Disponível
em http://www.gestaoenegociossustentaveis.blogspot.com.br/
Autoria:
1 - Julia Vaz
Lorenzetti. Mestre em
Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul/PPGA; Engenheira
Sanitarista e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina.
2 - Rosinha
Machado Carrion. Pós-Doutora em Estudos
do Desenvolvimento pela Université
Paris I/IEDES; Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul/PPGA; Professora-Associada da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
RESUMO
De
natureza teórica, este artigo tem por objetivo analisar desafios que se colocam
à consolidação de um sistema de governança ambiental global. Considerando que a
questão ambiental diz respeito a um bem público global, sobrepondo-se, pois,
aos limites estabelecidos pelas fronteiras físicas dos Estados-Nação, é dada
especial ênfase à análise das questões da participação e da fragmentação da
estrutura organizacional do sistema de governança transnacional em vigor
atualmente. Para tal, questiona-se em que medida a estrutura criada sob a égide
da ONU viabiliza a expressão democrática dos diferentes interesses envolvidos.
Após consulta a importantes publicações sobre o tema, a conclusão a qual se
chega, apoiada em Hermet (2005) e Kazancigil (2005), é a de que, para fugir da
tendência à concentração do poder em grupos que defendem interesses
particulares, seria necessário reafirmar a soberania e a legitimidade do campo
político.
INTRODUÇÃO
O
tema governança tem sido objeto de debate no que se refere tanto ao seu
significado, como à amplitude das questões que envolve. As situações apontadas
como de governança indicam a importância da participação dos atores cujos
interesses estejam em questão nos processos de tomada de decisões e de gestão.
Rosenau
e Czempiel (1992) afirmam que governança não é sinônimo de governo. Segundo
eles, a governança seria um fenômeno mais amplo, por envolver, paralelamente,
as instituições governamentais e o comprometimento de atores privados e não
governamentais.
A
problemática ambiental se enquadra como importante temática no âmbito da
governança, se considerarmos o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um
direito humano universal1,
cuja gestão deve, portanto, contemplar a participação de diferentes atores.
Quanto à dimensão transnacional, a questão ambiental desafia as fronteiras e a
soberania dos Estados-Nação, ao exigir o reconhecimento da interdependência
ecológica entre os territórios globais.
Considerado
esse cenário, este artigo, de natureza teórica, tem por objetivo analisar
desafios que se colocam à consolidação de um sistema de governança ambiental
global, com ênfase na análise das questões da participação e da fragmentação da
estrutura organizacional do sistema hoje em vigor, apresentando os atores
envolvidos e os papéis que lhes são atribuídos.
GOVERNANÇA
POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
O
uso do termo "governança" tem origem no mundo empresarial, a partir
do artigo The nature of the firm, publicado em 1937 por Ronald Coase,
mas que não teve grande repercussão até a década de 1970, quando Oliver
Williamson contribuiu para sua redescoberta (MILANI e SOLINÍS, 2002). Apesar da
origem corporativa, o termo vem sendo também utilizado por referência a
questões como democracia, desenvolvimento e globalização, que envolvem uma
pluralidade de atores (ARTURI, 2003; BORGES, 2003; LEFTWICH, 1993; MILANI e
SOLINÍS, 2002). A globalização, além de diminuir as fronteiras econômicas,
afeta, paralelamente, as dimensões ideológicas, sociais e políticas da vida em
sociedade, com consequentes implicações para a gestão.
A
Comissão sobre Governança Global (1996, p. 2), em relatório que aborda a
necessidade de reformas na cooperação internacional, definiu governança como
"a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as
instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns. É um
processo contínuo pelo qual é possível acomodar interesses conflitantes ou
diferentes e realizar ações cooperativas.".
Para
Leca (1996), a governança consiste na gestão a partir de uma pluralidade de
atores, que não são nem públicos nem privados. Rosenau e Czempiel (1992), ao
distinguirem governança de governo, destacam que a governança tem legitimidade
apenas se aceita pela maioria ou, pelo menos, por aqueles diretamente afetados,
enquanto o governo pode operar mesmo diante da oposição.
Apesar
da polissemia que cerca o termo "governança", em um ponto parece
existir consenso: ninguém ousa questionar o direito à participação dos cidadãos
em situações que afetem suas vidas. A participação institui-se como carro-chefe
do discurso político em sociedades balizadas pela ideologia democrática, como
as ocidentais.
Arturi
(2003) ressalta que a globalização econômica e o surgimento de novos atores na
cena internacional - aos quais, por sua importância na negociação dos
processos, Barros (2009) atribui a denominação de "diplomacia civil"
- implicaram o questionamento sobre a qualidade da democracia no mundo
ocidental e apontaram a urgência da criação de um amplo e democrático espaço
público mundial, capaz de incluir também a participação dos atores não
estatais.
Todavia,
Arturi (2003) argumenta ser ingenuidade acreditar que a descentralização e a
participação podem, por si só, trazer soluções para os problemas locais. Seria
necessário levar em conta as particularidades de cada caso, pois a democracia,
por coerência, não pode ser nem única, nem imposta. Ao discutir os desafios
práticos à instalação de um sistema de governança mundial, Arturi (2003) destaca
os riscos decorrentes da falta de legitimidade de muitas associações e ONGs que
se autointitulam representantes de setores sociais, bem como a tendência de
algumas delas se articularem diretamente com instituições internacionais e
grandes empresas, em detrimento de órgãos estatais.
Conforme
Diniz (2003), atualmente, o grande desafio mundial é o da sustentabilidade da
democracia, e para isso importa considerar a dimensão política da reforma do
Estado, o que implica ruptura com seu enclausuramento burocrático e abertura à
participação da sociedade. A autora defende novos estilos de gestão pública, a
partir do fortalecimento das conexões do Estado com a sociedade e instituições
dela representativas, bem como da incorporação de novos mecanismos de accountability.
Lançando
um olhar mais crítico sobre o debate em torno da governança, Arturi (2003)
observa que a ênfase em questões de gestão, sem menção ao papel direto do
Estado, tornou esse conceito conveniente à utilização econômica, a cujos
interesses as dimensões sociais e democráticas estariam condicionadas. Nesse
ponto, ele se aproxima de Hermet, Kazancigil e Prud'Homme (2005) ao analisarem
o futuro do regime democrático sob a égide do termo "governança". De
acordo com Kazancigil (2005, p. 59), "para sair dessa armadilha seria
necessário que o político reafirmasse sua soberania e sua legitimidade face à
supremacia do econômico e reencontrasse sua vocação para a coesão social e a
justiça redistributiva.".
ATORES
DA GOVERNANÇA
Os
processos de globalização alteram profundamente o papel tradicional dos atores
não estatais na cena mundial, ao torná-los mais autônomos (Milani e Solinís,
2002) e interdependentes (Milani, 1999).
Milani
e Solinís (2002) afirmam que as discussões sobre a governança implicam a consideração
de novos atores nas questões mundiais. Nesse sentido, propõem que, em nível
transnacional, os atores não estatais, principalmente as ONGs, assumam lugar
central no espaço público mundial, levantando novas demandas sociais e novas
instâncias de regulação sistêmica. Contudo, reconhecem que faltam, ainda hoje,
as articulações para que o diálogo entre atores ocorra de modo efetivo (por
exemplo, entre as ONGs e os sindicatos).
Hermet
(2002), por sua vez, ressalta a importância do papel do Estado na governança,
ao defender que os imperativos da constituição de um sistema de governança
mundial não devem se sobrepor às prerrogativas do Estado, destacando ainda os
riscos que isso implica para a consolidação do processo democrático, em
particular, para os países periféricos.
Ao
analisar as práticas do Banco Mundial diante das questões da governança e da
participação, Borges (2003) coloca que, ainda que a instituição tenha passado a
aceitar a dependência de seu modelo de desenvolvimento às dinâmicas políticas e
sociais locais, e a incentivar o empowerment da sociedade civil, essas
práticas configuram uma participação discursiva, na medida em que o que deverá
ser feito, assim como os espaços reservados à participação, são pré-definidos
pelo Banco. Paralelamente, o autor aponta ainda que, embora o BM utilize a
retórica do "desenvolvimento apolítico", as reformas que orienta têm
implicações políticas claras, pois revelam uma preferência normativa por
atributos da democracia ocidental (liberal e capitalista) e pela racionalidade
dos princípios de mercado, o que condiciona o termo "governança" aos
objetivos do liberalismo econômico.
Arturi
(2003), por sua vez, acredita que, para instaurar a governança mundial
democrática, seria necessária a precedência do político sobre o econômico na
construção do espaço público mundial. Ele defende, ainda, que a tentativa de
reforço das sociedades civis no cenário internacional não deve ocorrer em
detrimento dos Estados nacionais e das instituições governamentais.
PROBLEMAÁTICA
AMBIENTAL
O
crescente número de questões com implicações transfronteiriças ou globais torna
necessária uma articulação internacional para a condução também de problemas
ambientais (ESTY e IVANOVA, 2005). Abdala (2007) compartilha esse
posicionamento ao argumentar que o reconhecimento da interdependência ecológica
entre os continentes requer ações coletivas nas dimensões socioeconômicas,
políticas e ambientais.
A
base conceitual subjacente aos problemas ambientais é a noção de bem público.
Segundo Kaul, Grunberg e Stern (1999 apud Esty e Ivanova, 2005, p. 217),
bens públicos globais são "bens cujos benefícios transpõem fronteiras,
gerações e grupos populacionais".
Trata-se
de uma problemática que desafia as fronteiras e a soberania dos Estados, pois
para o meio ambiente não existem fronteiras geopolíticas. Essa constatação pode
ser observada a partir da análise de diversos elementos ambientais. O aquífero
Guarani, por exemplo, está presente em quatro países: Brasil, Argentina,
Uruguai e Paraguai. Nas águas superficiais também encontramos exemplos de
compartilhamento de bens ambientais: a bacia hidrográfica do rio Níger, no
continente africano; a bacia do rio Paraguai, na América Latina; e a bacia do
rio Danúbio, na Europa, fluem, cada uma, ao longo de mais de dois países.
A
questão das mudanças climáticas vem sendo amplamente abordada pelos meios de
comunicação e ilustra um importante exemplo do caráter global das questões
ambientais. Os níveis de concentração dos gases do efeito estufa já são
preocupantes, e o aumento da temperatura média do planeta até 2100 pode
culminar em drásticas alterações do ambiente (Intergovernmental Panel on
Climate Change, 2007), como por exemplo: a mudança na dinâmica dos ventos, o
aumento do nível dos mares, a alteração do regime das chuvas e o
desencadeamento de epidemias, entre outros fenômenos (GIDDENS, 2010; MOTTA et
al, 2011).
Motta
et al (2011) destacam que a minimização dos impactos advindos da mudança
do clima requer um esforço global, apesar de não haver consenso sobre como
operacionalizá-lo. Os autores associam esse cenário à "tragédia dos
comuns", termo cunhado em 1968 por Garrett Hardin ao se referir a uma
situação em que a falta de cooperação entre ações individuais culmina numa
situação desastrosa para o coletivo.
O
controle sobre o aumento do buraco da camada de ozônio, por sua vez, é um
exemplo de que a ação conjunta de diversos atores pode prover resultados
positivos. Em 2010, a
comunidade científica constatou que na última década a área média do buraco
permaneceu estabilizada (NOVAES, 2010).
O
caráter global e transfronteiriço do meio ambiente pode levar a conflitos, seja
devido à disputa por recursos, seja devido aos constrangimentos que impõe em
termos tanto das tecnologias produtivas e do uso do solo, como das formas de
consumo adotadas pelos países ricos. Na África, por exemplo, a Etiópia abriga a
nascente do Nilo Azul, enquanto Uganda possui a nascente do Nilo Branco, e
ambos os países desejam utilizar essa situação geográfica para se desenvolver.
O Egito, por sua vez, tem nas águas do rio Nilo mais da metade da fonte de seus
recursos hídricos, e junto com o Sudão - país onde confluem o Nilo Branco e o
Nilo Azul - detém 87% das águas desse manancial (PRIER, 2010; TAGUCHI, 2010). O
conflito entre Israel e Palestina também é permeado por questões ambientais,
pois ambos os territórios utilizam as águas do rio Jordão, que sofre com a
poluição e a escassez, numa disputa que também envolve Síria, Líbano e
Jordânia. (BBC, 2003; ECHEVENGUÁ, 2011; Zecchini, 2009).
Nesse
cenário, urge o debate sobre governança global do meio ambiente.
QUESTÃO
AMBIENTAL NA AGENDA INTERNACIONAL
A
agenda ambiental internacional conta com importantes momentos oficiais,
referentes a conferências internacionais. Esta seção é dedicada à apresentação
destes eventos.
CONFERÊNCIA
DAS NAÇÕES UNIDAS SORE O MEIO AMBIENTE HUMANO
No
fim da década de 1960, a
Suécia e outros países nórdicos propuseram uma conferência internacional sobre
o meio ambiente, que foi realizada em 1968 sob a coordenação da UNESCO. A essa
conferência se seguiu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo, no ano de 1972, que foi responsável por colocar
as questões ambientais na agenda dos países membros da ONU (Karns e Mingst,
2010).
Como
resultado, a conferência de 1972 gerou a Declaração de Estocolmo, documento com
26 princípios que destaca, entre outros aspectos, a importância dos Estados e
organizações internacionais protegerem o meio ambiente (Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, 1972). Paralelamente à Declaração, outro
resultado da conferência foi a criação de um novo programa das Nações Unidas
para coordenar as atividades ambientais e promover a cooperação: o Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente/PNUMA. O slogan "pense globalmente, aja
localmente" tornou-se um símbolo do evento (Karns e Mingst, 2010).
O
debate entre os diferentes atores não se daria, todavia, de modo tranquilo,
pois enquanto os países centrais enfatizavam aspectos como a preservação das
espécies e a necessidade de reduzir a poluição ambiental, os emergentes e
periféricos temiam que a regulamentação ambiental viesse a comprometer seu
crescimento econômico. Durante as reuniões preparatórias para a conferência de
1972, o secretário geral do evento, Maurice Strong, procurou fazer a ponte
entre os interesses em conflito através do estabelecimento de vínculos
conceituais entre desenvolvimento e meio ambiente. Contudo, o aparente consenso
de Estocolmo sobre a integração desses conceitos não teria sido totalmente
aceito, seja pelo Centro, pela periferia, ou ainda pelos países emergentes
(Karns e Mingst, 2010).
O
acirramento da tensão levou a uma Assembleia da ONU, em 1983, para estabelecer
a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Quatro anos depois, a
Comissão apresentou um relatório que instituiu o conceito de desenvolvimeno
sustentável e se tornou conhecido como "Relatório Brundtland ou Nosso
Futuro Comum" (INTERNATIONAL INSTITUTE FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2010).
Neste relatório, a Comissão teve a árdua tarefa de procurar equilibrar as
preocupações ecológicas com o crescimento econômico necessário para reduzir a
pobreza.
CONFERÊNCIA
DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
Após
a Conferência de Estocolmo, vinte anos se passaram até a realização da
Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - também chamada de Cúpula da
Terra e Rio 92 -, na cidade do Rio de Janeiro. Convocada a partir de uma série
de importantes descobertas científicas na década de 1980 - como a do buraco na
camada de ozônio sobre a Antártida, a crescente evidência das alterações
climáticas e os dados acumulados sobre a perda da biodiversidade -, a
conferência marcou um importante momento na tentativa de se chegar a um
consenso capaz de conciliar interesses dos países centrais, periféricos e
semiperiféricos. Como resultados desse evento podem ser citados: a Agenda 21, a Convenção sobre
Diversidade Biológica, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas e a Declaração do Rio de Janeiro. Além disso, devido à articulação
que se estabelecia entre promoção do desenvolvimento e preservação do meio
ambiente, a questão ambiental foi expandida ao Banco Mundial (Karns e Mingst,
2010; INTERNATIONAL INSTITUTE..., 2010).
A
Cúpula da Terra foi de particular importância para as ONGs, enquanto a Agenda
21 estabeleceu que o compromisso e a participação genuína de atores não
estatais são fundamentais para se atingir as metas de desenvolvimento
sustentável. Nesse evento, foram credenciadas grandes ONGs, mas também novos
grupos que possuíam poucas ligações transnacionais anteriores (Karns e Mingst,
2010).
Por
fim, em 1993, como resultado dessa conferência, foi criada no âmbito da ONU a
Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), com as atribuições de incentivar
e acompanhar a implementação da Agenda 21 e da Declaração do Rio de Janeiro (UN
DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS, 2009).
CÚPULA
MUNDIAL SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A
Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 na cidade
de Johannesburgo, teve como objetivo propor ações para acelerar e fortalecer os
princípios debatidos no Rio de Janeiro em 1992, e resultou em dois documentos:
a Declaração de Johannesburgo e o Plano de Implementação (LAGO, 2006; ONU NO
BRASIL, 2012). O Plano reafirma o compromisso com os objetivos da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Também apresenta
metas como reduzir pela metade, até 2015, a proporção de pessoas sem acesso à água
potável no mundo e promover a utilização de energias renováveis (CÚPULA MUNDIAL
SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2002).
Após
duas conferências internacionais cujos resultados pareciam refletir avanços na
governança ambiental global, a Cúpula de Johannesburgo apresentou resultados
decepcionantes. Todavia, se por um lado, os atores reunidos em Joanesbusgo
pareciam motivados pela esperança de conter o crescimento da pobreza e reduzir
a poluição e o desmatamento acelerado na década de 1990, as ONGs não tiveram
autorizaçao para participar plenamente, o que aprofundou a desilusão acerca da
viabilidade do desenvolvimento sustentável (Karns e Mingst, 2010).
CONFERÊNCIA
DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Em
2012, a
cidade do Rio de Janeiro sedia novamente uma conferência internacional
ambiental, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,
também chamada de Rio+20 por ter sido realizada 20 anos após a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92.
O
encontro de 2012 teve o objetivo de renovar o compromisso político com o
desenvolvimento sustentável, e seus temas principais foram: 1) a economia verde
no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; 2) a
estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. Delegações de 188
Estados membros da ONU participaram do evento (RIO+20, 2012). Contudo, o
presidente dos EUA, Barack Obama, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o
primeiro ministro britânico, David Cameron, não estiveram presentes.
Nessa
conferência, o governo brasileiro, com apoio das Nações Unidas, organizou o
espaço "Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável", voltado para a
participação da sociedade civil através da elaboração de recomendações sobre
temas prioritários relativos ao desenvolvimento sustentável, a serem
encaminhadas aos chefes de Estado e de governo presentes no evento (RIO+20,
2012).
Durante
a realização da Rio+20, eventos paralelos aconteceram na cidade do Rio de
Janeiro, como a Cúpula dos Povos e o encontro da rede internacional C40 - Cities
Climate Leadership Group.
A
Cúpula dos Povos – na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental foi organizada por
entidades da sociedade civil que consideraram a proposta oficial da conferência
de enfatizar a economia verde insuficiente para tratar dos problemas
socioambientais enfrentados pela humanidade. As ações da Cúpula foram
organizadas a partir de três eixos principais, que se propunham a: 1) denunciar
as causas estruturais das crises; 2) propor soluções e novos paradigmas dos
povos; e 3) estimular organizações e movimentos sociais a articular processos
de luta pós-Rio+20 (CÚPULA DOS POVOS, 2012).
A
C40, por sua vez, é uma rede global de grandes cidades do mundo - como São
Paulo, Hong Kong e Nova York - que visam adotar medidas para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa e os riscos climáticos. Na Rio+20, prefeitos
integrantes da C40 realizaram um encontro onde foram apresentadas metas de
redução da emissão de gases de efeito estufa (C40, 2012).
O
documento final da conferência, denominado "O Futuro que Queremos",
foi criticado por atores da sociedade civil. Um grupo de ambientalistas,
ativistas e cientistas com atuação de destaque em relação à temática ambiental
protocolou uma carta a chefes de governo e de Estado manifestando insatisfação
com o resultado das negociações e com o documento final da conferência (RADAR
RIO+20, 2012).
ATORES
DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
Esta
seção é dedicada à apresentação de atores da governaça ambiental global. Os
Estados-Nação não serão aqui abordados, dado que sua relevância - quando o
objeto de debate é a governança - já foi referida em seção anterior. Essa opção
não pretende, todavia, subestimar a importância dos Estados, os quais, segundo
Karns e Mingst (2010), se mantêm como atores-chave na governança global.
Entretanto, também de acordo com os autores, para que haja legitimidade nesse
processo, faz-se necessário ampliar o escopo da participação, para assegurar a
representatividade da sociedade civil.
INSTITUIÇÕES
DA ONU
Karns
e Mingst (2010) afirmam que a Organização das Nações Unidas é a peça central da
governança global desde a II Grande Guerra, sendo a única organização
intergovernamental de abrangência e adesão quase universais, cuja agenda inclui
diversas questões relativas à governança. O mesmo é observado quanto à questão
do meio ambiente, levando-se em conta uma série de organizações e programa
existentes no âmbito da ONU, alguns deles apresentados nesta seção.
O
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente foi criado a partir da
Conferência sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, e sua missão é prover
liderança, bem como estimular parcerias visando ao cuidado com o meio ambiente
(UNITED NATIONS ENVIRONMENT..., 2010). A sede do programa foi instalada em Nairóbi,
no Quênia, tornando-se a primeira agência da ONU instalada num país em
desenvolvimento (KARNS e MINGST, 2010).
Com
a finalidade de acompanhar a implantação da Agenda 21, surgiu, a partir da
Conferência Rio-92, a
Comissão para o Desenvolvimento Sustentável (CDS). Essa comissão tem ainda as
atribuições de dar orientação política sobre iniciativas futuras, promover a
discussão e também orientar a formação de parcerias para o desenvolvimento
sustentável entre os diversos atores (KARNS e MINGST, 2010).
Em
termos de iniciativas políticas, a CDS tem assumido um importante papel em
áreas ambientais não gerenciadas por uma convenção específica, como a gestão da
água doce (FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs..., 2007).
Contudo,
a comissão não tem autoridade para obrigar os Estados a agirem e não possui o
comando de seus recursos financeiros. Seus delegados são provenientes dos
ministérios do meio ambiente dos países participantes, que tradicionalmente são
ministérios menos poderosos. Dessa forma, Karns e Mingst (2010) argumentam que
intituições econômicas como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio
teriam maior poder, no que diz respeito às questões ambientais, do que a
própria CDS.
Os
acordos ambientais são instrumentos que auxiliam a resolução de problemáticas
ambientais, e, atualmente, existem mais de quinhentos acordos ambientais
internacionais (FÓRUM BRASILEIRO DE ONGs..., 2007). Cada acordo dispõe de um
secretariado que organiza as conferências das partes, recebe inscrições de
participação e responde pela gestão administrativa.
INSTITUIÇÕES
ECONÔMICAS INTERNACIONAIS
As
instituições econômicas multilaterais, seus mecanismos e políticas, de acordo
com o Fórum Brasileiro de ONGs... (2007), desestabilizaram as estruturas
econômicas de muitos países em desenvolvimento através de condicionalidades
vinculadas a créditos e empréstimos, com o que teriam contribuído para a
degradação ambiental e a exclusão social.
Karns
e Mingst (2010) referem-se à busca do Banco Mundial pela sustentabilidade como
"uma estrada rochosa". Trata-se do maior doador multilateral para o
chamado "desenvolvimento econômico", e, desde 1993, seus empréstimos
para programas ambientais aumentaram, incluindo, por exemplo, programas para
redução da poluição industrial na província de Liaoning, na China. Entretanto,
o comprometimento desta instituição com a sustentabilidade ambiental ainda é
questionável. Weaver (2008 apud Karnst e Mingst, 2010, p. 518) aponta
"incrongruências dos objetivos de desenvolvimento sustentável com a
cultura intelectual e operacional do Banco", e Karns e Mingst (2010)
estendem essa observação à Organização Mundial do Comércio. Também Borges
(2003), conforme já referido, ao analisar a atuação do Banco Mundial diante do
tema governança, apresenta considerações que vão ao encontro da análise de
Weaver (2008).
Segundo
o Fórum Brasileiro de ONGs... (2007), para que instituições econômicas
internacionais adotem políticas que respeitem as diretrizes ambientais da ONU,
é necessário que: a) cada Estado membro da ONU crie
condições de maior internalização dos compromissos dos regimes multilaterais
ambientais; b) sejam fortalecidas de maneira formal e efetiva as condições de
governança na atuação dos diversos organismos e instâncias do sistema ONU,
respaldando-os diante das instituições de Bretton Woods e da Organização
Mundial do Comércio.
FUNDO
GLOBAL PARA O MEIO AMBIENTE
O
Fundo Global para o Meio Ambiente (The Global Environment Facility –
GEF) foi criado como o principal mecanismo internacional de financiamento para
projetos e programas que protejam o meio ambiente em países em desenvolvimento
e em transição. Os
subsídios são concedidos em cinco áreas prioritárias: camada de ozônio, águas
internacionais, biodiversidade, mudanças climáticas e poluentes orgânicos
persistentes (KARNS e MINGST, 2010).
O
Banco Mundial é o principal parceiro na administração do GEF. Entretanto, o
fundo conta com a colaboração de outras instituições, como o PNUMA, que atua na
área de supervisão científica e através do GEF apoia diversos países no cumprimento
das obrigações assumidas em convenções ambientais e na criação de capacidades
para implementá-las (Fórum Brasileiro de ONGs..., 2007).
SETOR
PRIVADO
O
setor privado corresponde a atores cujos interesses econômicos são diretamente
afetados pela regulação ambiental. Historicamente, são vistos como opositores
às políticas ambientais, pois utilizariam sua influência para vetar ou
enfraquecer os regimes ambientais. A partir dos anos 1990, Kofi Annan, então
secretário-geral da ONU, incentivou uma maior cooperação institucional com o
setor privado no processo de reforma da governança ambiental global, de modo
que este pudesse ser visto não mais como um problema adicional, mas sim como um
ator capaz de cooperação e inovação (ANDRADE, 2009).
Para
ter acesso à arena internacional de negociações ambientais, o setor privado
articula-se através de associações empresariais. Sua participação ocorre, por
exemplo, pela elaboração de relatórios e pela cooperação com delegações
nacionais. Entretanto, essa participação não ocorre sem que haja tensões,
principalmente, devido ao questionamento da legitimidade da iniciativa privada
como defensora de interesses coletivos.
Para
transpor esse obstáculo, o setor privado tem procurado apresentar contribuições
através, por exemplo, de inovação tecnológica, como o desenvolvimento de
substitutos para os CFCs – poluentes nocivos à camada de ozônio –, e de
práticas de responsabilidade socioambiental (ANDRADE, 2009).
Carrieri,
Silva e Pimentel (2009), ao pesquisarem o discurso sobre a responsabilidade
socioambiental nas organizações, deduziram que tal responsabilidade já permeia
as organizações e está presente no discurso e na prática da alta direção, dos
gerentes e de boa parte dos técnicos. No entanto, concluíram também que os limites
dessa responsabilidade aparecem na fala de técnicos que se sentem ameaçados
quando tal compromisso interfere em seus objetivos particulares.
SOCIEDADE
CIVIL
A
composição da sociedade civil é bastante diversificada. Compreende desde
pessoas físicas até instituições religiosas e acadêmicas, sem contar os grupos
de interesse específicos, como as ONGs. Para Cohen e Arato (1992), o termo é
geralmente usado para classificar pessoas, instituições e organizações que têm
como meta fomentar ou expressar um objetivo comum mediante ideias, ações e
exigências aos governos.
Gemmill
e Bamidele-Izu (2005) identificaram cinco principais papéis que a sociedade
civil pode desempenhar na governança ambiental global. São eles: 1) coletar,
difundir e analisar informação; 2) fornecer dados para a fixação de agenda e
para os mecanismos de desenvolvimento de políticas; 3) desempenhar funções
operacionais; 4) avaliar as condições do meio ambiente e monitorar o
cumprimento de acordos ambientais; e 5) pleitear justiça ambiental.
A
Conferência Rio-92 foi um marco no reconhecimento das contribuições da
sociedade civil para a governança ambiental. O Princípio 10 da Declaração do
Rio defende que temas ambientais são melhor tratados quando conseguem mobilizar
e levar a uma participação integrada da pluralidade de atores que compõem a
sociedade.
Badie
(2009), através da reconstrução histórica do escopo das relações
internacionais, aponta que de assunto exclusivamente interestatal, elas
passaram a exprimir uma nova forma de integração social internacional, baseada
também nos avanços tecnológicos da comunicação. O autor argumenta que a
presença da "sociedade internacional" na arena das relações
internacionais não seria bem aceita pelos Estados, na medida em que tende a ser
percebida como uma ameaça à soberania nacional. Badie (2009) propõe o termo
"mundialização" em substituição ao termo "globalização", na
medida em que o primeiro traz a propriedade de abrir as sociedades umas às
outras, observando que as ONGs poderiam ser consideradas atores-chave nessas
relações capilarizadas.
Segundo
Gemmill e Bamidele-Izu (2005), no âmbito da governança ambiental, as ONGs são
os atores com maior destaque. Entretanto, os mecanismos formais previstos para
a sua participação, no contexto da ONU, continuam limitados. Os autores
defendem que a participação da sociedade civil deve ocorrer através de uma
estrutura de engajamento mais formalizada e institucional, que requer um
comprometimento significativo de tempo, além de recursos financeiros de
governos e organismos intergovernamentais. Eles propõem a utilização de formas
inovadoras de rede, por meio de coalizões regionais, para ajudar a promover a
inclusão de uma multiplicidade de vozes.
Oliveira
(2012), ao analisar a participação da sociedade civil - ainda na fase de
elaboração dos documentos preparatórios para a Rio+20-, constatou que em
relação à produção dos documentos oficiais, essa participação é desordenada e
pouco efetiva. A autora defende que esse cenário poderia ser modificado a
partir de chamadas por temas específicos e da indicação de setores com
potencial envolvimento com o tema, o que contribuiria para a organização da
sociedade civil em redes.
No
âmbito local, ações da sociedade civil com implicação global e finalidade de
influenciar decisões que perpassam questões ambientais são observadas com
frequência crescente. Em Florianópolis, a comunidade se articulou intensamente
contra a construção de um estaleiro da empresa OSX, que seria o maior
empreendimento privado no estado de Santa Catarina. O local escolhido para a
instalação do estaleiro era a Baía de São Miguel, próximo a três unidades de
conservação. A sociedade civil e o ICMBio – autarquia criada em 2007 e
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente – levantaram uma série de prejuízos
ambientais que a obra causaria. Forçado pelo clamor da opinião pública, o
empresário responsável pelo empreendimento acabou desistindo de estabelecer o
estaleiro naquela localidade.
Há
indicativos de que não somente aspectos técnicos o fizeram mudar de opinião,
mas também o posicionamento contrário de segmentos da sociedade (KAFRUNI,
2010). Por outro lado, é possível observar a carência de recursos e até de
interesse da sociedade civil em participar das decisões acerca do ambiente.
Santana,
Guedes e Villela (2011) investigaram a atuação do poder local em relação a
grandes empreendimentos em Itaguaí (RJ). Constataram baixa participação de
atores locais no desenvolvimento do município, observando no caso específico da
sociedade civil, uma carência de participação popular e de interesse pelo
desenvolvimento sustentável. Os autores apresentaram instrumentos que poderiam
ser utilizados para reverter essa situação, como a Agenda 21 Local, que implica
a participação de atores de diferentes segmentos da sociedade, cuja criação
estava em andamento por iniciativa do poder público.
O
setor judiciário também pode ser apresentado como um ator da sociedade civil na
governança ambiental global. Há iniciativas externas ao contexto formal, como é
o caso do Tribunal Latino-Americano da Água. Trata-se de uma organização
internacional autônoma, de justiça ambiental independente, criada para ajudar a
resolver disputas relacionadas à água, atuando, inicialmente, na América
Latina. O tribunal foi oficialmente constituído em 1998, e desde então tem
realizado audiências, além de outras atividades (TRIBUNAL DEL AGUA, 2009).
ARQUITETURA
DA GOVERNANÇA AMBIENTAL GLOBAL
Ao
se analisar a arquitetura do regime de governança ambiental global, observa-se:
sua fragmentação, a ênfase nas instâncias formais de participação e a carência
de recursos; aspectos esses que são o tema desta seção.
Esty
e Ivanova (2005) pontuam que, se algumas das atuais deficiências poderiam ser
atribuídas a um histórico de questões administrativas e burocráticas, há outras
dimensões do problema que são de natureza mais profunda e estrutural.
Comparado
com outros regimes - como o de saúde e o de comércio, por exemplo -, a
arquitetura para o regime do meio ambiente careceria de articulação e
coerência. Simultaneamente, observa-se que a resolução de problemas ambientais
está dispersa por uma grande quantidade de acordos ambientais internacionais e
suas instituições, e que as atividades de cada área temática são coordenadas a
partir de diferentes locais no mundo, o que traz dificuldades de comunicação e
coordenação.
Ainda
que a fragmentação da estrutura apresente vantagens (como o tratamento mais
próximo das demandas da sociedade civil), por outro lado, dificulta o processo
de coordenação das decisões. Além disso, não raramente demanda trabalho em
dobro, aumenta os custos administrativos para os países-membros e exige um
maior número de reuniões e de relatórios, criando um emaranhado tal, que
dificulta não apenas compreender o processo, mas também dele participar.
Em
detrimento da configuração atual, em que as responsabilidades ambientais estão
distribuídas por diversas instituições, está em debate a criação de uma
instituição única: a Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(ONUMA), vinculada ao sistema ONU, para articular e organizar a abordagem da
temática ambiental. Essa organização teria poderes mais abrangentes e maior
capacidade de exigir cumprimento de medidas ambientais. O Fórum Brasileiro de
ONGs (2007) argumenta que o PNUMA, a organização hoje existente no espaço da
ONU, não tem autoridade executiva nem força política para atuar como órgão
internacional líder na proteção do meio ambiente global.
No
caso do Brasil, por exemplo, onde há um ministério específico para questões
ambientais, pode-se refletir sobre a estrutura centralizada através do caso do
licenciamento ambiental de duas usinas hidrelétricas na bacia do rio Madeira,
localizada no norte do país, na ocasião em que Marina Silva,
então ministra do Meio Ambiente, foi motivo de ironia do presidente da República
ao defender os peixes desse rio. Por outro lado, a especificidade desse
ministério permite um tratamento aprofundado das questões ambientais
brasileiras.
Conforme
Esty e Ivanova (2005), o problema não é a existência de várias organizações com
responsabilidades no campo ambiental, mas sim a ausência de mecanismos
eficientes de coordenação e de troca de informações; portanto, de governança.
Quanto
às instâncias de participação, devido à dificuldade de participar das
instâncias decisórias formais, a sociedade civil acaba criando arenas
paralelas. Como exemplo, apresenta-se o Klimafórum, evento liderado pela
sociedade civil que foi originado na 15ª Conferência das
Partes sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, e manteve-se na 16ª
Conferência, em Cancun, com o objetivo de discutir, paralelamente, temáticas
relacionadas à sustentabilidade e às mudanças climáticas (INSTITUTO MAIS,
2010).
Até
mesmo nas instâncias formais de participação, há diferenças no acesso ao
processo deliberativo. Segundo o Fórum Brasileiro de ONGs (2007), o Fundo
Global para o Meio Ambiente sofre de um déficit de governança interna, pois os
países em desenvolvimento têm participação restrita nas negociações sobre a
reposição de fundos.
O
financiamento do sistema de governança ambiental global apresenta-se, também,
como um desafio à consolidação do processo de governança. O orçamento anual do
PNUMA é menor que o orçamento de grandes ONGs internacionais, como Greenpeace e
WWF (World Wide Fund For Nature ou Fundo Mundial para a Natureza).
Diante
desse cenário, o Fórum Brasileiro de ONGs (2007) recomenda que os países
desenvolvidos promovam transferência de recursos e tecnologia aos países em
desenvolvimento, e que o PNUMA receba financiamento adequado à sua importância.
Além disso, cogita a criação de um novo fundo de financiamento com uma
estrutura inovadora, que contemple mecanismos democráticos de votação e
participação. Por fim, os coordenadores do fórum destacam que especial atenção
deve ser dada ao aprimoramento das condições de governança nos sistemas de
financiamento existentes.
Ao
refletiram sobre os problemas anteriormente referidos, Esty e Ivanova (2005)
recomendam a criação de um mecanismo, ou sistema de governança global do meio
ambiente, calcado nas tecnologias e nas redes da era da informação e que
ofereça respostas aos problemas nacionais e às exigências especiais das
questões transfronteiriças.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
O
debate desenvolvido neste artigo enseja algumas constatações e reflexões.
Inicialmente, observa-se a urgência da construção de decisões relativas à
implantação de um efetivo sistema de governança ambiental global, capaz de
assegurar a participação de atores representativos dos diferentes interesses
envolvidos quando o tema é a proteção do meio ambiente. O debate se estende,
eivado de disputas e de insatisfações, mas o que é mais grave: sem que o
sistema de governança socialmente construído para responder aos desafios
ambientais que ameaçam o planeta se demonstre capaz de atender, seja à urgência
da situação, seja ao clamor da sociedade por uma efetiva participação. O que
nos leva a questionar se Hermet (2005, p. 35) não teria razão ao associar o
termo "governança" à imagem de um processo "de organizações, por
organizações e para as organizações - sejam elas públicas ou privadas,
empresariais ou associativas, com ou sem fins lucrativos" -, o qual
assumiria as características "de um jogo, progressivamente codificado e no
interior do qual as autoridades públicas clássicas têm cada vez mais
dificuldade para fazer valer seus recursos específicos".
Por
outro lado, compartilhamos a crença no slogan da conferência de Estocolmo, que
coloca ser fundamental agir localmente para vislumbrar benefícios globais. Isso
implica também criar espaço no âmbito das decisões globais para que sejam
consideradas as especificidades locais, inclusive, no que se refere às formas
de participação. Como aponta Fernandes (1994), com base na análise da sociedade
brasileira, ao limitar-se a participação apenas aos atores formalmente
organizados em instituições, corre-se o risco de desconsiderar parcelas
especialmente significativas da sociedade.
Caberia,
pois, rever os atributos exigidos como condição ao direito de participar dos
fóruns internacionais, de modo a tornar possível também a participação de novos
movimentos sociais.
Postulamos
que maior dedicação acadêmica deve ser direcionada às contribuições das
instâncias informais, na medida em que tais espaços têm apresentado vigor
ímpar, principalmente, através das configurações sociais em rede.
Quanto
à participação do setor privado na governança ambiental, atenção especial deve
ser dada à análise da legitimidade das intenções desses atores. Não podemos
esquecer que a referência à "responsabilidade social", não raramente,
oculta interesses meramente mercadológicos.
Já
no que se refere às propostas aventadas para superar-se o problema da
fragmentação, questionamos se a centralização das decisões em uma única
organização, a ONUMA, qualificaria o referido processo, ao passo em que são
indiscutíveis os benefícios passíveis de serem conquistados através das
estruturas em rede.
A
conclusão a qual se chega é que a superação dos problemas tratados neste
artigo, no que diz respeito tanto à fragmentação do processo decisório, quanto
à arquitetura da participação, requer estudos mais aprofundados sobre os reais
interesses subjacentes ao uso do termo "governança" diante das
questões ambientais - muitas vezes problematizadas em termos econômicos em
detrimento de sua condição de direito humano universal.
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