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“Gestão e Negócios Sustentáveis”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível
em http://gestaoenegociossustentaveis.blogspot.com
O PAPEL DO DIREITO NO NOVO MODELO DE GESTÃO EMPRESARIAL SOCIALMENTE
RESPONSÁVEL
RESUMO
O cenário mundial, de grande transformação nos últimos anos, tem
colocado a urgência de pressupostos éticos e morais nas ações e comportamentos
corporativos, cada vez mais publicizados na esfera pública globalizada. Tais
mudanças exigem das empresas um compromisso de confiança e de diálogo com seus
colaboradores, fornecedores e consumidores. Trata-se da necessidade de
alteração paradigmática no âmbito da gestão empresarial, capaz de incorporar as
premissas da responsabilidade social. Pretende-se, num primeiro momento,
analisar os pressupostos filosóficos que asseguram a possibilidade de uma ética
empresarial no âmbito das sociedades complexas contemporâneas, tendo por base a
teoria social habermasiana. Num segundo momento, destaca-se o processo de
configuração do conceito de responsabilidade social, ainda em construção nos
limites da relação dialética entre Estado, mercado e sociedade civil. E, finalmente,
enfatiza-se a importância do Direito como elo de integração social, capaz de absorver
a tensão entre as racionalidades instrumental e comunicativa e salvaguardar, ainda
que de forma mitigada, os conceitos de ética empresarial e responsabilidade social.
INTRODUÇÃO
Hodiernamente se discute o paradigma de responsabilidade social
que as empresas devem adotar em sua atuação, principalmente frente ao entendimento que
se tem a respeito de ética empresarial, haja vista as mudanças no modelo de
gestão das empresas e especialmente em função do surgimento de reflexões e
questionamentos, feitos por parte dos denominados “consumidores-cidadãos”
(FABIÃO, 2000, p. 68), sobre o verdadeiro papel das empresas na sociedade.
Para fazer uma análise dessa nova forma de gestão empresarial, é
necessário considerar duas premissas básicas: a configuração e vivência do
paradigma do Estado Democrático de Direito e a busca do desenvolvimento
sócio-econômico, a partir de premissas democráticas. O primeiro, além de
determinar normas jurídicas legitimadas por meio do processo democrático, exige
do Estado condições para viabilizar a garantia do mínimo existencial, em
consonância com os princípios estabelecidos na Constituição Federal, embasados
na dignidade da pessoa humana, mediante a participação política na escolha da
melhor forma de se alcançar os valores que a sociedade estabeleceu como fundamental
para a sua realização.
Nessa esteira, quando da busca da efetivação dos valores sociais,
econômicos, políticos e culturais, com o fito de alcançar um patamar de pleno
vivenciamento da qualidade de vida, a observância da dignidade humana e a
realização da justiça social refletem que o Estado está no caminho do
desenvolvimento sócio-econômico.
Tanto as liberdades individuais, quanto os direitos sociais, econômicos,
políticos, culturais e outros prestigiados pelo Estado Brasileiro em seu
ordenamento jurídico, devem ser implementados por meio de programas, planos,
objetivos e políticas públicas.
Neste aspecto, a Constituição Federal traz em seu dispositivo 174
uma maneira de o Estado executar as diretrizes constitucionais por intermédio
de suas funções normatizadora, reguladora, incentivadora e planejadora no
âmbito da ordem econômica. Mesmo tendo em mira a necessidade de o Estado
realizar suas atribuições constitucionais a fim de alcançar o desenvolvimento
sócio-econômico, deve-se observar o fato de os Estados nacionais terem ganhado
uma nova conformação em razão do processo de globalização, emulado
principalmente a partir dos anos 70 do século passado. A globalização traz
essa novel configuração à sociedade, transpondo os limites geográficos dos
Estados, unificando suas economias, por assim dizer, uma vez que os mercados
financeiros tornaram-se interligados numa rede global e o capital passou a
circular livremente, descompromissadamente e de maneira acelerada sem se importar
com as políticas econômicas de qualquer Estado. Habermas menciona que “hoje são
antes os Estados que se acham incorporados aos mercados, e não a economia política
às fronteiras estatais” (HABERMAS, 1999, p. 3).
Isso significa ao Estado não apenas a perda de autonomia e
capacidade de ação, mas a necessidade de encontrar uma maneira diversa de dar
as respostas políticas, econômicas e sociais frente a esse processo mundial de
deslocamento das fronteiras nacionais. Destarte, na tentativa de solucionar os
contratempos colocados às sociedades contemporâneas, dada a nova configuração
global, as teorias neoliberais trouxeram a concepção de minimalização estatal,
defendendo a não ingerência do Estado nas relações econômicas, políticas e
sociais, pois estas, por si mesmas, por meio da autoregulação, encontrariam a
estabilização.
A atenuação da soberania estatal fez surgir organizações tanto de
caráter transnacional, formando um cenário propício à discussão do papel do
Estado Nacional, quanto de âmbito interno, pressionado os Estados, em função de
conjunturas políticas, econômicas e sociais, a compartilharem o poder de
decisão com esses atores globais e com organizações internas. Neste aspecto,
pode-se dizer que entram as ações empresariais, conquanto o papel do Poder
Público de suprir e atender aos interesses da coletividade torna-se cada vez
mais difícil de ser implementado. Os Estados, então, assumem um papel de agente
regulador das relações econômicas e sociais, porquanto devem garantir o
desenvolvimento sócioeconômico, mas não o fazem de maneira exclusiva, senão
auxiliados pela sociedade e pelo setor privado.
Juntamente à dificuldade de a estrutura pública dar provimento a
todas essas necessidades básicas no contexto social, pode-se dizer que o setor
privado, precipuamente as empresas, é chamado à responsabilização, haja vista
sua estreita relação com a sociedade no sentido de utilizar os recursos
naturais para o desenvolvimento de suas atividades – assim, o meio ambiente é
fonte de matéria prima para seus produtos e serviços, porém, também receptáculo
dos resíduos resultantes da atividade empresarial –, de empregar indivíduos
para possibilitar o processo de produção, de necessitar de consumidores para seus
bens e produtos – consumidores esses que sofrem a influência direta desse
material, ou seja, bens e serviços que influem na qualidade de vida das pessoas
–, enfim, a estreita relação com a sociedade deriva do fato de a atividade
empresarial atingir diretamente a vida das pessoas com as externalidades –
positivas ou negativas – de sua atuação.
Assim, quando se fala da necessidade de as empresas atuarem com
responsabilidade social, deve-se observar qual modelo de atividade empresarial
pode se enquadrar no quesito de gestão responsável e ética. Frise-se, ainda,
que existe uma indeterminação tanto no atinente ao conceito do que seja
responsabilidade social quanto à definição de ética empresarial.
Por isso, destaca-se o mister de se estabelecer alguns parâmetros
para balizar a gestão das empresas e proporcionar uma espécie de guia ao
Estado, quando da criação de políticas públicas em prol de determinados setores
econômicos que o ajudam no afã de alcançar o desenvolvimento sócio-econômico.
1. ÉTICA EMPRESARIAL
Não obstante a visão de alguns autores da área de Administração
acerca de ética empresarial seja bastante discrepante do que este trabalho
entenderá, ao final, como o mais plausível, sua menção é necessária para
demonstrar a indeterminação e como os conceitos tanto de responsabilidade
quanto de ética empresarial estão ainda em processo de gestão.
De um lado, tem-se o entendimento de Carlos Nelson dos Reis e Luiz
Edgar Medeiros, que vai no sentido de a responsabilidade social ser confundida
com função social da empresa, ou seja, com aquilo que a ordem
jurídico-econômica constitucional determina como princípios norteadores da
atividade econômica. Quando não existe essa confusão entre os conceitos de
responsabilidade e de função social, há uma imagem de que a responsabilização
tem um caráter altruísta ou filantropo, o que também parece equivocado
(MEDEIROS, 2007).
Os autores sobrecitados ainda trazem na obra Responsabilidade
social das empresas e balanço social (2007) várias concepções de
responsabilidade, tentando formular uma conceituação, a qual
posteriormente terá vários patamares ou níveis, cujo ápice da atitude
responsável empresarial será a filantropia, entendida como uma forma de ‘restituir
à sociedade o que dela foi recebido’ (MEDEIROS, 2007, p. 14-15). A título de
exemplo, segue o excerto em que comentam a respeito:
[...] nas definições, tanto acadêmicas quanto do meio empresarial;
[...] a responsabilidade social das empresas é discutida mais pela
perspectiva de atendimento a interesses privados e econômicos – muito
relacionados à imagem pública da empresa, que precisa ser preservada – do que
aos interesses sociais mais amplos e relacionados ao bem-estar da sociedade,
enquanto atitude altruísta, embora algumas discussões apontem uma harmonia
entre as responsabilidades econômicas e sociais;
[...] (MEDEIROS, 2007, p. 15, grifo nosso).
Por outro lado, consoante o observado na obra Ética e
responsabilidade social nas empresas (2005), há o entendimento de que a
ética empresarial é guiada por códigos de conduta criados pelas empresas
e que direcionam a atuação dos gestores quando de situações concretas
que exigem decisões imediatas, éticas, eficientes e eficazes. Além de um
manual de como o manager deverá agir em determinados acontecimentos concretos,
ainda existem concepções acerca de como promover uma liderança inteligente
e pacificadora de conflitos tanto em âmbito interno, quanto entre a empresa e
o ethos no qual ela está inserida.
Interessante citar as concepções de uma ética da empresa trazidas
por Adela Cortina e Domingo García-Marzá, que tentam inserir ou aproximar a
empresa da sociedade e, com isso, tendem a amalgamar as racionalidades
comunicativa, instrumental, empresarial e estratégica como se aí estivesse a
solução da necessidade de responsabilização social para a atividade
empresarial. Para entender como funciona a ética da empresa de acordo com os
autores Cortina e García-Marzá deve-se ter como premissa aspectos que
caracterizam a teoria social habermasiana.
Habermas elaborou sua obra Teoria da Ação Comunicativa,
publicada em 1981, cuja singularidade desponta-se no diagnóstico social do
capitalismo tardio, ou seja, na radiografia das sociedades complexas da
contemporaneidade que vivem sob o influxo do capital.
A teoria da sociedade habermasiana foi estruturada a partir de Max
Weber, louvado pelo diagnóstico do processo de racionalização apontado no
advento do capitalismo. Fundamental em Weber é ter ele disponibilizado as
condições para se fazer uma leitura da trajetória histórica do desenvolvimento
das sociedades por um viés cultural, ao invés de economicista, como havia sido
proposto por Marx. Orientado pelo processo weberiano de racionalização,
Habermas ocupa-se em analisar a transformação do quadro institucional –
entenda-se mundo da vida – na passagem das sociedades tradicionais para
as sociedades modernas.
Habermas assinala que somente o modo de produção capitalista se
impôs como um mecanismo garantidor da expansão permanente dos subsistemas da
ação racional teleológica (racionalidade instrumental), o que fatalmente
abalaria a superioridade tradicionalista do quadro institucional (racionalidade
comunicativa). Aqui, Habermas deixa expressar que o capitalismo foi, na
história mundial, o primeiro modo de produção que institucionalizou o
crescimento econômico auto-regulado.
[...] Só depois de o modo de produção capitalista ter dotado o
sistema econômico de um mecanismo regular, que assegura um crescimento da
produtividade não isento sem dúvida de crises, mas contínuo a longo prazo, é
que se institucionaliza a introdução de novas tecnologias e de novas
estratégias, isto é, institucionaliza-se a inovação enquanto tal. (HABERMAS,
1996, p. 62-63)
A corrosão do quadro institucional (mundo da vida) foi
ocasionada pela sua incapacidade de gerenciar, dentro de seus limites
legitimatórios, a expansão dos subsistemas de ação racional teleológica,
acelerados sobremaneira pela dinâmica evolutiva das forças
produtivas. As expansões desses subsistemas aliadas à estruturação de novas
formas de produção solaparam as formas tradicionais de organização, fazendo com
que tais subsistemas assumissem a direção e o controle social sob a marcha da racionalidade
estratégica e instrumental. Os indivíduos foram pressionados a deslocar-se do
contexto da interação mediado pelo quadro institucional para assumir o
enfoque da ação racional dirigida a fins. A confrontação de interação com
racionalidade ligada às relações meio/fim é assinalada por
Habermas como ruptura da legitimação da dominação tradicional.
Desse modo, é possível constatar que a superioridade da produção
capitalista está fundada em sua capacidade de ampliação e manutenção dos
subsistemas – regidos pelo modelo de racionalidade
técnico-científico/instrumental – fazendo romper de forma progressiva os
limites impostos pelo quadro institucional – plano cultural e religioso.
A sociedade contemporânea é, nesse sentido, vista por Habermas de
forma dual, estruturada pelo mundo da vida e pelos subsistemas, cada qual
regido por um modelo específico de racionalidade. Tal diferenciação ocorreu no
decurso do século XVI como decorrência da desintegração da razão substancial –
sedimentada em bases religiosas e metafísicas – e da fragmentação na maneira de
pronunciar acerca da verdade, da justiça e do belo. A verdade deixou de ser
pressuposto da revelação divina e passou a ser explorada, cada vez mais, pelo
caráter experimental, matemático e, sobretudo, técnico da ciência moderna.
Nesse aspecto, Cortina e García-Marzá, tentam em suas análises uma
reconfiguração do mundo da vida por meio da criação de espaços públicos
institucionalizados para que, mediante o processo comunicativo, as decisões ali
acordadas indiquem quais valores morais estão sendo prestigiados por meio do
consenso racional legitimado pelo diálogo.
Dentro desta nova configuração, a atividade empresarial não é mais
entendida como uma esfera autônoma, isolada do mundo da vida. Existe uma
integração da empresa no âmbito do mundo vivido justamente em razão de a
empresa cumprir um novo papel, recebendo atribuições sociais em decorrência de
sua responsabilização social. A empresa necessita da mão-de-obra –
trabalhadores –, recursos naturais – meio ambiente, consumidores –
destinatários dessa mercadoria ou serviço – enfim, todo procedimento da
atividade empresarial e decisões tem influência na sociedade e, por esse
motivo, deve prestar contas e agir segundo o novo ethos da sociedade.
Aqui, porém, reside uma das maiores dificuldades que é a conciliação dos
distintos modelos de racionalidades que operam na sociedade. Se a empresa tem influência
sob a sociedade, a questão é saber até que ponto a sociedade tem influência
sobre as decisões empresariais.
Outra dimensão a considerar ainda é o que se refere à colonização
do mundo da vida pelas esferas sistêmicas. Como nas sociedades tradicionais não
havia a diferenciação entre o sistema e o mundo vivido, conquanto a
racionalidade que permeava o ethos da sociedade era o axiológico –
baseado na metafísica, religião –, hoje se intenta dirimir a instrumentalização
e o sufocamento do mundo da vida pela racionalidade instrumental, buscando
revigorar a racionalidade comunicativa e exigindo que as decisões tenham fundamentação
racional por meio do discurso. Como a empresa encontra-se inserida no âmago da
sociedade, deve vivenciar o mesmo paradigma adotado como base da fundamentação
moral do discurso ético. Essa fundamentação ocorre quando os indivíduos, por
meio da discussão, validam normas.
O objetivo da empresa, da mesma forma que do Estado, é o
desenvolvimento econômico. Não é à toa que as empresas ganham inúmeras
atribuições quando do advento dos Estados neoliberais impulsionados pelo
processo de globalização. Com a incapacidade de os Estados darem conta de todas
as suas tarefas, as empresas, como coresponsáveis pela sociedade, também
precisam realizar funções em prol da seara social.
Indo ao encontro do entendimento de Adela Cortina neste aspecto, a
empresa deve existir para satisfazer as necessidades humanas e, portanto, tem a
atribuição – da mesma forma que o Estado – de perseguir o pleno vivenciamento
da qualidade de vida pelas pessoas, a observância da dignidade humana e a
realização da justiça social.
Tendo em vista essas premissas, pode-se entender que a ética
empresarial deve perseguir todos esses valores e guiar-se pela racionalidade
comunicativa quando de sua atuação para programar em dada comunidade aqueles
bens e serviços por ela almejados. Todavia, para tanto, é necessária uma
mudança paradigmática que não pode ser vislumbrada em curto prazo de tempo.
Uma empresa, mesmo tendo atitudes consideradas moralmente corretas
sob a perspectiva da ética empresarial, segundo conceito de autores como
Cortina e García- Marzá, estão impregnadas de elementos reconhecidos da
racionalidade econômica. O que se verifica é que os valores pertencentes à
racionalidade própria ao sistema econômico como rentabilidade ou viabilidade
econômica estão presentes, de forma inerente, à concepção de ética empresarial.
Mesmo os autores sobrecitados tentando mostrar que a empresa tem
esse viés ético, é interessante notar que a atividade empresarial dá-se de
maneira estratégica, buscando a consecução de lucro como conseqüência de suas
ações. De maneira ilustrativa, trazemse algumas noções da ética kantiana na
tentativa de demarcar a diferença entre dimensão da moralidade e a ação
estratégica.
A dimensão motivacional da moral kantiana não pode ser estendida
como balizadora das condutas da empresa, conquanto as ações estratégicas
empresariais são determinadas pelo resultado (lucro). Da ética do dever (moral
kantiana) reconfigurada por Habermas, que resultou na ética discursiva (moral
pós-convencional), pode-se apreender como o entendimento moral caminhou no
sentido de uma ética que proporcionasse um maior diálogo entre os membros de
uma dada comunidade.
Entendia Kant que, para a determinação do moralmente correto,
dever-se-ia averiguar se a conduta estava de acordo com determinadas regras do
que é certo, independentemente da felicidade proporcionada a um ou a todos.
Para proceder essa verificação o indivíduo deveria utilizar-se do imperativo
categórico, regra de averiguação subjetiva (interna), levando as pessoas a
agirem por dever, não unicamente guiadas por uma norma moral externa.
Na reformulação da moral kantiana pensada por Jürgen Habermas, com
a idéia da ética discursiva, visa-se assegurar a formulação de um princípio de
reciprocidade generalizado no qual o imperativo categórico é resgatado
principalmente no destaque da fórmula reino dos fins.
Leva a interpretação subjetiva ao imperativo categórico,
determinando que a “razão prática não pode ser senão comunicativa, se é que se
eleva à pretensão de validade universal. Compete aos indivíduos orientar a sua
ação em função da comunidade universal dos seres racionais” (GRODIN apud BORGES,
2002, p. 95).
Habermas constrói o entendimento de que no processo de resolução
de conflitos morais, o princípio da universalização deve direcionar as
condutas, no sentido de o imperativo categórico, erigido como substrato dos
meios de comunicação intersubjetiva, determinar o moralmente correto mediante o
consenso.
É possível se chegar à resolução de conflitos morais mediante a
reformulação do imperativo categórico a partir de uma visão discursiva, fazendo
com que a validação de uma norma de ação só ocorra por meio do consenso
daqueles que se submeterão a tal regra e a deverão entender como sendo, naquele
momento, a melhor para todos. Dessa forma, passará pelo crivo dos envolvidos,
tendo a análise de todas as conseqüências passíveis de ocorrerem num diálogo
precedente à concordância de todos.
Com as empresas encontrando a necessidade de levar em consideração
alguns instrumentos da chamada “ética empresarial” – conforme a visão dos
autores acima mencionados – para obtenção de lucro, de utilizarem estratégias
para negociações ou acordos, de mesclar tipos diferentes de racionalidade para
tentar fundamentar determinadas práticas empresariais, mesmo que mirando a
consecução de fins sociais, observa-se, em verdade, que a atividade empresarial
navega, grosso modo, na utilização de ações estratégicas.
Quando o agir é determinado em razão de receio por parte das
empresas de alguma sanção – punição moral proveniente da sociedade ou sanção
jurídica, definida pelo Direito – ou ainda quando a atuação é guiada visando a
um benefício qualquer – marketing social –, então a empresa age de
acordo com uma ação estratégica, pois uma ação moral – segundo o imperativo
categórico de Kant – é determinada pelo dever e não por qualquer outro elemento
externo à universalização normativa assegurada pela razão.
Portanto, defende-se que não é possível, com o paradigma de
racionalidade instrumental, tão necessário ao desenvolvimento da atividade
empresarial, conseguir estabelecer a concepção de uma ética exclusivamente
determinada pela racionalidade comunicativa, que leva em conta todas as
premissas que se verificaram acima. Deve-se entender que as empresas agem
estrategicamente, pois essencialmente existem para buscar o lucro, utilizando,
para tanto, mecanismos que potencializem a eficácia e eficiência econômica,
atuando apenas secundariamente em consonância com a melhoria do meio social.
Essas atribuições dadas às empresas com o advento do
neoliberalismo e impulsionadas pelo processo de globalização fizeram com que os
Estados dividissem suas tarefas com as empresas e, desse modo, criou-se uma
expectativa, por parte da sociedade, de responsabilização da atividade
empresarial. Por essa razão, as empresas estão sob a pressão de reformular seu
modo de produção e gestão, sua relação para com a sociedade e, também, com o
meio interno produtivo, visando adequar as suas atividades aos reclamos
sociais.
Mas isso não quer significar que elas o fazem em razão de um dever
moral – conforme o substrato da ética kantiana –, mas sim em função de uma
estratégia para permanecer no mercado e ganhar a confiança da sociedade.
Como, na realidade, pode-se apreender que a empresa agora é
entendida – pela própria dinâmica social – como membro, como parte, inserta no
contexto ético da sociedade, deve a mesma realizar e compartilhar dos valores
sociais, tentando demonstrar que existe um envolvimento com os reclamos
sociais, a fim de conquistar a confiança dos cidadãos. Contudo, a forma de
demonstrar compromisso com a responsabilidade social pode ocorrer unicamente
mediante o direito.
De acordo com Habermas:
[...] no nível de fundamentação pós-metafísico, tanto as regras
morais como as jurídicas diferenciam-se da eticidade tradicional, colocando-se
como dois tipos diferentes de normas de ação, que surgem lado a lado,
completando-se. [...] O princípio do direito limita o princípio da moral [...]
A partir dessa limitação, a legislação moral reflete-se na jurídica, a
moralidade na legalidade, os deveres éticos nos deveres jurídicos, etc. (HABERMAS,
2003, 139-140).
Não se pode esperar que a empresa aja movida por uma ética porquanto
receba forte influência da racionalidade instrumental. Entende-se, portanto,
que a chamada ética empresarial é, em verdade, uma ação estratégica mitigada,
movida pela necessidade de manutenção e sobrevivência no mercado.
Os dois paradigmas trazidos por Cortina e García-Marzá tentam
fazer uma aproximação da empresa com a racionalidade comunicativa do mundo da
vida, porém, a inserção da empresa no mundo vivido desconfiguraria a atividade
empresarial, caracterizada pela instrumentalidade.
Todavia a empresa, em razão da responsabilização social que a
sociedade lhe imputa, não pode permanecer na esfera sistêmica, atuando de forma
a potencializar a eficácia e eficiência de suas atividades unicamente em função
da busca do lucro, sem responder de maneira satisfatória aos reclamos e
cobranças sociais.
Por isso, com o mister de cumprimento da responsabilidade social,
a solução é criar, mediante normas jurídicas, parâmetros de responsabilização
social para que as empresas cumpram. Desta forma, o Direito positivo deverá ser
o instrumento de interação entre a sociedade civil e as empresas, criando
normas que positivem as condutas empresariais e, ao mesmo tempo, reflitam os
valores éticos entendidos como meios de efetivação da responsabilidade social.
A sociedade civil organizada, por meio do diálogo, chegará a um
consenso sobre o que as empresas devem fazer e como deverão agir com o fito de
serem consideradas socialmente responsáveis e inspiradoras de confiança e
credibilidade. As empresas, baseadas no papel que possuem na sociedade, não
apenas agirão estrategicamente como meras realizadoras das necessidades
humanas, mas também deverão servir de ferramentas para a melhoria da qualidade
de vida e como potencializadoras do bemestar social.
Como os paradigmas apresentados sobre uma possível ética
empresarial mostram a tentativa de criação de um padrão ético para as empresas,
porém mediante a utilização de diversas teorias e justificações muitas vezes
incompatíveis, verifica-se que o conceito de responsabilidade social encontra-se
ainda em gestão. Não há uma definição pronta e acabada, mas um processo de
discussão que ocorre - e deve permanecer vivaz – desde a metade do século
passado.
2. A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS
A partir da segunda metade do século XX começa paulatinamente nos
Estados Unidos, Canadá e na Europa – mais especificamente no Reino Unido – a
surgir a concepção de ética dos negócios, baseada na credibilidade que a
empresa deveria ter perante a sociedade (CORTINA, 2001, p. 268; PEREIRA, 2006,
p. 227). A confiança converte-se novamente em valor empresarial e as empresas
são levadas a pensar em resultados mediatos, entendo, outrossim, que suas ações
deveriam ser pensadas tendo em vista o futuro e suas decisões passíveis de
responsabilização.
Essa discussão resultou na necessidade de se estabelecer um padrão
ao qual todas as empresas deveriam enquadrar-se, sob pena de perder
competitividade frente ao mercado. Quanto mais próxima dos valores éticos
determinados pela sociedade, mais se avizinham os bons resultados, pois, agindo
de maneira responsável para adquirirem a confiança do público, geram em
contrapartida resultados economicamente rentáveis.
Mas o debate acerca da responsabilidade social das empresas
realmente tomou vulto a partir da década de 90, alcançando, também, uma
dimensão política, com a promulgação de leis (Estados Unidos), criação de
ministérios (Reino Unido) e a publicação do Global Compact (Organização
ligada à ONU) e outros códigos éticos para as empresas a fim de incentivar o
agir responsável (PEREIRA, 2006, p. 227-228).
Uma das maneiras que as empresas encontram para se adequar e
respeitar esses valores sociais é por meio da criação de códigos de conduta e
de outros tipos de apanhados normativos contendo a missão da empresa, suas
finalidades, objetivos e de que forma ela atua em prol da responsabilidade
social. Adela Cortina (2008, p. 49) comenta, conforme verificado na ética das
instituições e profissões, que existe a necessidade de produção de códigos de
normas ou recomendações que as empresas devem assumir para demonstrar a
efetivação desses valores de responsabilização social.
Ainda em concerto com a referida autora, pode-se dizer que a
empresa deve ser considerada:
[...] como una instituición socioeconômica que tiene una seria responsabilidad
moral con la sociedad, es decir, con los consumidores, accionistas, empleados y
proveedores. [...] En efecto, en una época como la nuestra en la que retos
como los ecológicos exigen ir más alla de la ética personal del deber y
asumir que los colectivos son responsables de las consecuencias de sus
acciones, el paso del deber personal a La responsabilidad
colectiva, en este caso a la corporativa, está dado (CORTINA, 2008,
p. 81, grifo nosso).
Foi ressaltado no excerto acima que a responsabilidade com a
empresa tem alguns aspectos, quais sejam: seus deveres para com i) a sociedade
civil; ii) consumidores e fornecedores; e iii) seus empregados. A empresa deve
funcionar seguindo os parâmetros de responsabilidade no meio interno
(empregados), externo (fornecedores e consumidores) e sociedade civil.
Domingo García-Marzá (2008, p. 130) traz a mesma concepção
utilizando nomenclatura e classificação diversas, quando comenta que o caráter
integrativo da ética verifica-se mediante sua relação com o benefício. A
empresa deve potencializar seu caráter dialógico não somente enquanto
instituição no seu nível interno, mas também em outros níveis: i) nível
sistêmico ou macronível; ii) nível das organizações ou mesonível; iii) nível
dos indivíduos ou micronível.
Para desenvolver o macronível ou sua relação com a sociedade
civil, a empresa deve definir, de acordo com o diálogo com a sociedade, os
“limites do mercado, como troca de equivalentes, papel do Estado na relação
entre a justiça e a eficácia, políticas de redistribuição e financeiras etc.”.
Em nível das organizações, qual é a relação da atividade empresarial com seus
concorrentes, com seus sindicatos, com as organizações dos consumidores, com
seus fornecedores e se é possível, dentro do âmbito de sua atividade
específica, chegar a consenso com os demais do mesmo grupo sobre os interesses
em comum; e, finalmente, no nível dos indivíduos, relacionado à parte interna da
empresa, de que forma os empregados participarão das tomadas de decisões ou, como
tais decisões estarão embasadas pela validez moral dessas pessoas, que englobam
desde os trabalhadores até os acionistas, clientes, dirigentes etc.
(GARCÍA-MARZÁ, 2008, p. 130).
Ainda dentro deste último aspecto concernente ao nível interno da
empresa, existe a defesa de que, para o atendimento desses reclamos da
responsabilidade social, deve-se ter em mira o modelo de empresa pós-taylorista,
o qual pretende substituir o princípio da obediência pelo da responsabilidade,
dinamizar os recursos criativos dos colaboradores, desenvolver a qualidade de
vida no ambiente de trabalho, fomentar a comunicação e a participação de todos.
Os dispositivos-chave dessa nova racionalidade empresarial são:
[...] autoridad de animación en vez de autoridad disciplinaria;
enriquecimiento de responsabilidades, delegación de poderes y
desburocratización; actitud de escucha y diálogo; medidas de redistribuición de
beneficios; políticas de formación permanente del personal; manegement participativo
y horizontal (CORTINA, 2001, p. 276).
Essas exigências às empresas, como códigos de conduta, normas de
qualidade, consumo responsável, proteção ao meio ambiente, aos direitos humanos
e estabelecimento de boas relações com o consumidor e sociedade, de modo geral,
são feitas mediante normas jurídicas determinadas pela sociedade civil e
positivadas pelo Estado.
No ordenamento jurídico não existem normas jurídicas que tragam
explicitamente uma definição ou conceito de responsabilidade social e nem mesmo
uma espécie de rol de condutas que, ao serem seguidas pela atividade
empresarial, podem ser consideradas como socialmente responsáveis. Justamente
por isso essa delimitação legal é necessária para estabelecer um parâmetro ao
Poder Público e à atuação das empresas.
Existe um balizamento constitucional a respeito da função social
das empresas, quando a atividade empresarial age segundo os princípios da ordem
jurídico-econômica constitucional estabelecidos no Art. 170 do Texto Maior. A
vantagem da instituição de lindes respeitantes à responsabilidade social é evitar
que o Poder Executivo conceda incentivos às empresas que agem somente de acordo
com a função social.
Especificamente, em cada âmbito empresarial – sociedade, externo e
interno – pode-se entender que a responsabilidade social será positivada
quando:
i) a
empresa mostra à sociedade que utiliza parte de seus recursos em projetos, em
ajuda financeira a organizações não-governamentais, na criação de institutos ou
fundações para fornecer serviços e bens públicos ou para defender causas
sociais, ecológicas, educacionais e quaisquer outras atividades envolvendo os
cidadãos.
Analisando a situação sob a ótica do corpo social, observa-se uma
descrença na capacidade do aparelho estatal em razão da ineficiência no
suprimento de determinados serviços e bens públicos com qualidade. Somando-se a
isso, verifica-se a alta lucratividade das grandes empresas e grupos
econômicos, levando à cobrança de atitudes que permitam à sociedade comprovar a
efetiva gestão responsável e cooperativa da empresa na área social.
Os indivíduos tornarem-se mais reflexivos e conscientes de seu
papel e responsabilidade ante os problemas sociais, ambientais e econômicos, foi essencial para
que exigissem das empresas a mesma responsabilização, mediante o fornecimento de
bens e serviços necessários para suprir o vácuo no cumprimento das atribuições deixado
pelo Estado.
“O desafio das empresas que querem ser reconhecidas como
socialmente responsáveis é desenvolver mecanismos de interação democrática com
seus parceiros estratégicos, tais como as comunidades locais” (FABIÃO, 2000, p.
73). A empresa deve estar em harmonia com determinado meio social, que possui
suas peculiaridades e carências. Portanto, a empresa mediante esse processo
dialógico com aquela parcela da comunidade vai saber onde aplicar seus recursos
de modo a satisfazer as necessidades daquele grupo. Desta forma, além da
confiança, a empresa terá a legitimação daquela comunidade, as atitudes não
resultarão num marketing social baseado num balanço social forjado e
construído apenas sobre propagandas.
É por meio do balanço social que a sociedade saberá como a empresa
está – e se está – cumprindo seu papel social. “Os resultados dessas ações,
desempenhadas pelas empresas, encontram no Balanço Social o local para sua
divulgação e visibilidade à opinião pública em geral” (MEDEIROS, 2007, p. 35).
ii)
a empresa se relaciona de maneira correta com seus fornecedores, com as demais empresas
que atuam na mesma atividade (concorrentes) e com os consumidores.
Mas esse agir não é simplesmente guiado pelos princípios da livre
concorrência, livre iniciativa e respeito aos consumidores conforme a função
social determina. É uma atuação que vai além, com a criação de conselhos,
projetos e ajuda a organizações que miram à conscientização do consumidor.
Um grupo de empresas e empresários, para conseguir superar esses
desafios, criou organizações expressivas cujo desiderato é estabelecer
diretrizes, códigos de conduta, estudos, formação de parcerias, enfim, e todos
os meios necessários para a construção de procedimentos socialmente
responsáveis. Como exemplo mais expressivo, cita-se o
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social,
organização reconhecida, inclusive internacionalmente, quando se trata do tema
em questão. É interessante que o referido instituto crie internamente padrões
de conduta considerados por seus membros como éticos e, trazendo espaço para
pesquisa, diálogo e ajuda àquelas outras empresas que pretendem rumar por esse
caminho da responsabilidade. Existe promoção de cursos, palestras e produção de
material visando à conscientização dos empresários e empresas para a
responsabilização empresarial, caminho inevitável à atividade empresarial que
espera manutenção no mercado e ganho de credibilidade e confiança perante a
sociedade.
Outra organização comercial que além de se mobilizar em prol da
responsabilidade social das empresas ainda impulsionou e tornou mais visível
esse movimento nos Estados Unidos da América foi a Business for Social
Responsibility (BSR), composta por mais de mil e duzentas empresas a fim de
que houvesse um auxílio e execução de políticas e práticas empresariais que
levem ao caminho do desenvolvimento.
iii)
a empresa socialmente responsável prima pelo investimento em educação, cursos profissionalizantes
e quaisquer outros tipos de atividades que primem por explorar e incentivar ao
máximo a capacidade, criatividade e habilidade de seus funcionários.
Da mesma forma como Adela Cortina entende que devem ser os
dirigentes empresariais:
[...] El manager es una persona que tiene claros los
objetivos que se propone alcanzar y desarrolla una gran habilidad para imaginar
y crear medios que le permitan alcanzarlos. Dotado de iniciativa, imaginación y
capacidad innovadora, jamás queda anclado en lãs soluciones ya conocidas, sino
que, con un prodigiosos instinto de adaptación, imagina posibilidades nuevas,
nuevas estratégias (CORTINA, 2008, p. 82).
Devem os dirigentes empresariais saber explorar essas mesmas
qualidades em seus empregados. Não apenas os dirigentes devem fazer aflorar
essa imaginação, capacidade de inovação e visão estratégica enquanto ocupantes
de cargos de hierarquia superior na estrutura empresarial. Mas também que todos
os integrantes da empresa tirem o máximo de proveito de suas habilidades,
direcionando seu trabalho para melhorar a sua produção e rendimento individual,
como, igualmente, melhorar a própria produtividade da atividade empresarial em
conjunto. Tudo isso proporcionará, ainda, a realização pessoal dos empregados,
o sentimento de que são respeitados por suas funções, co-responsáveis pela
atividade da empresa – bem como pelas conseqüências da mesma, e ainda funcionarem
como interlocutores válidos dentro e fora da empresa.
Tendo em vista todas essas perspectivas da responsabilidade
social, verifica-se outro problema: a falta de indicadores de avaliação das
políticas públicas para averiguação de sua eficácia e harmonização às
necessidades sociais. Daí, sublinha-se, o mister da positivação de mecanismos
legais, como uma lei de responsabilidade social que traga um demonstrativo, uma
prestação de contas sobre os gastos sociais realizados para que esse balanço
social apresentado seja passível de conferência – transparência – das ações implementadas.
Para que, conforme mencionado, a idéia de responsabilidade social
não seja utilizada de forma comercial – no sentido de funcionar apenas como marketing
social – e, portanto, dê azo à forjadura de ditas atitudes socialmente
responsáveis, quando em verdade o balanço social indique mínima utilização de
recursos em gastos sociais e máximo proveito na área de propaganda para tentar
conseguir a credibilidade da sociedade.
Outros países e órgãos não-governamentais criaram em âmbito
internacional organizações que visam a discutir, estabelecer normas e metas às
empresas que primam pelo agir responsável socialmente, no sentido, inclusive,
de criar certificações que incentivam aqueles que em suas atividades seguem
voluntariamente esses compromissos de desenvolvimento e sustentabilidade.
Um exemplo disso é já mencionada International Organization for
Standardization (ISO), uma organização internacional não-governamental cujo
escopo é criar uma padronização mundial mediante a elaboração de
diretrizes, no caso específico do estudo em tela, de padrões
internacionais direcionados à responsabilidade sócio-ambiental das empresas.
Em 2001 essa organização sentiu a necessidade de trabalhar com a responsabilidade
social e, reunindo pessoas de todos os segmentos sociais, criou a ISO RSE,
consistente num documento que contém diretrizes a respeito da definição do conceito
de responsabilidade social, direcionando as empresas que tenham boas intenções
e desejam bem agir.
Houve, na seara ambiental, em período posterior à Rio-92, quando
da discussão concernente a sustentabilidade – assunto diretamente ligado à
responsabilidade social – a criação da ISO 14000, que dá orientação à obtenção
dos Certificados de Gestão Ambiental, mediante uma série de normas ainda em
fase de implantação. As empresas com ISO 14000 têm algumas vantagens como:
maior qualidade dos produtos, confiabilidade mercadológica, maior credibilidade
nas licitações, melhores oportunidades de negócios, maior competitividade e o
menor impacto ambiental possível, o que significa que tal certificação apenas
traz benefícios às empresas que a possuem e se sujeitam às exigências dela
decorrentes. Como já ficou demonstrado, uma dessas exigências é estar no
caminho do desenvolvimento sustentável, garantindo, assim, desenvolvimento
sócio-econômico e a preservação do meio ambiente para uma melhor vida agora e a
futuras gerações (SANTOS, 1997, p. 101).
No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como
representante oficial da ISO no país, editou o Sistema de Gestão da Responsabilidade Social mediante a NBR 16001, validada em 30 de
dezembro de 2004, que não é um dispositivo
obrigatório e nem confere à empresa uma “certificação” ou qualquer tipo de atestado demonstrando que a empresa é
socialmente responsável, mas apenas
indica que aqueles que seguirem as diretrizes nela estabelecidas possuem
um sistema de gestão de
responsabilidade social.
A NBR 16001 deixa claro em seu conteúdo
que não é uma norma prescritiva de critérios obrigatórios e que qualquer
organização que deseje:
[...] implantar, manter e aprimorar um sistema da gestão de
responsabilidade social; assegurar-se de sua conformidade com a legislação
aplicável e com sua política da responsabilidade social; apoiar o engajamento
efetivo das partes interessadas; demonstrar conformidade com esta Norma ao
realizar uma auto-avaliação e emitir autodeclaração da conformidade com esta
Norma; buscar confirmação de sua conformidade por partes que possuam interesse
na organização; buscar confirmação de sua autodeclaração por uma parte externa
à organização; ou buscar certificação do seu sistema da gestão da
responsabilidade social por uma organização externa;
[...] pode fazê-lo, independentemente do tipo de serviços e
produtos, da natureza e do local onde desempenhas suas atividades.
Além das certificações, códigos de conduta, pactos e diretrizes
criados em âmbito internacional, que ajudam a sociedade a discutir sobre o
papel da empresa e auxilia o Estado no momento de positivar normas a respeito
da responsabilidade social, tem-se na esfera interna a Ordem Econômica e
Financeira delineada no Art. 170 da Constituição Federal de 1988, cujos
princípios nele constantes trazem exatamente o substrato para se desenvolver a
concepção de responsabilidade social. O próprio paradigma do Estado Democrático
de Direito faz com que o Estado busque colocar em discussão e procurar formas
de efetivar valores e objetivos importantes à sociedade, pois correspondem aos
seus anseios de vida plena e harmônica e à busca do desenvolvimento
sócio-econômico.
3. O PAPEL DO DIREITO NA IMPLEMENTAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
Existe a necessidade de regulamentação do conceito de
responsabilidade social, isto é, de uma lei de responsabilidade social para
balizar a atuação das empresas e do Estado, determinando que uma empresa agirá
de maneira responsável socialmente – tendo como base, mas indo além do previsto
no Art. 170 da Constituição Federal – quando promover qualquer tipo de serviço
ou fornecer qualquer tipo de bem direcionado à esfera pública, em benefício da
sociedade, visando à promoção e vivenciamento do desenvolvimento
sócio-econômico. Essa atuação deve acontecer nas três esferas com as quais a
atividade empresarial se relaciona, qual seja: a sociedade, o nível externo (consumidor
e fornecedor) e o nível interno (trabalhadores, dirigentes, acionistas).
Em verdade, os serviços e bens públicos que deveriam ser
fornecidos pelo Estado cada vez mais são direcionados como atribuições para a
atividade empresarial e sociedade civil. Sendo assim, além do mero cumprimento
de sua função social – obrigatório em decorrência das prescrições do
ordenamento jurídico – a sociedade cobra essa atuação das empresas como parte
de sua responsabilidade para com a esfera social.
Existiram algumas propostas de Emendas à Constituição, projetos de
lei e propostas de resolução – em curso e, até mesmo, algumas já arquivadas –
tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal,
demonstrando um avanço no pensamento atinente à responsabilidade social, haja
vista a recente busca de mudança paradigmática na ética somada ao fato de essa
nova concepção começar a ser discutida.
Uma Constituição Federal que prima pela observância dos valores
relevantes à vivência do paradigma do Estado Democrático de Direito, precisa do
avanço em termos de normatização no sentido de sair do âmbito unicamente da
função social, principalmente no atual cenário de globalização, o qual muda o
tipo de postura e direcionamento econômico e social a ser adotado pelos
Estados. Precisa-se buscar efetivamente o cumprimento e respeito às diretrizes
determinadas pela noção do “agir segundo, ao menos, a função social”, mesmo se
conhecendo as dificuldades referentes às pressões externas sofridas pelos
Estados no mundo globalizado.
Por essa razão, frisou-se a relevância de iniciativas de
compreensão global no balizamento da noção de “responsabilidade social” – bem
como sua implantação – a fim de incentivar e tentar fazer frente aos problemas
e retrocessos que a globalização impõe. A ISO 26000 é o exemplo mais recente e
claro da busca de meios para os Estados manterem o nível mínimo (função social)
e tentar progressivamente implementar políticas e investimentos que primem pela
responsabilidade social.
A recente crise mundial mostrou
justamente essa necessidade dos Estados: previsão legal de algumas medidas
protecionistas, necessárias para salvaguardar as economias – influenciadoras
direta do social – e manterem o equilíbrio mundial, evitando demissões em larga
escala, ajudas com recursos estatais a instituições financeiras, organizações mundiais
e privadas para financiar e cobrir esses déficits gerados e evitar maiores problemas
sociais.
Isso tudo mostra como os Estados devem ter como base uma
legislação completa que dê suporte e garanta os compromissos constitucionais
como o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades regionais, a
consecução da justiça social e outros objetivos, embasados em direitos
determinados por uma sociedade civil guiada por uma ética comunicativa,
permitindo cobrança e fiscalização tanto do Estado, quanto da sociedade e,
inclusive, das empresas.
Para que a atividade empresarial esteja cada vez mais acordada com
os objetivos do âmbito social, buscando compartilhar dos mesmos valores éticos,
dialogando com a sociedade e tentando conquistar a confiança e credibilidade,
que são condições para que efetivamente exista a responsabilidade social, devem
ser feitas algumas considerações, concernentes às delimitações normativas que
devem criar o conceito de responsabilização social das empresas.
Primeiramente se deve fazer remissão ao conceito de
responsabilidade social e quais os aspectos que ela abarca, isto é, a relação
que deve a empresa ter com a sociedade civil, com seus consumidores e
fornecedores e com seus empregados, acionistas e dirigentes. A responsabilidade
social é considerada um patamar acima da função social, portanto, para ser
socialmente responsável, a empresa já deverá vivenciar, na sua plenitude, todos
os valores e parâmetros constitucionais referentes à função social. Para tanto,
é necessária a comprovação na prática, que ocorre mediante os balanços.
Toda a atividade empresarial deve ser registrada e por meio desses
documentos ou registros com a comprovação dos lucros, gastos, investimentos,
folha de pagamento, tributação e outros dados concernentes à descrição de todo
o processo da empresa na sua atuação, tem-se como analisar e classificar uma
empresa como ilegal – não cumpre sequer o mínimo previsto na legislação –,
legal – função social – e responsável.
A importância dessa discriminação dos gastos nas planilhas das
empresas é para evitar o marketing social, quando sumos recursos são
direcionados para propagandas enquanto os bens e serviços sociais são relegados
a segundo plano.
Entendem Carlos Nelson dos Reis e Luiz Edgar Medeiros que para
determinar quais são os gastos realizados na área social, as empresas
utilizam-se do já mencionado balanço social que pode ser entendido como um
demonstrativo técnico-gerencial utilizado pelas empresas para controlar o
conjunto de informações referentes à sua atuação social em relação aos
programas no âmbito interno (trabalhadores), às entidades de classe, ao governo
(tributação) e à cidadania – que envolve o meio ambiente e obras de
infraestrutura em lazer e ecologia –, “bem como permite aos agentes econômicos visualizarem
essas informações sociais e relacionarem o desempenho econômico financeiro ao
desempenho operacional, ao desenvolvimento econômico e crescimento” (MEDEIROS,
2007, p. 75).
O Balanço Social constitui-se em um instrumento gerencial de
identificação de problemas e oportunidades e, conseqüentemente, de apoio à
administração, representando a evidência dos investimentos e das influências
das organizações na promoção tanto social quanto humana e do meio ambiente
(MEDEIROS, 2007, p. 75).
O balanço social desenvolvido pelas empresas para demonstrar o
cumprimento da responsabilidade social não traz especificações que condigam com
o conceito de responsabilização social entendido neste trabalho. Observa-se que
esses registros trazem em seu bojo dados contábeis e controle de funcionários e
gastos sociais e ambientais já determinados pelo ordenamento jurídico.
Ao tomar consciência dos problemas sociais, econômicos e
ecológicos emulados principalmente com o recrudescimento do processo de
globalização, a sociedade começa a pressionar as empresas a atuar em seu favor,
a fazê-las agir segundo determinados valores. É certo que alguns Estados, como
é o caso do brasileiro, dados princípios já vêm sendo inseridos gradualmente,
conforme se verifica na própria ordem jurídico-econômica constitucional, a qual
trata sobre a necessidade de, na atuação econômica, se observar a proteção
ambiental, a valorização do trabalho humano, o direito do consumidor, entre
outros valores.
Existe no cumprimento da função social uma ética mitigada, pois
esses valores constitucionais foram fruto de pressões sociais derivados de
valores que se tornaram importantes no âmago social em um determinado momento.
A questão deposita-se no fato de que, atualmente, a sociedade clama por ações
que vão além desse mínimo estabelecido.
Hodiernamente, todas as atribuições derivadas do modelo de Estado
Social dificilmente podem ser cumpridas pelo Estado sem a cooperação do setor
privado e, até mesmo, da sociedade civil. As próprias forças econômicas,
pressionando a política e relativizando a soberania dos Estados, fazem com que
este não dê conta de todas as suas atribuições. Mais uma vez se verifica aí uma
das razões da responsabilização das empresas por conta de sua atuação.
Por isso, entende-se que mediante uma norma nacional, deveria ser
criada uma lei de responsabilidade social direcionada às empresas e ao Poder
Público, em que condutas fossem estabelecidas para que as empresas, ao
realizá-las, possam se intitular responsáveis, com um novo modelo de gestão
empresarial harmonizados aos valores sociais. A responsabilização social, ao
contrário da função social, não deve ser obrigatória num primeiro momento, haja
vista que em Estados em desenvolvimento como o Brasil, existe a dificuldade,
ainda, de se verificar o cumprimento do básico (legislação).
Todavia, malgrado não exista previsão de punições aos empresários
que não ajam segundo a responsabilidade social, deve haver disposições
explícitas contendo sanções ao administrador público que conceder quaisquer
tipos de benefícios a empresas que não se enquadrem no padrão legal
estabelecido. Como a responsabilidade social é uma forma de o setor privado
cooperar com o Poder Público no fornecimento de bens e serviços públicos
importantes à sociedade, não se configurará quebra do princípio da igualdade ou
isonomia a concessão de benefícios, haja vista que à implementação de políticas
de Estado acordadas pela sociedade mediante um consenso entre os entes federados
que desembocará numa norma nacional. Permanece, assim, intacto o federalismo de
cooperação vigente no Brasil.
Tendo como parâmetro o cumprimento do prescrito na ordem
jurídico-econômica constitucional, a lei de responsabilidade deve seguir os
seguintes marcos:
a) frente à sociedade: serão socialmente responsáveis as empresas
que promoverem quaisquer tipos de programas de conscientização com relação ao
meio ambiente, educação, cultura, esporte, lazer; criação de espaços públicos
para que pessoas da comunidade tenham acesso a esses bens que fomentem a
criatividade e sirvam ao indivíduo potencializar suas aptidões; desenvolver
projetos de proteção ao meio ambiente que envolva, também, a conscientização da
população; programas de reciclagem, coleta de materiais para reaproveitamento;
fornecer cursos profissionalizantes à comunidade; ajudar financeiramente ou
mediante fornecimento de materiais organizações não-governamentais que já
desenvolvam trabalhos sociais, culturais, educacionais, artísticos, esportivos,
ambientais ou quaisquer outras tarefas que envolvam a positivação de valores
constitucionais sociais, econômicos, políticos, culturais e fundamentais aos
indivíduos;
b) frente aos consumidores e fornecedores: serão socialmente
responsáveis as empresas que promoverem cursos e programas de conscientização
dos consumidores; às empresas que se organizam em instituições para discutir,
em âmbito nacional e internacional, e desenvolver trabalhos em prol do fomento
à concepção de ética dentro da empresa e de que forma podem agir para
potencializar e difundir a responsabilidade e ética da empresa na sociedade;
c) frente aos empregados, acionistas e dirigentes: serão
socialmente responsáveis as empresas que criarem espaços de lazer, educação,
saúde, cultura, arte e outras atividades que potencializem a criatividade,
desenvolvimento individual e realização pessoal aos membros da empresa;
participação dos trabalhadores na gestão empresarial, nos lucros da empresa;
criar um sistema de banco de horas que traz alguns benefícios àqueles funcionários
que utilizaram seu tempo em trabalhos voluntários; promoção de palestras, eventos
e programas de conscientização e informação sobre os direitos dos trabalhadores;
d) as empresas devem ter todas essas atividades relacionadas à
responsabilidade empresarial em balanços sociais, com a demonstração dos
valores e especificação dos gastos com cada um dos recursos utilizados em prol
do social;
e) os administradores deverão conceder os benefícios unicamente às
empresas que comprovarem documentalmente a efetiva prestação desses bens e
serviços mediante os balanços sociais;
f) designação de um órgão público destinado à fiscalização dos
incentivos concedidos às empresas pelos administradores, a fim de um efetivo
controle e possibilidade de punição aos infratores;
Por certo, não há como se elaborar um rol exaustivo de atividades
que, ao serem realizadas pelas empresas, sejam consideradas responsáveis
socialmente. Porém, não fica vaga a conceituação de responsabilidade social das
empresas, pois existe, na Constituição Federal, conforme verificado em item
anterior deste trabalho, a especificação de diversos dispositivos que
prescrevem a necessidade de implementação dos direitos sociais, econômicos,
políticos e culturais para a consecução do desenvolvimento mediante a vivência
plena de um Estado Democrático de Direito segundo as metas de desenvolvimento
sócio-econômico.
Com os diálogos estabelecidos em espaços públicos
institucionalizados, festejando, assim, o processo democrático e legítimo de
produção normativa, a própria sociedade civil vai estabelecer quais são os
valores mais urgentes de serem executados pelo Estado, com a cooperação das
empresas, a fim de se efetivar, de fato, uma gestão empresarial de acordo com a
responsabilidade social.
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UNITED NATIONS. Disponível em: http://www.un.org
/. Acesso em: 19.08.2008. O “dever” a que se refere não é uma imposição
normativa, mas sim, como se verá no desenrolar deste trabalho, uma necessidade
à qual as empresas se viram obrigadas a cumprir para ganhar a confiança da
sociedade e conseguir, assim, permanecerem competitivas no mercado.
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