na necessidade de se estabelecer um padrão ao qual todas as empresas deveriam enquadrar-se, sob pena de perder competitividade frente ao mercado. Quanto mais próxima dos valores éticos determinados pela sociedade, mais se avizinham os bons resultados, pois, agindo de maneira responsável para adquirirem a confiança do público, geram em contrapartida resultados economicamente rentáveis.
Mas o debate acerca da responsabilidade social das empresas realmente tomou vulto a partir da década de 90, alcançando, também, uma dimensão política, com a promulgação de leis (Estados Unidos), criação de ministérios (Reino Unido) e a publicação do Global Compact (Organização ligada à ONU) e outros códigos éticos para as empresas a fim de incentivar o agir responsável (PEREIRA, 2006, p. 227-228).
Uma das maneiras que as empresas encontram para se adequar e respeitar esses valores sociais é por meio da criação de códigos de conduta e de outros tipos de apanhados normativos contendo a missão da empresa, suas finalidades, objetivos e de que forma ela atua em prol da responsabilidade social. Adela Cortina (2008, p. 49) comenta, conforme verificado na ética das instituições e profissões, que existe a necessidade de produção de códigos de normas ou recomendações que as empresas devem assumir para demonstrar a efetivação desses valores de responsabilização social.
Ainda em concerto com a referida autora, pode-se dizer que a empresa deve ser considerada:

[...] como una instituición socioeconômica que tiene una seria responsabilidad moral con la sociedad, es decir, con los consumidores, accionistas, empleados y proveedores. [...] En efecto, en una época como la nuestra en la que retos como los ecológicos exigen ir más alla de la ética personal del deber y asumir que los colectivos son responsables de las consecuencias de sus acciones, el paso del deber personal a La responsabilidad colectiva, en este caso a la corporativa, está dado (CORTINA, 2008, p. 81, grifo nosso).
Foi ressaltado no excerto acima que a responsabilidade com a empresa tem alguns aspectos, quais sejam: seus deveres para com i) a sociedade civil; ii) consumidores e fornecedores; e iii) seus empregados. A empresa deve funcionar seguindo os parâmetros de responsabilidade no meio interno (empregados), externo (fornecedores e consumidores) e sociedade civil.
Domingo García-Marzá (2008, p. 130) traz a mesma concepção utilizando nomenclatura e classificação diversas, quando comenta que o caráter integrativo da ética verifica-se mediante sua relação com o benefício. A empresa deve potencializar seu caráter dialógico não somente enquanto instituição no seu nível interno, mas também em outros níveis: i) nível sistêmico ou macronível; ii) nível das organizações ou mesonível; iii) nível dos indivíduos ou micronível.
Para desenvolver o macronível ou sua relação com a sociedade civil, a empresa deve definir, de acordo com o diálogo com a sociedade, os “limites do mercado, como troca de equivalentes, papel do Estado na relação entre a justiça e a eficácia, políticas de redistribuição e financeiras etc.”. Em nível das organizações, qual é a relação da atividade empresarial com seus concorrentes, com seus sindicatos, com as organizações dos consumidores, com seus fornecedores e se é possível, dentro do âmbito de sua atividade específica, chegar a consenso com os demais do mesmo grupo sobre os interesses em comum; e, finalmente, no nível dos indivíduos, relacionado à parte interna da empresa, de que forma os empregados participarão das tomadas de decisões ou, como tais decisões estarão embasadas pela validez moral dessas pessoas, que englobam desde os trabalhadores até os acionistas, clientes, dirigentes etc. (GARCÍA-MARZÁ, 2008, p. 130).
Ainda dentro deste último aspecto concernente ao nível interno da empresa, existe a defesa de que, para o atendimento desses reclamos da responsabilidade social, deve-se ter em mira o modelo de empresa pós-taylorista, o qual pretende substituir o princípio da obediência pelo da responsabilidade, dinamizar os recursos criativos dos colaboradores, desenvolver a qualidade de vida no ambiente de trabalho, fomentar a comunicação e a participação de todos. Os dispositivos-chave dessa nova racionalidade empresarial são:

[...] autoridad de animación en vez de autoridad disciplinaria; enriquecimiento de responsabilidades, delegación de poderes y desburocratización; actitud de escucha y diálogo; medidas de redistribuición de beneficios; políticas de formación permanente del personal; manegement participativo y horizontal (CORTINA, 2001, p. 276).

Essas exigências às empresas, como códigos de conduta, normas de qualidade, consumo responsável, proteção ao meio ambiente, aos direitos humanos e estabelecimento de boas relações com o consumidor e sociedade, de modo geral, são feitas mediante normas jurídicas determinadas pela sociedade civil e positivadas pelo Estado.
No ordenamento jurídico não existem normas jurídicas que tragam explicitamente uma definição ou conceito de responsabilidade social e nem mesmo uma espécie de rol de condutas que, ao serem seguidas pela atividade empresarial, podem ser consideradas como socialmente responsáveis. Justamente por isso essa delimitação legal é necessária para estabelecer um parâmetro ao Poder Público e à atuação das empresas.
Existe um balizamento constitucional a respeito da função social das empresas, quando a atividade empresarial age segundo os princípios da ordem jurídico-econômica constitucional estabelecidos no Art. 170 do Texto Maior. A vantagem da instituição de lindes respeitantes à responsabilidade social é evitar que o Poder Executivo conceda incentivos às empresas que agem somente de acordo com a função social.
Especificamente, em cada âmbito empresarial – sociedade, externo e interno – pode-se entender que a responsabilidade social será positivada quando:

i) a empresa mostra à sociedade que utiliza parte de seus recursos em projetos, em ajuda financeira a organizações não-governamentais, na criação de institutos ou fundações para fornecer serviços e bens públicos ou para defender causas sociais, ecológicas, educacionais e quaisquer outras atividades envolvendo os cidadãos.

Analisando a situação sob a ótica do corpo social, observa-se uma descrença na capacidade do aparelho estatal em razão da ineficiência no suprimento de determinados serviços e bens públicos com qualidade. Somando-se a isso, verifica-se a alta lucratividade das grandes empresas e grupos econômicos, levando à cobrança de atitudes que permitam à sociedade comprovar a efetiva gestão responsável e cooperativa da empresa na área social.
Os indivíduos tornarem-se mais reflexivos e conscientes de seu papel e responsabilidade ante os problemas sociais, ambientais e econômicos, foi essencial para que exigissem das empresas a mesma responsabilização, mediante o fornecimento de bens e serviços necessários para suprir o vácuo no cumprimento das atribuições deixado pelo Estado.
“O desafio das empresas que querem ser reconhecidas como socialmente responsáveis é desenvolver mecanismos de interação democrática com seus parceiros estratégicos, tais como as comunidades locais” (FABIÃO, 2000, p. 73). A empresa deve estar em harmonia com determinado meio social, que possui suas peculiaridades e carências. Portanto, a empresa mediante esse processo dialógico com aquela parcela da comunidade vai saber onde aplicar seus recursos de modo a satisfazer as necessidades daquele grupo. Desta forma, além da confiança, a empresa terá a legitimação daquela comunidade, as atitudes não resultarão num marketing social baseado num balanço social forjado e construído apenas sobre propagandas.
É por meio do balanço social que a sociedade saberá como a empresa está – e se está – cumprindo seu papel social. “Os resultados dessas ações, desempenhadas pelas empresas, encontram no Balanço Social o local para sua divulgação e visibilidade à opinião pública em geral” (MEDEIROS, 2007, p. 35).

ii) a empresa se relaciona de maneira correta com seus fornecedores, com as demais empresas que atuam na mesma atividade (concorrentes) e com os consumidores.

Mas esse agir não é simplesmente guiado pelos princípios da livre concorrência, livre iniciativa e respeito aos consumidores conforme a função social determina. É uma atuação que vai além, com a criação de conselhos, projetos e ajuda a organizações que miram à conscientização do consumidor.
Um grupo de empresas e empresários, para conseguir superar esses desafios, criou organizações expressivas cujo desiderato é estabelecer diretrizes, códigos de conduta, estudos, formação de parcerias, enfim, e todos os meios necessários para a construção de procedimentos socialmente responsáveis. Como exemplo mais expressivo, cita-se o
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, organização reconhecida, inclusive internacionalmente, quando se trata do tema em questão. É interessante que o referido instituto crie internamente padrões de conduta considerados por seus membros como éticos e, trazendo espaço para pesquisa, diálogo e ajuda àquelas outras empresas que pretendem rumar por esse caminho da responsabilidade. Existe promoção de cursos, palestras e produção de material visando à conscientização dos empresários e empresas para a responsabilização empresarial, caminho inevitável à atividade empresarial que espera manutenção no mercado e ganho de credibilidade e confiança perante a sociedade.
Outra organização comercial que além de se mobilizar em prol da responsabilidade social das empresas ainda impulsionou e tornou mais visível esse movimento nos Estados Unidos da América foi a Business for Social Responsibility (BSR), composta por mais de mil e duzentas empresas a fim de que houvesse um auxílio e execução de políticas e práticas empresariais que levem ao caminho do desenvolvimento.

iii) a empresa socialmente responsável prima pelo investimento em educação, cursos profissionalizantes e quaisquer outros tipos de atividades que primem por explorar e incentivar ao máximo a capacidade, criatividade e habilidade de seus funcionários.

Da mesma forma como Adela Cortina entende que devem ser os dirigentes empresariais:

[...] El manager es una persona que tiene claros los objetivos que se propone alcanzar y desarrolla una gran habilidad para imaginar y crear medios que le permitan alcanzarlos. Dotado de iniciativa, imaginación y capacidad innovadora, jamás queda anclado en lãs soluciones ya conocidas, sino que, con un prodigiosos instinto de adaptación, imagina posibilidades nuevas, nuevas estratégias (CORTINA, 2008, p. 82).

Devem os dirigentes empresariais saber explorar essas mesmas qualidades em seus empregados. Não apenas os dirigentes devem fazer aflorar essa imaginação, capacidade de inovação e visão estratégica enquanto ocupantes de cargos de hierarquia superior na estrutura empresarial. Mas também que todos os integrantes da empresa tirem o máximo de proveito de suas habilidades, direcionando seu trabalho para melhorar a sua produção e rendimento individual, como, igualmente, melhorar a própria produtividade da atividade empresarial em conjunto. Tudo isso proporcionará, ainda, a realização pessoal dos empregados, o sentimento de que são respeitados por suas funções, co-responsáveis pela atividade da empresa – bem como pelas conseqüências da mesma, e ainda funcionarem como interlocutores válidos dentro e fora da empresa.
Tendo em vista todas essas perspectivas da responsabilidade social, verifica-se outro problema: a falta de indicadores de avaliação das políticas públicas para averiguação de sua eficácia e harmonização às necessidades sociais. Daí, sublinha-se, o mister da positivação de mecanismos legais, como uma lei de responsabilidade social que traga um demonstrativo, uma prestação de contas sobre os gastos sociais realizados para que esse balanço social apresentado seja passível de conferência – transparência – das ações implementadas.
Para que, conforme mencionado, a idéia de responsabilidade social não seja utilizada de forma comercial – no sentido de funcionar apenas como marketing social – e, portanto, dê azo à forjadura de ditas atitudes socialmente responsáveis, quando em verdade o balanço social indique mínima utilização de recursos em gastos sociais e máximo proveito na área de propaganda para tentar conseguir a credibilidade da sociedade.
Outros países e órgãos não-governamentais criaram em âmbito internacional organizações que visam a discutir, estabelecer normas e metas às empresas que primam pelo agir responsável socialmente, no sentido, inclusive, de criar certificações que incentivam aqueles que em suas atividades seguem voluntariamente esses compromissos de desenvolvimento e sustentabilidade.
Um exemplo disso é já mencionada International Organization for Standardization (ISO), uma organização internacional não-governamental cujo escopo é criar uma padronização mundial mediante a elaboração de diretrizes, no caso específico do estudo em tela, de padrões internacionais direcionados à responsabilidade sócio-ambiental das empresas. Em 2001 essa organização sentiu a necessidade de trabalhar com a responsabilidade social e, reunindo pessoas de todos os segmentos sociais, criou a ISO RSE, consistente num documento que contém diretrizes a respeito da definição do conceito de responsabilidade social, direcionando as empresas que tenham boas intenções e desejam bem agir.
Houve, na seara ambiental, em período posterior à Rio-92, quando da discussão concernente a sustentabilidade – assunto diretamente ligado à responsabilidade social – a criação da ISO 14000, que dá orientação à obtenção dos Certificados de Gestão Ambiental, mediante uma série de normas ainda em fase de implantação. As empresas com ISO 14000 têm algumas vantagens como: maior qualidade dos produtos, confiabilidade mercadológica, maior credibilidade nas licitações, melhores oportunidades de negócios, maior competitividade e o menor impacto ambiental possível, o que significa que tal certificação apenas traz benefícios às empresas que a possuem e se sujeitam às exigências dela decorrentes. Como já ficou demonstrado, uma dessas exigências é estar no caminho do desenvolvimento sustentável, garantindo, assim, desenvolvimento sócio-econômico e a preservação do meio ambiente para uma melhor vida agora e a futuras gerações (SANTOS, 1997, p. 101).
No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como representante oficial da ISO no país, editou o Sistema de Gestão da Responsabilidade Social mediante a NBR 16001, validada em 30 de dezembro de 2004, que não é um dispositivo obrigatório e nem confere à empresa uma “certificação” ou qualquer tipo de atestado demonstrando que a empresa é socialmente responsável, mas apenas indica que aqueles que seguirem as diretrizes nela estabelecidas possuem um sistema de gestão de responsabilidade social.
A NBR 16001 deixa claro em seu conteúdo que não é uma norma prescritiva de critérios obrigatórios e que qualquer organização que deseje:

[...] implantar, manter e aprimorar um sistema da gestão de responsabilidade social; assegurar-se de sua conformidade com a legislação aplicável e com sua política da responsabilidade social; apoiar o engajamento efetivo das partes interessadas; demonstrar conformidade com esta Norma ao realizar uma auto-avaliação e emitir autodeclaração da conformidade com esta Norma; buscar confirmação de sua conformidade por partes que possuam interesse na organização; buscar confirmação de sua autodeclaração por uma parte externa à organização; ou buscar certificação do seu sistema da gestão da responsabilidade social por uma organização externa;

[...] pode fazê-lo, independentemente do tipo de serviços e produtos, da natureza e do local onde desempenhas suas atividades.

Além das certificações, códigos de conduta, pactos e diretrizes criados em âmbito internacional, que ajudam a sociedade a discutir sobre o papel da empresa e auxilia o Estado no momento de positivar normas a respeito da responsabilidade social, tem-se na esfera interna a Ordem Econômica e Financeira delineada no Art. 170 da Constituição Federal de 1988, cujos princípios nele constantes trazem exatamente o substrato para se desenvolver a concepção de responsabilidade social. O próprio paradigma do Estado Democrático de Direito faz com que o Estado busque colocar em discussão e procurar formas de efetivar valores e objetivos importantes à sociedade, pois correspondem aos seus anseios de vida plena e harmônica e à busca do desenvolvimento sócio-econômico.

3. O PAPEL DO DIREITO NA IMPLEMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

Existe a necessidade de regulamentação do conceito de responsabilidade social, isto é, de uma lei de responsabilidade social para balizar a atuação das empresas e do Estado, determinando que uma empresa agirá de maneira responsável socialmente – tendo como base, mas indo além do previsto no Art. 170 da Constituição Federal – quando promover qualquer tipo de serviço ou fornecer qualquer tipo de bem direcionado à esfera pública, em benefício da sociedade, visando à promoção e vivenciamento do desenvolvimento sócio-econômico. Essa atuação deve acontecer nas três esferas com as quais a atividade empresarial se relaciona, qual seja: a sociedade, o nível externo (consumidor e fornecedor) e o nível interno (trabalhadores, dirigentes, acionistas).
Em verdade, os serviços e bens públicos que deveriam ser fornecidos pelo Estado cada vez mais são direcionados como atribuições para a atividade empresarial e sociedade civil. Sendo assim, além do mero cumprimento de sua função social – obrigatório em decorrência das prescrições do ordenamento jurídico – a sociedade cobra essa atuação das empresas como parte de sua responsabilidade para com a esfera social.
Existiram algumas propostas de Emendas à Constituição, projetos de lei e propostas de resolução – em curso e, até mesmo, algumas já arquivadas – tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, demonstrando um avanço no pensamento atinente à responsabilidade social, haja vista a recente busca de mudança paradigmática na ética somada ao fato de essa nova concepção começar a ser discutida.
Uma Constituição Federal que prima pela observância dos valores relevantes à vivência do paradigma do Estado Democrático de Direito, precisa do avanço em termos de normatização no sentido de sair do âmbito unicamente da função social, principalmente no atual cenário de globalização, o qual muda o tipo de postura e direcionamento econômico e social a ser adotado pelos Estados. Precisa-se buscar efetivamente o cumprimento e respeito às diretrizes determinadas pela noção do “agir segundo, ao menos, a função social”, mesmo se conhecendo as dificuldades referentes às pressões externas sofridas pelos Estados no mundo globalizado.
Por essa razão, frisou-se a relevância de iniciativas de compreensão global no balizamento da noção de “responsabilidade social” – bem como sua implantação – a fim de incentivar e tentar fazer frente aos problemas e retrocessos que a globalização impõe. A ISO 26000 é o exemplo mais recente e claro da busca de meios para os Estados manterem o nível mínimo (função social) e tentar progressivamente implementar políticas e investimentos que primem pela responsabilidade social.
A recente crise mundial mostrou justamente essa necessidade dos Estados: previsão legal de algumas medidas protecionistas, necessárias para salvaguardar as economias – influenciadoras direta do social – e manterem o equilíbrio mundial, evitando demissões em larga escala, ajudas com recursos estatais a instituições financeiras, organizações mundiais e privadas para financiar e cobrir esses déficits gerados e evitar maiores problemas sociais.
Isso tudo mostra como os Estados devem ter como base uma legislação completa que dê suporte e garanta os compromissos constitucionais como o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades regionais, a consecução da justiça social e outros objetivos, embasados em direitos determinados por uma sociedade civil guiada por uma ética comunicativa, permitindo cobrança e fiscalização tanto do Estado, quanto da sociedade e, inclusive, das empresas.
Para que a atividade empresarial esteja cada vez mais acordada com os objetivos do âmbito social, buscando compartilhar dos mesmos valores éticos, dialogando com a sociedade e tentando conquistar a confiança e credibilidade, que são condições para que efetivamente exista a responsabilidade social, devem ser feitas algumas considerações, concernentes às delimitações normativas que devem criar o conceito de responsabilização social das empresas.
Primeiramente se deve fazer remissão ao conceito de responsabilidade social e quais os aspectos que ela abarca, isto é, a relação que deve a empresa ter com a sociedade civil, com seus consumidores e fornecedores e com seus empregados, acionistas e dirigentes. A responsabilidade social é considerada um patamar acima da função social, portanto, para ser socialmente responsável, a empresa já deverá vivenciar, na sua plenitude, todos os valores e parâmetros constitucionais referentes à função social. Para tanto, é necessária a comprovação na prática, que ocorre mediante os balanços.
Toda a atividade empresarial deve ser registrada e por meio desses documentos ou registros com a comprovação dos lucros, gastos, investimentos, folha de pagamento, tributação e outros dados concernentes à descrição de todo o processo da empresa na sua atuação, tem-se como analisar e classificar uma empresa como ilegal – não cumpre sequer o mínimo previsto na legislação –, legal – função social – e responsável.
A importância dessa discriminação dos gastos nas planilhas das empresas é para evitar o marketing social, quando sumos recursos são direcionados para propagandas enquanto os bens e serviços sociais são relegados a segundo plano.
Entendem Carlos Nelson dos Reis e Luiz Edgar Medeiros que para determinar quais são os gastos realizados na área social, as empresas utilizam-se do já mencionado balanço social que pode ser entendido como um demonstrativo técnico-gerencial utilizado pelas empresas para controlar o conjunto de informações referentes à sua atuação social em relação aos programas no âmbito interno (trabalhadores), às entidades de classe, ao governo (tributação) e à cidadania – que envolve o meio ambiente e obras de infraestrutura em lazer e ecologia –, “bem como permite aos agentes econômicos visualizarem essas informações sociais e relacionarem o desempenho econômico financeiro ao desempenho operacional, ao desenvolvimento econômico e crescimento” (MEDEIROS, 2007, p. 75).
O Balanço Social constitui-se em um instrumento gerencial de identificação de problemas e oportunidades e, conseqüentemente, de apoio à administração, representando a evidência dos investimentos e das influências das organizações na promoção tanto social quanto humana e do meio ambiente (MEDEIROS, 2007, p. 75).
O balanço social desenvolvido pelas empresas para demonstrar o cumprimento da responsabilidade social não traz especificações que condigam com o conceito de responsabilização social entendido neste trabalho. Observa-se que esses registros trazem em seu bojo dados contábeis e controle de funcionários e gastos sociais e ambientais já determinados pelo ordenamento jurídico.
Ao tomar consciência dos problemas sociais, econômicos e ecológicos emulados principalmente com o recrudescimento do processo de globalização, a sociedade começa a pressionar as empresas a atuar em seu favor, a fazê-las agir segundo determinados valores. É certo que alguns Estados, como é o caso do brasileiro, dados princípios já vêm sendo inseridos gradualmente, conforme se verifica na própria ordem jurídico-econômica constitucional, a qual trata sobre a necessidade de, na atuação econômica, se observar a proteção ambiental, a valorização do trabalho humano, o direito do consumidor, entre outros valores.
Existe no cumprimento da função social uma ética mitigada, pois esses valores constitucionais foram fruto de pressões sociais derivados de valores que se tornaram importantes no âmago social em um determinado momento. A questão deposita-se no fato de que, atualmente, a sociedade clama por ações que vão além desse mínimo estabelecido.
Hodiernamente, todas as atribuições derivadas do modelo de Estado Social dificilmente podem ser cumpridas pelo Estado sem a cooperação do setor privado e, até mesmo, da sociedade civil. As próprias forças econômicas, pressionando a política e relativizando a soberania dos Estados, fazem com que este não dê conta de todas as suas atribuições. Mais uma vez se verifica aí uma das razões da responsabilização das empresas por conta de sua atuação.
Por isso, entende-se que mediante uma norma nacional, deveria ser criada uma lei de responsabilidade social direcionada às empresas e ao Poder Público, em que condutas fossem estabelecidas para que as empresas, ao realizá-las, possam se intitular responsáveis, com um novo modelo de gestão empresarial harmonizados aos valores sociais. A responsabilização social, ao contrário da função social, não deve ser obrigatória num primeiro momento, haja vista que em Estados em desenvolvimento como o Brasil, existe a dificuldade, ainda, de se verificar o cumprimento do básico (legislação).
Todavia, malgrado não exista previsão de punições aos empresários que não ajam segundo a responsabilidade social, deve haver disposições explícitas contendo sanções ao administrador público que conceder quaisquer tipos de benefícios a empresas que não se enquadrem no padrão legal estabelecido. Como a responsabilidade social é uma forma de o setor privado cooperar com o Poder Público no fornecimento de bens e serviços públicos importantes à sociedade, não se configurará quebra do princípio da igualdade ou isonomia a concessão de benefícios, haja vista que à implementação de políticas de Estado acordadas pela sociedade mediante um consenso entre os entes federados que desembocará numa norma nacional. Permanece, assim, intacto o federalismo de cooperação vigente no Brasil.
Tendo como parâmetro o cumprimento do prescrito na ordem jurídico-econômica constitucional, a lei de responsabilidade deve seguir os seguintes marcos:

a) frente à sociedade: serão socialmente responsáveis as empresas que promoverem quaisquer tipos de programas de conscientização com relação ao meio ambiente, educação, cultura, esporte, lazer; criação de espaços públicos para que pessoas da comunidade tenham acesso a esses bens que fomentem a criatividade e sirvam ao indivíduo potencializar suas aptidões; desenvolver projetos de proteção ao meio ambiente que envolva, também, a conscientização da população; programas de reciclagem, coleta de materiais para reaproveitamento; fornecer cursos profissionalizantes à comunidade; ajudar financeiramente ou mediante fornecimento de materiais organizações não-governamentais que já desenvolvam trabalhos sociais, culturais, educacionais, artísticos, esportivos, ambientais ou quaisquer outras tarefas que envolvam a positivação de valores constitucionais sociais, econômicos, políticos, culturais e fundamentais aos indivíduos;

b) frente aos consumidores e fornecedores: serão socialmente responsáveis as empresas que promoverem cursos e programas de conscientização dos consumidores; às empresas que se organizam em instituições para discutir, em âmbito nacional e internacional, e desenvolver trabalhos em prol do fomento à concepção de ética dentro da empresa e de que forma podem agir para potencializar e difundir a responsabilidade e ética da empresa na sociedade;

c) frente aos empregados, acionistas e dirigentes: serão socialmente responsáveis as empresas que criarem espaços de lazer, educação, saúde, cultura, arte e outras atividades que potencializem a criatividade, desenvolvimento individual e realização pessoal aos membros da empresa; participação dos trabalhadores na gestão empresarial, nos lucros da empresa; criar um sistema de banco de horas que traz alguns benefícios àqueles funcionários que utilizaram seu tempo em trabalhos voluntários; promoção de palestras, eventos e programas de conscientização e informação sobre os direitos dos trabalhadores;

d) as empresas devem ter todas essas atividades relacionadas à responsabilidade empresarial em balanços sociais, com a demonstração dos valores e especificação dos gastos com cada um dos recursos utilizados em prol do social;

e) os administradores deverão conceder os benefícios unicamente às empresas que comprovarem documentalmente a efetiva prestação desses bens e serviços mediante os balanços sociais;

f) designação de um órgão público destinado à fiscalização dos incentivos concedidos às empresas pelos administradores, a fim de um efetivo controle e possibilidade de punição aos infratores;

Por certo, não há como se elaborar um rol exaustivo de atividades que, ao serem realizadas pelas empresas, sejam consideradas responsáveis socialmente. Porém, não fica vaga a conceituação de responsabilidade social das empresas, pois existe, na Constituição Federal, conforme verificado em item anterior deste trabalho, a especificação de diversos dispositivos que prescrevem a necessidade de implementação dos direitos sociais, econômicos, políticos e culturais para a consecução do desenvolvimento mediante a vivência plena de um Estado Democrático de Direito segundo as metas de desenvolvimento sócio-econômico.
Com os diálogos estabelecidos em espaços públicos institucionalizados, festejando, assim, o processo democrático e legítimo de produção normativa, a própria sociedade civil vai estabelecer quais são os valores mais urgentes de serem executados pelo Estado, com a cooperação das empresas, a fim de se efetivar, de fato, uma gestão empresarial de acordo com a responsabilidade social.

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